Crónica de Bagão Félix: Esta Lisboa que eu amo

Rua Augusta, em Lisboa (Foto: Nuno Pinto Fernandes/GI)
Nasci em Ílhavo. Por lá e pela Costa Nova e Aveiro passei a infância e parte da juventude. Aos 17 anos vim para a Universidade em Lisboa e por cá fiquei, ainda que intervalando com o Alto Alentejo. Aqui nasceram as minhas filhas e netas. Com mais de meio século a viver nesta cidade, nela penetrei e ela se entranhou em mim.

Não foi amor à primeira vista. Foi-me seduzindo suavemente no tempo em que, estudante, a ia conhecendo nos interstícios do estudo. Com a vantagem da proximidade que sempre nos é dada pelo palmilhar de avenidas, ruas, azinhagas, becos, pois que, nesse tempo, automóvel era assunto que não se nos colocava.

Lisboa é, para mim, uma cidade de todo diferente, inigualável mesmo. Na sua cor, que vista do céu é predominantemente rosácea, e observada do chão é de uma policromia aprofundada por uma luminosidade quente. Na sua alma, feita de fado e alguma simpática displicência. Na sua diferencialidade, construída entre colinas, curvas, luzes, janelas, vielas. No seu garbo sem soberba. Na sua brisa do fim da tarde, cadenciada e temperada por um Tejo que a abraça. Na sua calçada, que nos acolhe dignamente. Na mistura do seu rosto salpicado de traços mediterrânicos e de uma arabizada pitada de sal. Na descoberta permanente do seu recheio sem fim.

A cidade é, também e sobretudo, o meu ponto de encontro. Com pessoas, com memórias, com saudades, com sonhos. Sobretudo por meio de pontes, laços, cumplicidades, raízes. Gosto da Lisboa em férias. Como é bela a cidade na maior quietude do tempo em que as pessoas dela partem para descansar. Gosto do outono lisboeta com um frio delicado e bastante para arrefecer o calor e um calor tímido e necessário para aquecer o frio.

Gosto do detalhe de cada esquina da cidade. Às vezes, por descobrir, outras vezes redescobrindo com novas amplitudes dentro de mim. Gosto das cidades dentro da cidade, dos bairros tão diferentes como complementares, em que a ideia do todo é superior à soma das partes. Enamoro com sofreguidão as casas, em boa hora reabilitadas, tão singulares quanto intemporais. Ando de braço dado com a variedade de árvores que o clima ameno oferece desde as bétulas de climas mais frios, até aos exuberantes jacarandás de habitat subtropical.

Gosto da fusão entre Lisboa e o rio. Como dizia a canção, “nesta Lisboa que eu amo […] tem o Tejo a seus pés a chorar de amor por ela”.




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