Crónica de André Rosa: sobre o chico-espertismo

(Fotografia: DR)
O significado é empírico, mas o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa esclarece-o: “Que ou quem se acha muito esperto ou mais esperto do que os outros; Que ou quem age de modo oportunista e, por vezes, desonesto, desrespeitando regras em proveito próprio”.

Este verão passei uma semana de férias num hotel “tudo-incluído” no Algarve e na primeira manhã, ao sair à varanda para verificar o estado do tempo, deparei-me com uma situação inesperada. Todas as espreguiçadeiras em redor da piscina (e, pasme-se, até nos relvados mais afastados) se encontravam cobertas por toalhas de banho, cada uma de sua nação, e vários hóspedes caminhavam entre as pequenas camas, depositando as suas toalhas silenciosamente, naquilo que parecia ser uma operação relâmpago premeditada.

Fiquei honestamente surpreendido com este comportamento de quem é capaz de se levantar bastante cedo para reservar as suas espreguiçadeiras favoritas antes mesmo de ir tomar o pequeno-almoço. De férias de verão num hotel, nunca me lembraria de acordar às seis ou sete da manhã para ir marcar território à beira da piscina, quando aparentemente existem espreguiçadeiras em número suficiente para satisfazer a procura, que se compreende ser elevada na época alta.

Este comportamento tem um nome simples: chico-espertice. O significado é empírico, mas o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa esclarece-o: “Que ou quem se acha muito esperto ou mais esperto do que os outros; Que ou quem age de modo oportunista e, por vezes, desonesto, desrespeitando regras em proveito próprio”. Todos os dias nos confrontamos com comportamentos deste género, e, perante a inutilidade de nos rebelarmos contra eles, resta-nos o repúdio moral.

Outro comportamento paradigmático de chico-espertismo acontece na estrada: há sempre algum condutor que atravessa a rotunda por fora mas sai na segunda saída; ou que decide parar o carro em segunda fila, ativando os quatro piscas como salvo-conduto universal. Nos centros comerciais, os chicos-espertos dão ainda mais nas vistas quando resolvem enviar um batedor em busca de uma mesa livre, ocupando-a enquanto os outros membros do agregado ficam na fila do restaurante. Entretanto, há quem procure mesa de tabuleiro na mão.

O chico-espertismo assume várias nuances na convivência no espaço público, umas mais dissimuladas que outras, mas sempre nefastas para o equilíbrio de uma sociedade que se quer civilizada e pautada pela urbanidade. É também uma expressão de egoísmo e egocentrismo, a partir do momento em que tolda o discernimento de quem o pratica e resolve agir em proveito próprio, por vezes sem olhar a meios para atingir os fins, por mais inócuos que possam ser. Todavia, não é um mal que nos assole involuntariamente. Basta substituí-lo pela sensatez e razoabilidade.




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