Crónica de André Rosa: A arte de não fazer nada

(Fotografia: DR)
O ócio nunca foi visto por ninguém com bons olhos, mas mesmo que ignoremos esse julgamento de quem nos rodeia, não fazer absolutamente nada parece ser cada vez mais difícil.

Permitir-nos a não fazer nada, isto é, a somente existir em diálogo interno com os nossos pensamentos e botões, está a tornar-se um exercício cada vez mais difícil de praticar com aproveitamento. O ócio nunca foi visto por ninguém com bons olhos – estando desde sempre associado a um comportamento pouco virtuoso, próprio de quem é preguiçoso ou mandrião -, mas mesmo que ignoremos esse julgamento de quem nos rodeia, não fazer absolutamente nada parece ser cada vez mais difícil.

Numa sociedade organizada em torno do trabalho, é fácil entrar na lógica da cadeia produtiva que procura extrair dos trabalhadores o máximo rendimento, seja qual for o setor de atividade. Tudo certo até aí. E quando existe tempo de descanso, porque não é válido ocupá-lo com a mais pura e divertida indolência, mesmo que isso não seja o mais socialmente aceitável? Forçar a mente a “desligar-se” dos estímulos que a controlam, vindos de toda a parte e a todo o momento, é atualmente um desafio.

 

Nem sempre temos de ser produtivos no sentido literal. Sê-lo-emos em igual medida a ler um livro que nos estimule a imaginação

 

 

 

 

Resistir à tentação de abrir as notificações do telemóvel, de abrir a caixa de correio eletrónico e de atender chamadas quando se está de férias (ou “out of office”, na linguagem empresarial) é zelar, em primeiro lugar, pelo auto-respeito pelo tempo de descanso e, em segundo, contribuir para a autopreservação da mente e do corpo que merecem, com justeza, ter tempo para desconectar-se de tarefas, ideias e preocupações. Nesse instante, ganha então valor o esforço de não fazer nada.

A verdade é que nem sempre temos de ser produtivos no sentido literal. Sê-lo-emos em igual medida a ler um livro que nos estimule a imaginação ou a ouvir músicas e canções que correspondam ao nosso estado de espírito. Estar de férias é, à priori, tudo isto e muito mais. Também pode, simplesmente, ser entregar o corpo ao conforto de uma espreguiçadeira, na qual afundamos cada centímetro dos nossos músculos, prontos para nos deixarmos cristalizar ao sol, como um lagarto na pedra.

É nestas situações que a locução italiana “dolce far niente” assume o seu grande e belo significado de “agradável ociosidade”, ou o ideal de uma ociosidade despida de compromissos e horários e convenções sociais. Devíamos todos praticá-lo mais.




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