Crónica de Ana Costa: Sabores do verão

(Fotografia de StayHereForYou/Pexels)
Escolher melões, meloas e melancias é uma arte que continuo sem dominar, ou sequer compreender, mas vejo com atenção e deleite os entendedores a bater em todas as esferas verdes que vão crescendo no quintal.

Este verão tem sabor a melancia, tomate chucha e curgete. Nas últimas semanas o quintal tem sido generoso nessas colheitas e as barrigadas que sempre acompanham as boas safras sazonais, não sendo esta exceção, parecem-me mais um sinal de veraneio que o calor que me aquece os pés descalços na varanda, onde desfio páginas ao computador, enquanto espero que chegue a minha vez no carrossel fugaz das férias grandes.

É uma fatia bem doce de melancia, carnuda e sumarenta, que me transporta a uma época em que as férias de verão eram intermináveis e o sinal mais evidente da estação era a elasticidade dos dias, preenchidos até às costuras de momentos de fruição. Curiosamente, não tenho memória de me lambuzar com melancia nesses verões. Eram as ameixas que nos enchiam a barriga, a mim e aos primos que acabavam sempre por aparecer em casa dos meus avós, apanhadas diretamente da ameixoeira nas traseiras da casa que nos viu crescer, na Rua da Aldeia do Sol. Sempre achei poético este topónimo – a freguesia não se chamava Aldeia do Sol, mas uma só rua albergava em si esse título – e reconheço agora um sentido prático nesse nome. De facto, não tenho imagem de algum dia cinzento e chuvoso ali, ainda que certamente os tenha havido com fartura, só dias soalheiros, quentes e doces. O sol guiava-nos as brincadeiras desde manhãzinha até ao entardecer, quando entregávamos os corpos cansados ao sofá, de pele suada e pés sujos de terra, na penumbra rasgada pelos últimos raios de luz do dia que entravam pela janela do terraço.

Nas horas de maior calor, refugiávamo-nos debaixo da ramada, já frondosa e carregada de cachos na fase final da maturação. Lá para o final das férias, as uvas americanas entravam para o ramalhete de sabores com que nos refastelávamos no verão.Também já lá estavam as saladas de tomate coração de boi, em almoços molengos, cuja sobremesa era amiúde uma meloa, cortada a meio e preenchida no centro com vinho do Porto, para que cada colherada de fruto ficasse embebida no néctar doce. Ou então um melão branco, escolhido pelo avô Clemente, através de uma série de apalpadelas em zonas específicas do fruto. Escolher melões, meloas e até melancias é uma arte que continuo sem dominar, ou sequer compreender, mas vejo com atenção e deleite os entendedores a bater em todas as esferas verdes que vão crescendo no quintal e decretando, pelo som que fazem, se estão ou não prontas a colher. A técnica tem-se revelado feliz, pelo que não questiono. Até porque me tem fornecido bons exemplares nas últimas semanas, como este que me fez refletir sobre o quão longo costumava ser o verão – parecia durar um ano inteiro -, e de como agora passa a correr, passa-me ao lado. Valem-me as barrigadas de melancia para me lembrar que está aí.




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