Vinhos naturais: o que são e por onde começar a provar

(Fotografia de Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)
Para uns representa um exotismo quimérico, para outros assunto quase religioso, mas no fundo está longe de ter lugar firme na categorização simples de supermercado, onde a proveniência e arrumação dos vinhos por origem ainda prevalece. Mas no fundo todos já ouvimos pelo menos falar de vinhos naturais.

Todos têm opinião formada, mas quando se trata de a explicar, não encontramos duas iguais. Compreensivelmente, no caso de amadores recém-chegados ao mundo fabuloso do vinho, inevitável no caso de enólogos de grande maturidade e pensamento intelectualmente orientado, e imperativo de consciência para todos os que têm em primeiro lugar a fixação em fazer melhor o seu trabalho. Há muitos caminhos e formas.

Tive o privilégio de estar em casa de Dominique Lafon em Meursault (Borgonha) e ouvi-lo dizer desassombrado que é adepto da biodinâmica e utiliza muitos dos seus princípios, mas considera que tem de ser seletivo na sua aplicação. A expressividade dos seus vinhos aumentou muito, assim como o sabor. Por cá temos também os nossos mestres da inovação e todos sem exceção têm uma espécie de ligação à terra; todos os seus vinhos são feitos na vinha. Esse podia ser o primeiro postulado da impossível sistematização dos vinhos naturais. O segundo é sem dúvida o do domínio total dos conhecimentos convergentes da enologia. De certa forma, ser enólogo ajuda muito; saber como agir e intervir. Afinal, no limite estamos a falar de alimentação e nutrição, é bom que quem faz os vinhos tenha conhecimentos sólidos e seja adepto da pureza e obcecado pela qualidade. Claro que como diz o povo, o hábito não faz o monge, e ser enólogo não basta, mas não há pior cenário do que aquele em que o produtor faz “assim só porque sim”. Ainda existe – e como! – uma horda que olha com desdém e sobranceria para quem faz vinhos na forma industrial, com as inevitáveis correções de mostos e adição de leveduras. No mundo consciente e intelectualmente orientado, ninguém deve criticar ninguém, antes prontificar-se a ajudar. É o terceiro postulado que proponho: trabalhar em rede e sem segredos. Os encontros e as cimeiras servem sobretudo para a partilha, e há que renunciar a excessos de protagonismos e egos.

Com o tempo, frequência e prova aturada, tudo começa a ganhar corpo, e passamos a aproximar-nos mais do maravilhoso edifício que é em simultâneo a mais bela aventura do universo do vinho. O recrudescimento dos vinhos de talha e a viagem que nos coloca no tempo dos romanos e fenícios é um manifesto favorável à minimização da intervenção. Hoje entramos numa adega, vemos ovos de cimento, perguntamos para que servem e os enólogos explicam que se trata de instrumentos de alta precisão para afinar os vinhos que pretendem fazer. As barricas utilizadas para estagiar vinhos são tendencialmente de maior dimensão e de segunda ou terceira utilização, menos interventiva. Um sem-número de situações e casos que vamos colecionando e provando e que nos põe no trilho dos vinhos naturais. São melhores e estão a ser feitos pelos melhores. É por aí que temos de ir, é por aí que iremos.

 

Dez sugestões de vinhos naturais nacionais

Dificilmente os vinhos que ganham concursos são ratificados universalmente como os melhores. Muitas vezes, os consumidores reagem pela negativa, pelo simples motivo da novidade. Agora imagine a seleção ideal, em que os vinhos rapidamente se tornam favoritos logo à primeira prova. Apresentamos-lhe um elenco único e inédito, de vinhos que todos se pode considerar naturais e que nunca mais vai querer perder de vista. Bem portugueses, cheios de sabor, produtos do melhor talento. Boas provas!

 

Soalheiro Terramatter Alvarinho Bio Monção e Melgaço (12,5%) | Classificação Evasões: 18,5 valores
Vinusoalleirus

Vinho de matriz diferente dos restantes do portfólio da casa, é produzido em três partes. Uma parte fermenta em cubas de aço inoxidável. Outra é submetida à fermentação alcoólica e à fermentação malolática em barricas tradicionais de madeira de castanho típica da região do Minho. A terceira parte fermenta em “ovos” de betão onde depois é feita a bâtonnage natural. Lote final redefine a sensação de mineralidade. Muito bem! Preço: 17 euros

 

Torre de Tavares Rufete Dão tinto 2019 (12,5%) | Classificação Evasões: 18 valores
Tavares de Pina
Maceração oito a dez dias em contacto com as películas. Fermentação espontânea em lagar inox oito a dez dias sem controlo de temperatura, leveduras autóctones. Transformação malolática e estágio prolongado de cerca de dez dias nas massas, sem agitação das borras. Estágio de nove meses em castanho. É um grande e maravilhoso Rufete, que facilmente adotamos como padrão da casta. Preço: 19 euros

 

Definido Vinhas Velhas Dão tinto 2019 (12%) | Classificação Evasões: 19 valores
Carlos Raposo
Uvas de vinhas velhas entre 60 e mais de 100 anos. Fermentação natural em cuba de cimento com 60 anos sem qualquer adição de produtos químicos ou leveduras. Parte foi trasfegada para barricas de carvalho francês, onde estagiou 20 meses, a outra parte ficou na mesma cuba. Após malolática, estágio de dois anos. O nome deste vinho não podia estar mais correto. Tensão, definição e muito sabor. Preço: 35,30 euros

 

Niepoort Voyeur Douro tinto 2021 (11%) | Classificação Evasões: 17,5 valores
Niepoort
O Voyeur é proveniente de seis vinhas velhas localizadas em diferentes exposições e altitudes no vale do Douro. Cada uma destas vinhas fermentou e macerou em talha de barro de 1000 litros por cerca de seis meses. A mistura de castas nas vinhas, incluindo as brancas, é um fator preponderante para a complexidade aromática e estrutura do vinho. Liberdade e muito prazer. Preço: 20 euros

 

Vicentino Pinot Noir Naked Alentejo branco 2021 (12,5%) | Classificação Evasões: 17 valores
Adega Costa Atlântica
Com uma acidez natural incrível no cenário alentejano, este vinho apresenta uma frescura praticamente inédita. Prensagem muito suave das uvas, de que se aproveita apenas o primeiro mosto, no restante processamento há muito pouca intervenção. O resultado é este perfil amigo da mesa, em todas as frentes. Copioso e seco, excelente com pratos orientais exóticos. Preço: 10 euros

 

Paulo Laureano Vinho de Talha Alentejo tinto 2018 (14,5%) | Classificação Evasões: 17,5 valores
PL Wines
Mistura de várias castas tintas das vinhas velhas da Vidigueira, vinificadas utilizando técnicas seculares, em talhas de barro. Fermentação natural, estágio longo sem adição de qualquer produto ou correção. Estágio dois anos em barricas velhas de 600 litros seguidos de mais dois em garrafa. Fresco e fino, preparado para a mesa clássica. Preço: 22,50 euros

 

 

Proibido À Capela Douro tinto 2020 (12%) | Classificação Evasões: 17 valores
Márcio Lopes Douro
Uvas do Douro Superior, brancas (10%) e tintas (90%) field blend. Cachos desengaçados à mão e uvas pisadas num pequeno lagar. Fermentação espontânea de 20 dias. Trasfegado a cântaro sem uso de eletricidade. Estágio dez meses em cuba. Vinho de grande franqueza, um demonstrador do que pode ser a abordagem mais natural ao vinho. Preço: 19,50 euros

 

Filipa Pato Post-Quer..s Baga Bairrada 2021 (12,5%) | Classificação Evasões: 18 valores
Pato & Wouters
Filipa Pato tornou-se em pouco tempo um dos grandes emblemas nacionais de luta pela autenticidade do vinho e ao mesmo tempo corporiza o núcleo duro dos cultores da casta Baga, na sua muito querida Bairrada. A exploração deste vinho no palato é de simplicidade desarmante, facilmente nos sentimos teleportados para a Borgonha. Fruta imaculada, camadas e camadas de complexidade. E muito prazer. Preço: 20 euros

 

Quinta das Bágeiras Garrafeira Bairrada tinto 2017 (13,5%) | Classificação Evasões: 19 valores
Mário Sérgio Nuno
Uvas de vinhas muito velhas, com mais de 90 anos. Fermentação entre cinco a oito dias em lagar aberto e sem desengace. Intensidade notável, conseguida via remontagens ao longos de muitos dias. A fermentação é terminada em tonéis antigos de madeira, onde estagia por 18 meses. É engarrafado sem qualquer colagem ou filtragem. Um clássico bairradino que desafia o tempo. Preço: 31 euros

 

Planet Nina Dão tinto 2020 (12%) | Classificação Evasões: 18 valores
Casa de Mouraz
Uvas de uma vinha de 60 anos, castas brancas e tintas em partes iguais. Vinificação em lagar tradicional, mistura de uvas brancas e tintas. Pisa suave a pé no primeiro dia. Fermentação natural duas semanas sem qualquer adição ou correção, apenas alguns gramas de tisana de flor de castanheiro durante a pisa a pé. Estágio 12 meses inox. Pura sedução, complexidade e muito futuro. Preço: 16,90 euros




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