Como as Linhas de Torres impediram a terceira invasão francesa (e o que fazer à volta)

A primeira linha fortificada na Península de Lisboa, em Torres Vedras, foi decisiva, em 1810, para o desfecho das invasões napoleónicas. O Forte de São Vicente é o melhor ponto de partida para conhecer este período histórico, cujas marcas perduram ainda hoje na gastronomia e até no enoturismo.

No centro do FORTE DE SÃO VICENTE, com os olhos postos na cidade encaixada entre montes e vales agrícolas, quase se consegue visualizar mentalmente a presença das tropas francesas comandadas pelo general André Masséna, a mando de Napoleão Bonaparte. É o ano de 1810 e os franceses tentam, pela terceira vez desde 1807, chegar até Lisboa com o objetivo de “aprisionar a família real portuguesa, forçar a abdicação e tomar o controlo do porto de Lisboa, por onde entravam as riquezas das colónias”, explica o guia Paulo Ferreira.

“Toda a gente estava à espera da invasão, era só uma questão de tempo, sobretudo depois da Guerra das Laranjas, em Olivença, em 1801”, contextualiza o guia intérprete do Turismo do município de Torres Vedras, para explicar como houve tempo para desenhar e erguer o enorme sistema defensivo das Linhas de Torres Vedras. O Forte de São Vicente, a par do Forte do Alqueidão, no concelho vizinho de Sobral de Monte Agraço, era então uma das mais importantes fortificações da primeira linha, que ia até Alhandra, num total de 46 km.

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

Quando as tropas inimigas entraram em Portugal em 1810, já tinham sido construídas 126 das 152 fortificações, maioritariamente fortes situados no topo de colinas, com o propósito de reforçar obstáculos naturais no terreno e vigiar as estradas em direção a Lisboa. Uma obra complexa levada a cabo por Arthur Wellesley, conhecido como duque de Wellington, ao abrigo da velha aliança atlântica entre Portugal e Inglaterra, graças à qual homens, equipamentos e conhecimento militar avançado chegaram ao país após a primeira invasão.

Percorrer o forte poligonal rodeado por um fosso ajuda a imaginar a presença dos milhares de homens do exército anglo-português, que em 1810 estava já na vanguarda em matéria bélica, dispondo de três linhas defensivas de última geração (a segunda, entre o Forte da Casa e Ribamar, com 40 quilómetros, e a terceira em redor do Forte de São Julião da Barra, em Oeiras). Todas eram dotadas de um sistema de comunicações adaptado pelo general Wellington a partir do da marinha inglesa, como o que está no centro interpretativo do forte.

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

O CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DAS LINHAS DE TORRES, integrado na Rota Histórica das Linhas de Torres (que engloba Arruda dos Vinhos, Loures, Mafra, Torres Vedras, Sobral de Monte Agraço, Vila Franca de Xira, Lourinhã e Bombarral), mostra como a primeira linha foi absolutamente decisiva para o desfecho da Guerra Peninsular. Além de expor os factos de forma apelativa, tem a réplica de um telégrafo de balões inglês (que permitia aos fortes comunicarem entre si) e uma coleção de caricaturas da época, entre outros artefactos.

O Forte de São Vicente nunca chegou a ser palco direto da guerra, tal como muitas outras fortificações entre o Tejo e o Atlântico nunca foram implicadas, por isso afirma-se que as Linhas de Torres cumpriram plenamente o propósito de dissuadir o inimigo de se aproximar da capital. Observável a partir do forte numa posição cimeira no centro histórico da cidade e visitável gratuitamente, o CASTELO DE TORRES VEDRAS é também um testemunho vivo do esforço de guerra, visível nos baluartes construídos a pedido do general Wellington.

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

Passeando a pé pelas ruas da cidade velha é fácil descobrir o PATANISCA. Dedicado à boa cozinha tradicional, alargou o leque há uns anos com a introdução do menu temático Linhas de Torres, em que o bife Wellington é o protagonista. Este clássico da Cozinha, com origens difusas, foi um dos pratos que os chefs e cozinheiros do concelho puderam aprender a fazer no âmbito de uma formação promovida pela Rota Histórica. O chef Vítor Pereira respondeu com entusiasmo ao desafio e hoje confeciona-o todo o ano, mediante encomenda prévia.

“A confeção leva, em média, 40 minutos porque a receita tem muita técnica”, conta o chef, apresentando um rebuçado de massa folhada com legumes salteados. Cortado ao meio, o bife da vazia surge envolto em pasta de cogumelos e com um molho feito a partir do suco dos ossos da vaca. A completar o menu oitocentista há uma entrada de queijo de cabra com massa filo, no forno, com mel e nozes; e uma sobremesa de tarte de pastel de feijão, o doce típico do concelho, empratada a simbolizar uma fortificação. “O açúcar é a pólvora”.

“Quem não arrisca não patanisca”, lê-se nos individuais do restaurante liderado há quase 12 anos por Vítor e a amiga Clarisse Rodrigues. E, de facto, não há quem não peça uma como entrada, conta a torreense. Em matéria de vinhos, o Patanisca presta tributo ao território, ou não fosse Torres Vedras uma zona vitivinícola de excelência dos Vinhos de Lisboa. A QUINTA DA FOLGOROSA, a 20 minutos da cidade, é um dos parceiros da Rota Histórica das Linhas de Torres e ajuda a contar mais um capítulo da cronologia da terceira invasão.

“Ali em baixo fica o Campo Junot, onde se sabe que o exército francês esteve acampado”, aponta o responsável Simão Cardoso no sopé de um moinho de vento. É aqui, na parte mais antiga da quinta do século XVIII (comprada pelo grupo Lindeborg há quatro anos), que as caminhadas de enoturismo têm início, acompanhadas pelo afável border collie Pinot Noir. Dos 55 hectares de vinhas 21 são biológicos, explica o enólogo, destacando o Arinto como a casta principal, que não só tem uma boa performance, como também muito simbolismo.

Consta que quando Junot foi baleado, aquando da primeira invasão, o duque de Wellington enviou-lhe uma carta de melhoras e uma garrafa de vinho da ribeira Maria Afonso, descrito como “um dos melhores vinhos brancos [Arinto] de Portugal”, avança o enólogo. “Este tipo de cortesia era comum entre oficiais de ambos os lados”, corrobora Paulo Ferreira, guia intérprete, acrescentando: “Foi Wellington que apresentou um vinho Arinto à corte inglesa, que o adorou e adotou como vinho oficial. Isso terá iniciado a exportação para Inglaterra”.


Dormir no Dolce CampoReal Lisboa

Situado em plena Paisagem Protegida das Serras do Socorro e da Archeira, rodeado de colinas ondulantes, o resort Dolce CampoReal Lisboa pode ser um bom ponto para partir à descoberta da Rota Histórica das Linhas de Torres. Além de 151 quartos e suítes, dispõe de um spa (tratamentos, circuito de águas, sauna, jacúzi e ginásio), campo de golfe e futgolfe, aluguer de bicicletas elétricas e de BTT, duas piscinas exteriores e uma interior. A oferta de comidas e bebidas inclui vários restaurantes, como o Grande Escolha, e bares, cabendo ao Wellington Bar a sempre justa homenagem ao general que orquestrou a defesa do território.

(Fotografia: DR)


O que se comia à mesa dos generais

Esta sexta-feira, 20 de outubro, celebra-se o Dia Nacional das Linhas de Torres e termina a iniciativa gastro-histórica “À Mesa dos Generais”, que durante uma semana reuniu 22 restaurantes de vários concelhos na reconstituição de alguns pratos oitocentistas. Cada espaço recuperou pelo menos dois pratos (entrada, prato principal ou sobremesa) do século XIX, adaptando-os aos nossos dias. O bife Wellington, cunhado pelo general que comandou o exército anglo-luso, é um entre vários exemplos. A iniciativa é organizada pela Rota Histórica das Linhas de Torres.

(Fotografia: DR)


 



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