Pesca, francesinha e arte: roteiro de um lisboeta no Porto (dia 2)

Pesca, francesinha e arte: roteiro de um lisboeta no Porto (dia 2)
(Fotografia: Pedro Granadeiro/GI)
Paredes com história que hoje se vestem com arte, mesas que se movem entre a tradição e a inovação, espaços verdes que marcam pela diferença: o tempo parece sempre pouco para (re)descobrir a Invicta. Segundo roteiro de uma reportagem de três partes.

Mar, romances proibidos e… as famosas francesinhas

Um ano e 12 dias. Foi da sua pequena cela privada, ainda que com o luxo de ter tido uma janela com vista panorâmica para a Sé, que Camilo Castelo Branco se inspirou para escrever «Amor de Perdição» e «Doze Casamentos Felizes», entre os outubros de 1861 e 1862. Foi neste que descreveu como «o melhor quarto da cadeia» que o escritor aguardou julgamento por adultério com Ana Plácido, do qual foi depois absolvido.

Estas e outras celas, incluindo as térreas e coletivas, com condições difíceis e onde cabiam até 100 homens, podem ser visitadas de forma gratuita no Centro de Fotografia Português. No edifício onde se celebra há 20 anos a arte da objetiva, e que levou mais de 30 anos a construir, entre 1765 e 1796, funcionou o Tribunal e Cadeia da Relação. As paredes das várias celas vestem-se hoje de exposições de arte, que mudam ao longo do ano. Esta é a nova vida de uma casa histórica, com a insólita forma de um trapézio, que a autarquia quis retirar do abandono e esquecimento. Aqui, fazem-se visitas guiadas a custo zero e fica-se a conhecer a evolução das câmaras fotográficas analógicas ao longo do tempo, no núcleo museológico.

O Centro Português de Fotografia, antiga cadeia. (Fotografias: Pedro Granadeiro/Gl)

O Miradouro da Vitória. (Fotografia: Igor Martins/GI)

Os conhecimentos fotográficos podem e devem, de seguida, ser postos à prova no Miradouro da Vitória, nas traseiras deste edifício, e com vista para Gaia ribeirinha, as caves e a Sé. Um «cantinho» que muitos portuenses já conhecem, mas que este lisboeta nunca tinha pisado. Uma imagem pode valer mais do que mil palavras, já se sabe, mas ainda há quem tente descrever a cidade num graffiti ao lado do miradouro, onde se lê: «Invicta, teu cheiro, teu sabor, tua cor».

Na Afurada, a vila de pescadores em Gaia, a cor predominante não engana: é o azul do rio e do mar. Por aqui, são tantas as esplanadas como as grelhas a carvão, prontas a receber o peixe mais fresco do dia: lampreia, enguia, savelha e robalo são dos que têm presença mais constante.

Há cinco anos, o Centro Interpretativo do Património da Afurada veio ocupar cinco armazéns degradados, para homenagear os pescadores locais e aplaudir o esforço que implica esta dura atividade. Há imagens de cheias e da rígida pesca do bacalhau, que leva os homens da vila até aos mares da Gronelândia, para além de trajes de pescadores e construções em formato miniatura das várias embarcações usadas, das caícas aos bateiros, botes, veleiros e traineiras.

Também neste centro, de entrada gratuita, alerta-se para a poluição dos oceanos com a exposição «Mar de Plástico», disponível até dia 24, e alerta-se para a evolução do papel da mulher na Afurada, com imagens de senhoras amanhar o peixe e a lavar a roupa ao ar livre, num antigo riacho.

O barco que liga Foz e Afurada. (Fotografia: Pedro Granadeiro/Gl)

A forma mais rápida de voltar à margem ribeirinha do Porto é a bordo de um pequeno barco, o Flor do Douro, que chega ao Largo do Ouro em apenas dois minutos, num passeio que se desfruta na perfeição com um dia de sol. Curiosamente, ao contrário do que esperava, só se ouve falar português neste barco – muitos usam-no para atravessar margens no dia-a-dia. Já do outro lado, há ainda tempo para uma sessão de observação de aves – leia-se as largas dezenas de gaivotas que por ali poisam -, junto ao Jardim do Calém, na Foz.

Não tantas, ainda assim, como as francesinhas que saem, todos os dias, a um ritmo estonteante da cozinha do Capa Negra II, no Campo Alegre. Nesta histórica casa com quase cinco décadas de portas abertas, uma das mais conhecidas quando se pretende saborear esta iguaria local, servem-se 500 francesinhas por dia. O recorde diário, ainda assim, mantém-se nas 1200 unidades.

(Fotografia: Pedro Granadeiro/GI)

António Granja, diretor geral, ainda se lembra da primeira que provou. Devia ter uns cinco anos. «O meu pai pediu uma em Gaia, eu lembro-me de ter provado e de ter achado muito picante», recorda. Hoje, não vive sem a sua dose de picante. A fidelização do público tem-se mantido inabalável. «Somos uma casa muito estável. Até há muito pouco tempo, o molho das francesinhas era feito pela mesma pessoa há 40 anos», explica Granja, natural de Cinfães.

No Capa Negra II, escolhe-se entre a francesinha tradicional, em pão bijou, a sevilhana (com camarão), com ovo, com batata e a versão em cachorro. Mas não esperem mais alterações. «As nossas francesinhas são iguais desde o início. Hoje há de tofu, de frango. Imaginar uma francesinha light é subverter a sua realidade», conta. A sua preferida, acrescenta, é a «sem tampa», ou seja, sem a fatia superior de pão. «Não enche tanto», explica, sentado à mesa, perante casa cheia. Muitos dos clientes já os conhece de nome. «O mais antigo que tínhamos morreu há pouco tempo. Tinha 99 anos e vinha sempre cá, desde o primeiro dia do restaurante», diz. Antes de ir embora, é obrigatório provar os rissóis de carne, tão conhecidos na casa como as francesinhas. Sequinhos e bem recheados.

 

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