Serra, sabores e memórias da cortiça e da EN2: os encantos de São Brás de Alportel

A rugosidade da cortiça, a pureza do azeite, a doçura das sobremesas regionais, a mineralidade dos vinhos - tudo isto representa o chamado barrocal algarvio, encaixado entre a serra e o litoral. São Brás de Alportel é um dos pontos de partida nesta viagem, onde não faltam boas mesas e um magnífico hotel-palácio para dormir.

Ao final da manhã, a ECO-FÁBRICA DE CORTIÇA FRANCISCO CARRUSCA, nos arredores de São Brás de Alportel, recebe um novo grupo de visitantes. A maioria é estrangeira. “Só em março recebemos mais de um milhar de pessoas”, comenta Sofia Carrusca enquanto guia a “Evasões” pelas entranhas da fábrica de transformação de cortiça em prancha aberta há 43 anos pelo seu pai. Há cortiça por todo o lado, em montes para ser selecionada e em paletes enormes.

Antes de ali chegar, a cortiça foi tirada de sobreiros em todo o Alentejo e nas serras algarvias do Caldeirão e Monchique e vendida à fábrica. Todo o processo que se desenrola a partir daí é revelado aos visitantes, numa espécie de visita de estudo. O percurso leva cerca de 1h e termina numa loja (que este verão deverá ganhar um novo espaço), onde se vendem os mais variados acessórios de moda, peças de artesanato e artigos utilitários produzidos em cortiça, uma matéria-prima tão versátil.

Sofia Carrusca gere hoje a fábrica do pai, Francisco Carrusca. (Fotografia de Gerardo Santos/GI)

(Fotografia de Gerardo Santos/GI)

Dali sai-se a perceber porque é que a cortiça é o produto nacional mais exportado e que aplicações tem, desde o isolamento térmico e acústico à aeronáutica, além de se tomar conta da urgência em valorizar os velhos ofícios e toda a cadeia de valor a eles associada. Formada em Património Cultural e apaixonada pelo turismo industrial, Sofia não só fez parte da extinta Associação Rota da Cortiça como fundou a Algarve Rotas, para dar a conhecer aos forasteiros o património histórico-cultural e ambiental da região.

Eleito árvore nacional, o sobreiro (de nome científico Quercus suber) continua a ser um importante recurso para as populações rurais, ainda que como indústria tenha sido ultrapassada pela doçaria regional à base de amêndoa, alfarroba, figo e mel. À entrada da desertificada aldeia de Parises, escondida entre os montes e vales da Serra do Caldeirão, há cortiça acabada de tirar e tradições para descobrir num novo equipamento útil para a comunidade e com interesse turístico: a CASA DA SERRA.

(Fotografia de Gerardo Santos/GI)

Isabel Rodriges é a guardiã da Casa da Serra e oferece biscoitos aos visitantes. (Fotografia de Gerardo Santos/GI)

Esta “casa onde cabe a serra dentro” estava abandonada há meio século. Agora, além de contextualizar a ocupação humana da Serra de Mú, como também é conhecida, mostra o quotidiano serrano em 12 pequenos cenários etnográficos (como o corte da lenha, a tiragem da cortiça, a missa, o pastoreio e a festa local), habitados por bonecos de pano feitos por uma artesã octogenária. Antes de sair, os visitantes podem provar os “biscoitos de festa” feitos pela guardiã Isabel Rodrigues.

No último fim de semana de julho, a Festa da Serra animará a população e todos os que a ela se quiserem juntar com mostras de artesanato e doces, gastronomia local, turismo equestre, bailes e animação. No caminho de regresso à vila, vale a pena parar o carro no Miradouro do Alto da Ameixeira, a 464 metros de altitude, para ver o manto mediterrânico de sobreiros, carvalhos e medronheiros fundir-se com o mar. As amendoeiras e laranjeiras lembram, por sua vez, a herança do povo muçulmano.

(Fotografia de Gerardo Santos/GI)

Antes de chegar a São Brás de Alportel, é mais do que justificado o pequeno desvio até ao restaurante SABORES DO CAMPO, com a certeza de que se sairá dali com o estômago satisfeito. O menu foi renovado há pouco pelo chef são-brasense Pedro Ramos com o objetivo de redirecionar a oferta para os sabores mais autênticos do Algarve serrano, que faz esquecer por uns dias as saladas de polvo e o camarão à guilho. Está tudo certo quando a comida combina com a paisagem verde em redor.

Croquetes de javali a baixa temperatura com maionese de mostarda e papas de milho (ou xerém) com papada de porco preto, uma receita de uso ancestral, são duas das novidades. A
estas mesas, distribuídas entre um alpendre e uma sala interior grande, chegam também, ainda a fumegar, açordas de camarão e de bacalhau com pil-pil e um arroz de bochecha de
porco preto, javali e borrego que é tão-só conforto caseiro. Na garrafeira há saborosas sugestões de vinhos da região.

Memórias da EN2

Quase tão antiga como a produção de vinho pelos romanos é a calçadinha que eles deixaram no perímetro da vila. A via empedrada faria então uma ligação secundária entre Ossonoba (Faro) e Pax Julia (Beja), tendo chegado à contemporaneidade com dois troços a descoberto. A partir de 1860 foi sendo abandonada, enquanto a nova Estrada Nacional 2 interligava o país através da unificação de antigas e transitáveis estradas reais – algumas, aliás, já seguiam o traçado das milenares vias romanas.

“Temos uma história escrita à beira da EN2, que ainda nos liga à capital do Algarve”, diz com orgulho a técnica de turismo Sónia Martins na CASA MEMÓRIA DA EN2, instalada no edifício da 8ª Secção de Conservação das Estradas do Distrito de Faro, ao quilómetro 722. Sendo a única destas casas recuperada em todo o país, assume especial interesse ao mostrar como era o quotidiano dos cantoneiros que garantiam a manutenção da estrada e dos canteiros que esculpiam à mão os marcos de pedra.

Com um mapa de Portugal retroiluminado no teto torna-se mais fácil perceber onde serpenteia a EN2, que atravessa 35 municípios e 11 rios entre Chaves e Faro, nuns impressionantes 738 quilómetros. Cada secção tinha homens com diversas funções, cujos utensílios se exibem na pequena sala do piso térreo. Em cima, onde era o escritório do chefe dos trabalhadores, há um varandim de onde se vê o “centro do Universo”, uma espiral de pedra no local onde a EN2 e a regional 270 se cruzam.

(Fotografia de Gerardo Santos/GI)

Do dito centro do Universo ao restaurante YSCONDERIJO são dois minutos a pé. O ambiente é acolhedor, com paredes forradas a cortiça, instrumentos musicais e uma tela gigante de um artista local. A arte estende-se à forma como o chef Sílvio Viegas (marido de Dina Cadete, que dá apoio às sobremesas e à sala) apresenta os pratos do que chama “cozinha de fusão” com matriz mediterrânica. Da lista, o vol-au-vent de cogumelos com salada e redução de vinho do Porto é um bom início de refeição.

Para principais, o chef sugere o lombo de novilho com legumes salteados, batata gratinada e molho de vinho do tinto aromatizado com alecrim; ou o tataki de atum com arroz de sushi, legumes grelhados, gengibre e pérolas de wasabi, para quem aprecia sabores asiáticos. A abertura de um restaurante próprio já era um sonho que Dina acalentava, depois de terem ambos trabalhado na Quinta do Lago, em Almancil, e de terem gerido uma empresa de organização de eventos e batizados.


Bialógica Mercearia a Granel
Compras à moda antiga

Criar um espaço em homenagem às antigas mercearias a granel e promover um estilo de vida mais sustentável e saudável foi o que motivou Ana Beatriz Bernardo de Jesus a avançar com a Bialógica – Mercearia a Granel, numa das principais ruas de São Brás de Alportel. A loja abriu há quatro anos, mas quem dá as boas-vindas hoje é Ana João, que já procurava uma nova oportunidade quando a incentivaram a aceitar o desafio de assumir o projeto, mantendo a filosofia original.

No espaço amplo e luminoso encontra-se uma variedade de produtos de mercearia: biscoitos, pão, ervas e chás, bolachas, especiarias, farinhas, frutos secos, leguminosas, manteigas, compotas, massas, sementes e chocolates e bebidas, como a de alfarroba, produzida localmente. Produtos de limpeza, higiene pessoal e reutilizáveis (em bambu) também fazem
parte da oferta. Há brinquedos em madeira e peças de cerâmica e macramé feitas pela filha de Ana, arquiteta.

(Fotografia de Gerardo Santos/GI)


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