Vila Nova de Cerveira: uma terra sem fronteiras

Vista do Rio Minho, Portugal e Galiza, do Miradouro da Encarnação. (Fotografia de Rui Manuel Fonseca/GI)
Aquela que se tornou conhecida por “vila das artes” tem muito mais a oferecer. Além da cultura, há património natural, histórico, arqueológico e gastronómico a experimentar - dos dois lados da raia.

É no meio do rio Minho, entre a ilha da Boega e a da Morraceira, que se pode ter uma vista alargada sobre Vila Nova de Cerveira, do lado português, e Goián (Tomiño), na Galiza. Esta viagem por água doce, que funciona para uma espécie de reconhecimento territorial, pode ser feita a bordo do silencioso “ecoboat” Vida Sol, da OLÁ VIDA, empresa que promove atividades de natureza como estes passeios, mas também percursos de jipe, descidas de caiaque e stand up paddle, entre outros.

A pilotar este pequeno barco, com lugar para 11 passageiros, está Agostinho Caldas. Minhoto de Monção, a viver em Vila Nova de Cerveira há 20 anos, tem testemunhado muitas das mudanças na vila raiana. O barco solta as amarras no Parque de Lazer do Castelinho e durante a viagem, Agostinho dá conta da paisagem: o castelo medieval e a muralha que dele resta, ainda com alguns torreões; atrás, o ponto mais alto do município, no monte São Paio, com 638 metros de altura. Ao lado, a metade da altitude, na colina Alto do Castro, está a famosa escultura do cervo, do artista José Rodrigues, e aquele que é um dos mais procurados miradouros locais, o da Encarnação, com vista até à foz do Minho e ao Atlântico.

Passa-se depois pela PONTE DA AMIZADE. Inaugurada em 2004, foi uma das responsáveis pela mudança de convivência das duas margens, considera Agostinho. Se antes era um ferryboat que fazia a passagem, com as suas limitações, hoje não há desculpas para não se passar a fronteira, mais imaginária que real. “Na Galiza, as vilas desenvolveram-se mais para o interior”, conta. Cerveira está junto ao rio, e na sua margem o muito procurado Parque do Castelinho. Este é cruzado pela ECOPISTA – CAMINHO DO RIO, que já vai até Monção.

Do outro lado vê-se a pequena praia fluvial de Goián, com a antiga Fortaleza de São Lourenço, do século XVII, a servir de cenário. Subindo o rio, depois da ponte, chega-se à ilha da Morraceira, em frente a outra ilha, a da Vacariça. Estas chamam a atenção pela exuberante vegetação autóctone, com os amieiros, freixos, salgueiros, alguns carvalhos e o bordo comum (uma espécie de ácer). “As ilhas são habitats de várias espécies de aves, como o milhafre preto, que ali nidifica, ou a mais rara águia pesqueira”, refere. Guarda-rios e vários tipos de garça são outras das espécies que por lá andam. “Às vezes, vê-se javalis a nadarem até às ilhas. Eles gostam de lamaçais.”

Esta viagem de barco movido a energia solar dura cerca de meia hora. A empresa tem outra embarcação, esta já a gasolina, onde é possível fazer trajetos mais longos, de no mínimo uma hora. Nesta, desce-se o rio até Seixas, em Caminha, com passagem pelas ilhas da Boega, dos Amores e ilhas dos Cavalos.

A vila da arte contemporânea
Já em terra, explore-se então o PARQUE DE LAZER DO CASTELINHO, com as suas muitas sombras, um parque aquático para crianças e campos de jogos. O parque, tal como toda a vila, está pontuada por várias esculturas. É que aqui realiza-se desde 1978 um dos mais importantes eventos de arte em Portugal, a Bienal de Cerveira. Fundada por três importantes artistas, Jaime Isidoro, José Rodrigues e Henrique Silva, a FUNDAÇÃO BIENAL DE ARTE DE CERVEIRA foi recentemente reestruturada, mudando a sua lógica de programação, como informa Helena Mendes Pereira, da equipa curatorial e de programação (que partilha com Mafalda Santos). “Continua a haver o evento maior em cada biénio, mas quisemos que durante o ano houvesse uma programação contínua com uma linha condutora.” O tema deste ano são os 50 anos do 25 de Abril, data à qual a Bienal está intimamente ligada. Em 1974, aconteceram os primeiros encontros internacionais de arte organizados por Jaime Isidoro. Ainda antes de a revolução acontecer, organizou na portuense Galeria Alvarez o ciclo Perspectiva 74. No verão do mesmo ano, já em ambiente revolucionário, realizou os primeiros Encontros Internacionais de Arte, na Casa da Carruagem, em Valadares (Gaia), onde vivia.

“A ideia seria fazer um festival de arte todos os anos durante o verão fora das grandes cidades, com performances, happenings e debates”, conta Helena. Eram propostas provocadoras para a época, com, por exemplo, performances de nu. Nos três anos seguintes realizaram-se em Viana do Castelo, Póvoa de Varzim e Caldas da Rainha. Em 78, iria ser em Faro, mas devido às polémicas, a câmara não permitiu. João Lemos Costa, presidente da Câmara de Vila Nova de Cerveira, amigo do artista, convidou-o para organizar na vila, desafiando-o a criar uma bienal.

Cada ciclo tem agora “uma grande exposição”, residências artísticas que dão origem a outra exposição, e uma mostra no antigo espaço dos bombeiros. “Neste ciclo de programação, faz-se a pergunta ‘O que é ser livre?’”, afirma Helena. A curadora partiu da Coleção Norlinda e José Lima, com mais de 1500 peças (das quais selecionou 90), para refletir sobre o tema.

Nasceu assim a exposição “Uma terna (e política) contemplação do que vive”, que junta artistas “socialmente ativos” de vários países e épocas, onde se destacam referências das novas gerações, como o Vilhs ou Bordalo II. Mas também vai lá atrás, mostrando obras de Andy Warhol ou Sol LeWitt. Devido à grande relação de Vila Nova de Cerveira com Espanha, a curadora selecionou vários artistas espanhóis: Carmen Calvo, Antoni Tàpies, António Saura ou Eduardo Arroyo.

Polvo à galega e um cozido especial
São os galegos que ao fim de semana mais procuram Cerveira para passear, enchendo o Parque do Castelinho ou subindo ao Monte São Paio para contemplar o rio Minho, a sua foz e o Atlântico. Boa prática será também os portugueses irem conhecer as terras vizinhas. Mesmo em frente a Cerveira está o concelho de Tomiño. Estes, unem-se no projeto Eurocidade.

Em apenas dez minutos de viagem de carro, ou um pouco mais para quem optar passar a Ponte da Amizade de bicicleta (há um serviço de bicicletas partilhadas, E-bike Rio Minho, que funciona nos dois concelhos; ver caixa), está-se na Praça do Seixo, no centro de Tomiño. Ali se encontra o MERCADO MUNICIPAL, edifício com 70 anos, que esteve em bastante mau estado até que foi renovado e reaberto em 2014.

Com dois andares, o de cima está reservado para pequenos cafés/bares e restaurantes, sendo que o piso térreo é dedicado aos frescos, com frutaria, peixaria, talho, padaria e florista. A praça onde se encontra o mercado está cheia de esplanadas e espaços para comer. E quem visitar Tomiño numa quarta-feira encontrará, na esplanada do bar Entresons, o PULPEIRO LOLO.

É que todas as semanas, Lolo cumpre uma tradição galega de preparar o polvo à feira numa banca de rua. Os polvos são cozidos em grandes panelas, depois cortados e temperados com paprica, sal grosso e azeite. Durante a hora do almoço, Lolo, que é natural de Tui e pulpeiro há 15 anos, não tem um momento de descanso. “Por semana sirvo uns 300 quilos de polvo”, conta. O pulpeiro ambulante diz que não há nenhum truque para o polvo ficar no ponto, “só prática”. As bebidas para acompanhar as tábuas de polvo pedem-se no Entresons. Nos restantes dias, anda por outras vilas da Galiza (quintas, sextas e sábados em Mos e domingos em Tui).

Em Portugal, não há polvo à feira, mas também não falta o que comer. Perto da vila, a caminho da serra d’Arga, na aldeia de covas, o restaurante ADEGA DO LAGAR serve todas as quintas-feiras o seu famoso cozido. Gerido por Jaime Dantas, o espaço abriu nos anos 1990.

“Saí daqui com 13 anos para ir trabalhar para Lisboa”, conta. Quando voltou, o espaço, uma antiga mercearia, estava à venda. Aproveitou a oportunidade, até porque na capital trabalhou em vários restaurantes. “No início, era só um café. Depois, começámos a servir alguns pratos.” Helena, sua mulher, cozinhava moelas, febras e outros pratinhos. O espaço cresceu e criou tradição. Às quintas-feiras, dia de caça, os caçadores que por lá passavam começaram a querer comer cozido. Tornou-se assim hábito fazê-lo nesse dia da semana. Mas há muito mais para comer: frango de cabidela, bacalhau à minhota e comida no carvão e no forno de lenha, como cabrito ou pernil.

Os anos que passou em Lisboa serviram para “abrir os olhos”, como diz Jaime. Lá, conheceu artistas e escritores. O gosto pelas artes reflete-se no restaurante. Numa das paredes da sala de jantar, homenageia Nelson Vilarinho, famoso tocador de concertina, com um painel em azulejo criado por Mário Rocha, artista que vive ali perto, na serra d’Arga, conhecido por organizar há 25 anos o festival Arte na Leira.

Jaime é também um entusiasta da sua aldeia natal. Conhece todos os recantos, como o “poço dos gatos”, uma zona fluvial resguardada e verdejante. Covas, que integra a rede das Aldeias de Portugal, tem muito património ainda por explorar, nomeadamente ligado à sua história mineira. Além de minas de volfrâmio, onde só vai quem sabe, está musealizado e sinalizado o COMPLEXO MINEIRO DO COUÇO DO MONTE FURADO. É um túnel de 140 metros da época romana que servia para desviar o curso do rio Coura no verão, para se explorar o ouro enterrado nas suas areias.

Tradição e inovação
Muita história tem também outra das freguesias de Cerveira, Vila Meã. Já a meio caminho de Valença, Vila Meã tornou-se nos últimos anos sítio de referência para dormir e comer. O HOTEL MINHO, agora com quatro estrelas, nasceu como um motel junto à Estrada Nacional 13. Depois, quando foi comprado por Júlio Pires, passou a hotel de três estrelas, e a seguir de quatro. Em 2014, criou-se a área de spa e business. Quem explica é João Paulo Cabral, diretor daquela unidade desde 2019. Com 60 quartos, distribuídos por três andares, piscina exterior e interior, está envolvido por um complexo que é também uma quinta, onde não faltam cavalos, cabras anãs, galinhas e outros animais, mais uma pequena horta e aquilo que em breve será um campo de girassóis. Também tem um campo de paintball.

Dentro do complexo, no edifício ao lado, funciona o DOM JÚLIO, restaurante que começou por se chamar Braseirão e que em 2019 sofreu obras de fundo, adotando agora um nome em homenagem a Júlio Pires, pai da atual proprietária, a dona Júlia. São os filhos desta que brilham no espaço: Sofia Cruz, como chefe de sala, e na cozinha Filipe Cruz, como subchefe.

Mantendo, assim, o seu cariz familiar, o restaurante tem uma carta variada e criativa que não deixa de apostar no tradicional. Além disso, tem um vinho da casa próprio, edição muito limitada de um branco e um tinto, produzidos com as uvas da região.

O chef Gonçalo Araújo quis continuar a trabalhar a comida minhota, mas também inovar com algumas fusões e criações fora da caixa. Assim, conseguiram “manter muitos dos antigos clientes do Braseirão”, diz Sofia. Nas entradas, destaca-se o portobello recheado com castanha, enchidos e cecina, e nos pratos principais o atum grelhado com cannelloni, puré de beterraba e legumes; ou o naco da vazia com cevadinha de enchidos, queijo, couve e cogumelos. No fim, uma excentricidade para comer em família: um gigante espelho de sobremesas com balão de chocolate. Em 2021, o restaurante foi distinguido no concurso 7 Maravilhas da Nova Gastronomia, na categoria de cozinha molecular, pelo prato Veado do Bosque, uma homenagem a Vila Nova de Cerveira.

SUGESTÕES

Percorrer o Rio Minho numa bicicleta elétrica
O sistema de partilha de bicicletas E-bike Rio Minho está disponível em Vila Nova de Cerveira e Tomiño, bem como noutras Eurocidades da região (Tui-Valença e Monção-SalvaTerra). A inscrição para aceder ao serviço pode ser feita no posto de Turismo de Vila Nova de Cerveira, na Praça do Município.

Petiscar na Colher de Pau e provar os novos cocktails do Curt’Isso
De portas abertas desde 2015, a petiscaria Colher de Pau, projeto das irmãs Sónia e Iolanda Martins, abriu para servir tapas à portuguesa. Uma mistura de sabores ibéricos: ovos à purgatório, crocante de queijo com doce de figo e setas com vinho do Porto são alguns dos best-sellers da casa. E este ano há uma novidade: uma criativa rabanada “granada”, em forma de bola, recheada com chocolate e acompanhada com gelado. No centro da vila fica o bar Curt’Isso, que em 2023 criou vários cocktails para aumentar a oferta de bebidas. Das novas propostas, destaque-se o mangaroca passion, com batida de coco, sumo de maracujá e hortelã, e o Curt’isso, com rum, sumo de lima, de laranja, xarope de maracujá e refrigerante de lima-limão. Para beber dentro de portas ou na esplanada.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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