Roteiro em Barcelos: todos os caminhos vão dar ao galo

Roteiro em Barcelos: todos os caminhos vão dar ao galo
O barro que brota do chão fixou artistas à terra desde a Idade do Ferro, mas este é apenas uma das maneiras de descobrir a cidade do rio Cávado. Entre mesas onde o galo se serve assado em forno lento até à arte do figurado que se perpetua engre gerações, passando por monumentos com séculos, o caminho de Santiago de Compostela, um museu, uma torre e um hotel resgatado ao fogo se fazem todas as rotas barcelenses.

Ao mesmo tempo que tem sido abençoada pela argila que lhe sai das entranhas, Barcelos é também fértil em lendas e histórias. Com tempo e disposição, elas podem-se ir desfiando ao longo de vários caminhos, tanto pelo de Santiago, que ali passa, como entre os monumentos e as oficinas dos ceramistas que, há gerações, criam peças de arte popular. Um legado que, a par de outras áreas do artesanato local, viu o seu valor distinguido pela UNESCO em 2017. Há ainda outra forma de encarar Barcelos e o seu galo, em restaurantes reconhecidos pelo seu desempenho a servir este emblema em assadeira de barro.

Como ponto de partida de um dos caminhos, vamos ao encontro da pedra furada e da lenda que a rodeia. A pedra está ao lado da igreja paroquial da freguesia que lhe herdou o nome – Pedra Furada -, e se situa na rota de Santiago de Compostela, junto à EN306. Conta o povo que se trata da tampa do túmulo de Santa Leocádia, mártir que, sendo enterrada viva, conseguiu sobreviver furando a pedra com a cabeça.

A história perpetuamente recontada também é evocada no restaurante que escolheu esse mesmo nome – o Pedra Furada – e que foi um dos distinguidos com o Galo de Ouro no Concurso Galo Assado. Fica nessa reta a caminho de Compostela e convém lá chegar com tempo, porque António Herculano assim o demanda a todos os clientes – este homem de 67 anos, com olhos luminosos por trás dos óculos, aprumado no colete preto que alinha a camisa clara e a gravata bordô, recebe os clientes com um gesto de abraço. Pela noite fora, há-de demonstrar porque é que lhes pede para se instalarem com calma, contando histórias «do caneco», conforme as precede.

Entre elas, está o caso de amizades e amores improváveis nascidos entre peregrinos, incluindo o de duas norueguesas que ali descobriram serem vizinhas. Só no balcão da zona do café, e também afixadas pela sala, «histórias que nunca mais acabam», refere Herculano, apontando ainda os os quinze livros de dedicatórias de pessoas de 129 países. Este restaurante de frequência tão internacional começou por ser uma «singela taberna», recorda o seu dono, enquanto na mesa já reluz um galo assado inteiro. Ali, descreve António Herculano, a ave «assa lentamente, regado constantemente com a mesma calda, para ficar macio» e é criado em liberdade antes do sacrifício da mesa. Na carta, há ainda cabrito assado no forno a lenha, rojões e papas de sarrabulho à moda de Barcelos ou arroz de pica no chão.

O galo criado de forma tradicional é também o único que entra na carta do Galliano, na outra margem do Cávado, no centro da cidade, outro distinguido com o selo Galo de Ouro. «É uma carne mais consistente; não é mole como a dos galos criados em aviário», refere António Vilas, proprietário do restaurante que aderiu à confraria gastronómica O Galo de Barcelos, empenhado em servir ali pratos de autor a partir da cozinha tradicional. «Trouxe para aqui a tendência da nova cozinha, mas com os sabores tradicionais. Procuramos inovar a partir deles», diz. Na carta, a intenção traduz-se em pratos como um folhado de queijo de cabra com crocante de nozes e doce de abóbora e um surpreendente pudim de galo. Uma receita que leva, nos seus ingredientes, carne de galo.

Mais a norte, na freguesia de Silva e mesmo à face da EN204 que liga Barcelos a Ponte de Lima, o restaurante Dom Carlos é outro que se pode orgulhar de ter sido distinguido com o prémio Galo de Ouro, mais do que uma vez. Foram os pais de Amâncio Oliveira quem abriu o restaurante, há 40 anos. Ali, para variar, o galo não é servido inteiro. «Partido fica melhor, mais saboroso», refere Amâncio que, apesar de tudo, tem como prato mais pedido a carne maturada. Na carta, há ainda bacalhau e polvo na caçarola e lampreia em escabeche. A rematar, há um saboroso leite creme. «São comidas simples, mas boas», é como Amâncio Oliveira resume a essência da sua cozinha.

Paço dos Condes de Barcelos. (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

 

O caminho dos ceramistas

Seguindo para outros galos, há que tomar o caminho do artesanato local, em direção a Galegos. É a freguesia que mais artesãos tem no activo, num concelho que foi distinguido pela UNESCO no final de 2017, ao ser incluído na sua rede de cidades criativas no domínio do artesanato e da arte popular. Nesta freguesia, além do figurado e da olaria (com duas produções certificadas), trabalha-se o vime, o ferro, a madeira, os bordados e a tecelagem. Uma passagem prévia pelo Posto de Turismo, permite levar informação sobre onde encontrar todas as oficinas e ainda, pelo caminho (entre Areias e Galegos), como chegar à Citânia de Oliveira. Este antigo e grande povoado da Idade do Ferro ter-se-á desenvolvido ali precisamente graças à existência de barro e água com abundância. Isso explica ainda a maior concentração de barristas no nordeste do concelho – uma zona que abrange ainda as vizinhas freguesias de Manhente, Lama, Roriz e Ucha.

É por ali (em Galelos S. Martinho), que se encontra a oficina que Júlia Ramalho, neta da consagrada ceramista Rosa Ramalho, partilha com o filho António. Fica perto da placa vermelha com o nome da artéria: Rua Júlia Ramalho. Na freguesia vizinha, em Galegos Santa Maria, também os irmãos Baraça – Moisés e Vítor Gonçalves – honram a herança da avó, Ana Baraça, dando continuidade ao figurado que é pintado com a ajuda da mãe, Olívia.

Na cerâmica João Coelho Silva, pai e filho mantêm vivo o ofício da família, e hoje fabricam sobretudo louça para forno decorada, muito cobiçada por turistas. Ali perto, ainda em Areias, Conceição Sapateiro dá forma e muita cor ao seu figurado singular, com as famosas galinholas e as suas variedades de galos, entre tantas outras criações inspiradas no imaginário popular e religioso.

O artesão António Ramalho. (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

 

Voltas a dar na cidade

E já que Areias de Vilar fica ao lado deste corrido de oficinas de cerâmica, vale a pena fazer uma visita ao Convento de Vilar de Frades ou ainda, já bem perto do concelho de Famalicão, à Quinta do Tamariz, em Fonte Coberta, onde o enoturismo tem ligação à arte popular (ver caixas). Já pelo centro de Barcelos, pode-se continuar no caminho do barro e, se a vista for em família, é praticamente obrigatório passar pelo Museu da Olaria, com o seu acervo de quase dez mil peças e algumas oficinas para crianças na agenda.

Convento de Vilar de Frades. (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

Na torre medieval da cidade, datada do século XV, além da vista panorâmica sobre o vale do Cávado que permitem os seus 20 metros acima do solo, pode-se visitar o Centro de Interpretação do Galo e da Cidade. Lá dentro, entre várias actividades e mostras, pode-se ficar a conhecer bem a lenda do galode Barcelos, segundo a qual um peregrino de Santiago acabou iilibado da acusação de um crime graças a um galo que se ergueu da mesa e cantou antes de baixar a forca. Todos estes caminhos podem acabar na meta onde se descansa, no acolhedor Art’Otel, que nasceu num prédio antigo em pedra, recentemente resgatado à destruição causada por um incêndio. Gerido por uma família de empresários hoteleiros, abriu em meados de 2017, com nove quartos. Um momento para parar e pensar em todos os caminhos percorridos em Barcelos.

O Art’otel. (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

 

Enoturismo e figurado

É numa propriedade com 30 hectares e no meio de um verde a perder de vista que se situa a Quinta do Tamariz, quase na fronteira de Barcelos com Vila Nova de Famalicão e apenas a cinco quilómetros da estação ferroviária de Nine. Com 16 hectares de vinha, promove passeios e visitas à adega, sendo ainda possível fazer prova dos vinhos ali feitos, para que se conheça a produção desde o início até ao copo. Ali se produzem vinhos das castas Alvarinho, Arinto, Loureiro, Touriga Nacional e Vinhão, havendo ainda espumantes e aguardentes vínicas. Há ainda em exposição vários exemplares de figurado feitos por ceramistas de renome.António e Francisca Vinagre guiam a visita e contam toda a história da quinta, que herdou o legado do banqueiro António Borges, do extinto Banco Borges & Irmão.

O Pedra Furada está no Guia Michelin. (Fotografia: Miguel Pereira/GI)

500 anos de história
Pensa-se que o mosteiro beneditino de Vilar de Frades terá sido fundado em 566, acabando por ser destruído na sequência das invasões muçulmanas. Seria reconstruído mais tarde, no século XI, restando desta época poucos elementos românicos. Ao longo dos séculos, o convento de São Salvador de Vilar de Frades foi sofrendo várias alterações ao sabor das correntes arquitetónicas de cada época, o que resultou numa mescla de estilos no conjunto edificado. Incluindo indícios do período gótico, influências do neoclássico, estética manuelina e algumas alterações barrocas. Está classificado como monumento nacional desde 1910. Na igreja, destacam-se valiosos e raros painéis de azulejos da primeira metade do século XVIII.

 

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