Das raridades aos fundos de catálogo: quatro livrarias independentes na Grande Lisboa

A Stuff Out é uma das novas livrarias da cidade de Lisboa, com milhares de exemplares em segunda mão. (Fotografia de Leonardo Negrão/GI)
A Snob, a Tantos Livros... Livreiros, a Stuff Out e a Culsete são algumas das livrarias independentes que estão a mexer com o mercado literário em Lisboa e Setúbal. Conheça aqui as suas histórias e o que têm para oferecer.

Snob, Lisboa
Diversidade com nova morada

A Snob foi fundada online, ganhou loja física em Guimarães e de lá se mudou para Lisboa com milhares de livros na bagagem, novos e em segunda mão. Os leitores têm agora um novo ponto de encontro.

Qual nómada, a Snob já habitou vários lugares. Nasceu na Internet por iniciativa dos amigos Duarte Pereira, Eduardo Fernandes e Emília Araújo, ocupou um espaço físico em Guimarães e há quatro anos mudou-se para Lisboa. Primeiro, para um espaço da Cossul (uma associação cultural com 135 anos de existência), e depois para a Travessa de Santa Quitéria, no Rato. “Felizmente os leitores acompanharam-nos e permitiram que abríssemos em maio de 2020, depois do confinamento”, conta Duarte ao lado de Rosa Azevedo, no pátio traseiro desta livraria independente.

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

O facto de ter tido sempre vendas à distância deu-lhe a resiliência necessária para resistir aos abalos dos confinamentos. Por outro lado, a manutenção dos hábitos de leitura e as vendas personalizadas também ajudaram. “Rato de biblioteca” assumido, depois de ter estudado línguas e culturas europeias e orientais, de vender livros porta-a-porta e de trabalhar em livrarias como a Centésima Página e a Fnac, Duarte foi percebendo que havia vários nichos de mercado que as livrarias grandes não cobriam. “Quisemos explorar áreas com potencial, com base nos nossos gostos”, justifica.

Em paralelo com a montra digital, a Snob acolhe nove mil livros, apenas “um quarto” do que têm em catálogo, dispostos num corredor e numa pequena sala. A oferta baseia-se em obras de editores independentes e em edições próprias ou em parceria. E divide-se entre literatura portuguesa e estrangeira (ficção e não-ficção), poesia, filosofia, ensaio literário, humanidades, artes (cinema, fotografia, arquitetura, música, teatro, banda desenhada, ilustração) e infanto-juvenil. Também há revistas de literatura, poesia e ensaio literário e jornais como o Mapa e Batalha.

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

Cada secção tem livros em destaque em mesas ao centro, e junto ao balcão encontra-se uma estante dedicada aos livros raros, como é o caso de exemplares em fim de circulação, edições há muito esgotadas, primeiras edições e livros curiosos. Descobrir obras difíceis de encontrar é, de resto, uma atividade de “detetive” que a Snob também faz, para felicidade dos leitores. “Uma vez encontrei um livro de que um senhor andava à procura há 35 anos. Disse-nos que foram os 12 euros mais bem gastos da vida dele”, conta Duarte.

Com a aproximação do Natal e o querer oferecer presentes literários começam também a chegar os pedidos de recomendação, e quem é cliente atesta o serviço personalizado. Enquanto o tempo permitir, é de pegar num livro e ir para o pátio da loja, um recanto que em breve deverá ganhar outra vida com ilustrações de João Mário Pinto. Apetecerá ficar por ali a ler na companhia de um copo de vinho ou, então, a escutar um disco de vinil com a comunidade. Prometido está também o regresso dos encontros literários.


Exposições na parede
A livraria reserva uma parede para expôr pequenas mostras de arte. Neste momento, podem ver-se ilustrações da moçambicana Susy Bila.


Sugestão do Livreiro: “A Trilogia da Cidade de K.”, de Agota Kristof. Relógio de Água, 22 euros

“Um livro desconfortante, para ter uma experiência de leitura diferente, mais do que ler uma história bem contada”. Esta compilação de três livros da autora foi editada pela primeira vez em Portugal, nos anos 90, e replicada noutros países.


Tantos Livros… Livreiros, Lisboa
O mundo cabe numa loja

No Saldanha, uma fachada luminosa convida a descobrir um mundo de livros para todos os públicos e circunstâncias, com direito a cafetaria e mimos para os animais.

Tantos livros, tanto espaço e tão pouco tempo para os ler. Numa adaptação livre, podia ser este o slogan da Tantos Livros… Livreiros, aberta recentemente na zona do Saldanha. Em bom rigor, são 100 mil livros que se expõem nesta loja dividida entre um amplo e luminoso piso térreo, um pequeno mezanino e um piso inferior. A ligá-los, uma escadaria em patamares curvilíneos. É fácil, por isso, dar de caras com a coleção das grandes obras da Europa-América, editora onde Almira Vilanova e Frederica Benedita trabalharam quase 30 anos.

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

A Publicações Europa-América publicou 51 milhões de livros de 1.900 autores portugueses e estrangeiros, foi uma das maiores editoras do país, mas em 2019 teve de leiloar os bens móveis no decurso de uma insolvência. “Não sabendo fazer outra coisa na vida”, diz Almira, as duas amigas decidiram comprar parte do seu fundo de catálogo (o que vendem na loja) e abrir duas lojas, com nome próprio, em moradas que a editora alugava, na Parede (Cascais) e em Lisboa. A primeira loja abriu em fevereiro de 2020 e a segunda em junho.

Cada uma tem o seu público, pelo que é um “trabalho minucioso” selecionar as obras que decidem vender. Mas diversidade é a palavra-chave para descrever a oferta da Tantos Livros… Livreiros, que aposta em referências de “grandes e pequenas editoras” e na promoção das novidades editoriais. Romance, história, política, religião, psicologia, livros práticos sobre os mais variados temas, livros técnicos, poesia e literatura portuguesa e estrangeira (francesa e inglesa, por exemplo) são algumas das secções existentes.

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

Ao longo da escadas e no piso de baixo há também obras de géneros tão distintos como ficção-científica e policial, uma secção exclusivamente dedicada às crianças e outra zona com materiais de papelaria e artes manuais. A arte, aliás, está um pouco por toda a parte, ou não fosse este piso também galeria, com obras de artistas portugueses e estrangeiros – consagrados e emergentes – expostas nas paredes. De momento, há ali peças do importante ceramista António Vasconcelos Lapa.

De regresso ao piso com luz natural, vale a pena ainda subir ao mezanino que conserva algumas raridades, algumas para folhear sentado e outras só para ver, como a primeira página do Diário de Notícias de 28 de outubro de 1914 emoldurada. Graças à decoração, todo o ambiente remete para o conforto aconchegante de uma casa, convidando a ficar por ali sentado nos sofás a ler e a beber um café, ou chá.


Loja pet-friendly
Os cães que acompanham os donos também são bem-vindos, tendo um bebedouro à entrada e oferta de biscoitos.


Sugestão do livreiro: “Os Animais Falam”, de Penelope Smith. 4 Estações Editora, 15,90 euros

“Uma abordagem pioneira ao campo da comunicação animal”, ideal para quem tem amigos de quatro patas em casa.


Stuff Out, Lisboa
O maravilhoso mundo da segunda mão

Sob o signo da economia circular, Pedro e Rui criaram uma plataforma de venda de artigos em segunda mão que se tornou uma livraria com presença física. A oferta é plural e mais económica.

Formados em gestão e sistemas de informação, Pedro Sousa e Rui Castro Prole, de 24 e 25 anos, tinham carreiras estáveis quando decidiram abandoná-las para criar uma plataforma de venda de artigos em segunda mão, no final de 2019. Inspirados pela filosofia da economia circular, mais sustentável, e pela ideia de que a vida dos livros não se esgota numa única leitura, focaram a oferta na literatura com o objetivo de salvar livros e democratizar o acesso à cultura. Em julho, a Stuff Out ganhou um espaço físico ao lado da cafetaria Tease, entre São Bento e o Príncipe Real.

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)

Luminosa e decorada com algumas antiguidades, a livraria é um espaço fotogénico. Tem um mosaico de livros velhos na parede e uma televisão a preto e branco em frente a duas poltronas que convidam à leitura, porque também quer ser um local para se estar. Já os três mil livros à venda na loja distribuem-se por várias estantes/secções: livros antigos e raros; arte, design e fotografia; literatura portuguesa e estrangeira; banda desenhada e infanto-juvenil; literatura lusófona e traduzida; ficção; livros técnicos e práticos; ciências sociais; história; textos políticos.

Todos contam duas histórias – a que trazem escrita e a do percurso até à Stuff Out – contam os jovens, que se encarregam de os adquirir a particulares, fotografar, classificar segundo o estado de conservação e colocá-los à venda, embalando e enviando para o destinatário. “Queremos dar rigor, transparência e rapidez a estes processos”, sintetiza Rui. Se um cliente não encontrar o que procura, pode pesquisar no website e, se o livro existir, em poucos minutos é trazido do armazém para as mãos do novo dono. A livraria ganha um dinamismo singular.

(Fotografia de Leonardo Negrão/GI)


Sugestão do livreiro: “Austerlitz”, de W. G. Sebald. Penguin Books, 6 euros

“Um livro bom para refletir sobre como a memória é mais um processo reconstrutivo do que recordativo”. Um clássico do século XX.


Culsete, Setúbal
Novo capítulo em casa histórica

A histórica livraria independente Culsete tem vivido uma montanha-russa desde a sua fundação, há 48 anos. Esteve em risco de fechar, mas, ao fim de três mudanças de mãos, renovou-se e está de boa saúde.

A livraria setubalense Culsete é uma sobrevivente. Fundada em 1973 pelo casal de livreiros Manuel e Fátima de Medeiros, firmou-se como um importante pólo cultural da cidade, formou públicos, recebeu livros e autores nacionais, organizou feiras do livro. Após a partida de Manuel de Medeiros, o autointitulado Livreiro Velho de Setúbal, a sua mulher tomou a decisão de retirar-se por motivos de saúde e procurou quem quisesse ficar com a gestão da Culsete.

(Fotografia de Orlando Almeida/GI)

Durante uns tempos, a cidade temeu vir a perder a histórica livraria, mas dois novos grupos de sócios haveriam de escrever-lhe novos capítulos. Quando Rita Siborro e Raul Reis souberam que o espaço “estava para trespassar/vender” novamente, decidiram “arriscar” e ficar com ele. “Tivemos de correr o risco de mudar radicalmente a loja”, recorda o casal formado em Psicologia e Design. Mantiveram algumas das mobílias, mas tornaram o espaço mais moderno, amplo e luminoso.

O conceito de livraria independente que sempre caracterizou a Culsete manteve-se. Há livros de literatura infanto-juvenil, literatura lusófona e traduzida, poesia, ensaios, ciências sociais e humanas, gestão, fotografia, ilustração, saúde e bem-estar e espiritualidade, assim como revistas como a Fome e a Gerador e espaço para edições de autores locais.

(Fotografia de Orlando Almeida/GI)

A loja também vende canetas, blocos de notas e cadernos escolares vintage, postais, cadernos e discos. Para meados de outubro está pensada a retoma da programação cultural regular, que passará por encontros com autores, exposições, oficinas e horas do conto. O ilustrador André Ruivo terá obras expostas na livraria, no âmbito da Festa da Ilustração, que decorre em outubro e novembro na cidade.


Sugestão do livreiro: “Maremoto”, de Djaimilia Pereira de Almeida. Relógio d’Água, 17 euros

“Livro ideal para estar na estante da boa literatura contemporânea”.


Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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