Rui Sanches, grupo Plateform: “Ir comer fora pede um reajustamento de expectativas”

Rui Sanches lidera o grupo português de restauração Plateform. (Fotografia: DR)
Rui Sanches, fundador do grupo português de restauração Plateform - a que pertencem 26 marcas, entre elas o Tapisco, Alma (**Michelin), ZeroZero e Honorato, por exemplo - não esconde que a experiência de comer fora vai ser “diferente” nos próximos tempos em virtude da adoção das medidas de higiene e distanciamento social contra o coronavírus. Mas acredita que os restaurantes “ vão continuar a disponibilizar o essencial da experiência”.

Gere os restaurantes Tapisco, Alma e ZeroZero, entre muitos outros. O que podem esperar os clientes desses restaurantes quando reabrirem?
A mesma aposta na qualidade da proposta gastronómica, na atenção ao pormenor e na consistência da experiência, mas com todas as medidas necessárias para garantir a segurança dos clientes e dos nossos colaboradores.

Quais foram as maiores mudanças que a pandemia provocou?
Não estaríamos a ser rigorosos se não afirmássemos que esta pandemia causou uma total rutura no setor e pede uma gigante adaptação. A maior parte dos restaurantes fechou, o consumo caiu a pique, a própria experiência de comer num restaurante ficou adiada durante várias semanas. O foco dos restaurantes que se mantiveram abertos, e que ainda não tinham feito essa transição, mudou do seu espaço para a casa do cliente. Em todas as dimensões, dos recursos humanos à nossa relação com fornecedores e com o cliente, tudo mudou repentinamente e tem de ser repensado.

Que experiência de fruição se pode ter a comer fora durante a pandemia?
Será sem dúvida uma experiência diferente, que pede um reajustamento de expectativas temporário. No entanto, apesar das adaptações e restrições necessárias, os restaurantes vão continuar a disponibilizar o essencial da experiência de comer fora, no que respeita à qualidade da comida, à conveniência, ao profissionalismo do staff, ao ambiente diferenciado que cada espaço oferece, etc.

Alma. (Fotografia: DR)

O que podemos esperar das cartas? Poderão ser mais simples?
Alguns restaurantes sofrerão pequenas alterações nas ementas mas no geral a proposta gastronómica será para já muito semelhante à anterior. Se as circunstâncias, os clientes e a evolução do cenário assim vierem a exigir, estamos preparados para fazer as adaptações necessárias.

E o que podemos esperar do serviço? Que gestos, rituais ou atenções ao cliente poderão ser alterados, por exemplo, nos restaurantes de topo?
A segurança do cliente e da equipa do restaurante está em primeiro lugar. O serviço tem de se adaptar a esta nova realidade, independentemente do tipo de restaurante. As equipas têm de estar bem treinadas para cumprir um serviço eficiente e acolhedor, mas com um cumprimento restrito das novas regras. Penso que estamos todos conscientes desta exigência, e preparados para responder adequadamente. Mas mesmo atrás de uma máscara continuará a haver um sorriso, cumplicidade, hospitalidade.

Que impacto têm as novas regras de higiene e segurança no funcionamento da cozinha e da sala?
Depende dos restaurantes, uns pedirão uma maior adaptação. Mas procedimentos diferentes significam uma reorganização da equipa, uma mudança de circuitos, tempos diferentes, porque há uma preocupação ainda maior com o cumprimento das regras de higiene e segurança, que são agora em maior número. É preciso mais agilidade e uma otimização em todos os aspetos para garantir um tempo de espera aceitável para o cliente e uma experiência fluída. Nos nossos restaurantes já tínhamos um padrão elevado de segurança e higiene alimentar, o que facilita a integração de medidas extra.

Coyo Taco Cais do Sodré. (Fotografia: DR)

Como estão a gerir a relação com os fornecedores de produtos frescos?
É impossível garantir o sucesso dos nossos restaurantes sem padrões elevados no que diz respeito aos produtos frescos. Sempre cumprimos com todos os procedimentos necessários e todas as regras extra que garantam a segurança alimentar nesta nova realidade estão a ser providenciadas.

Acha que as pessoas vão ter confiança na reabertura dos restaurantes?
Acho que sim, gradualmente. O setor da restauração em Portugal tem vindo a crescer e a profissionalizar-se. Os clientes tornaram-se mais exigentes nos últimos anos e naturalmente que todo o setor vai reagir e adaptar-se. E esse processo vai continuar, agora com uma aposta ainda mais atenta na segurança alimentar e higiene. E apesar das restrições, penso que muitos de nós tem vontade de voltar a socializar e ir a um restaurante, após este longo período de confinamento.

Os restaurantes do seu grupo são para diferentes públicos. Há uns mais flexíveis do que outros? Quais e porquê?
Cada restaurante tem um conjunto de exigências específicas em diferentes áreas. No entanto, no que respeita ao que mudou substancialmente com esta pandemia, a organização do espaço e a vigilância das regras de segurança terão uma atenção redobrada em ambos os casos. Os restaurantes de rua, no geral, pedem uma adaptação maior neste cenário, porque trabalham em mais frentes que os restaurantes de centro comercial.

Cais da Pedra. (Fotografia: DR)

Como foi o processo de formação das equipas para estas novas restrições?
Temos equipas especialmente dedicadas a dar formações diárias a todos os nossos colaboradores.
Já o fazíamos quando iniciámos com o take-away e entrega ao domicílio, alguns dias depois de decretado o Estado de Emergência, através da campanha #Plateforhome. Foi então necessário formar todos os colaboradores com novas regras de segurança alimentar. E agora com as novas regras de reabertura ao público continuaremos a realizar estas formações regularmente.

É sustentável trabalhar com a lotação reduzida a dois terços?
Varia de conceito para conceito, da localização e da capacidade do restaurante.
Para os restaurantes com salas de dimensões mais reduzidas o desafio será maior, o sentimento dos clientes também poderá ser diferente quando comparado com espaços maiores. O tempo o dirá, mas faremos de tudo para que as operações de todos os nossos restaurantes sejam sustentáveis.

Em que medida as esplanadas podem compensar essa redução?
As esplanadas contam para o aumento da capacidade do restaurante e do seu número de lugares sentados, assim como permitem uma gestão mais eficaz mediante as distâncias de segurança a implementar. Podem ajudar a facilitar e o serviço e inclusive a diferenciar a experiência e oferecer uma maior sensação de segurança ao cliente, por ser um espaço mais aberto. Estamos por isso a preparar-nos para ter um serviço que garanta uma eficiência máxima dentro e fora, nesta nova realidade em que muitos clientes possivelmente vão escolher a esplanada. Um dos aspetos positivos dos próximos meses é que o bom tempo poderá ser um aliado na recuperação do setor. Passadas várias semanas de isolamento, acredito que vai saber ainda melhor estar sentado numa esplanada.

Zero Zero. (Fotografia: DR)

Na sua opinião, que tipos de cozinha vão ser mais procurados no pós-confinamento?
Não penso apenas em cozinhas, mas em experiências. As que são mais difíceis de reproduzir em casa, penso que vão ter uma maior procura. Os espaços com esplanada, uma vez que se aproxima o Verão e passámos muito tempo confinados, também vão ter procura. O confinamento foi exigente, e penso que muitos têm vontade de voltar a ter variedade e experiências diferenciadas, e não apenas gastronómicas, no seu quotidiano.

A aposta nos serviços de delivery e take-away é para manter? Em que medida é complementar ao serviço de sala?
Vamos continuar a apostar nos serviços de entrega e de take-away, sim. É uma tendência crescente e permite às nossas marcas chegar a mais consumidores num momento que vai continuar a ser de contenção e de adaptação para todos. É uma experiência diferente da presencial num restaurante, responde a necessidades e expectativas diferentes. A adaptação de cada marca a este tipo de serviço é diferente. E nem todas as propostas gastronómicas se adaptam ao transporte, pelo que, para essas, a experiência no restaurante é insubstituível.

Que perspetivas financeiras existem até ao final do ano, no contexto da pandemia?
Vai ser um período difícil, de grande esforço e contenção. A recuperação não vai ser imediata, mas acredito que vamos conseguir adaptar-nos e responder ao desafio. Todos nós, coletivamente, não apenas as empresas. Penso que um problema desta dimensão que nos afeta a todos vai exigir um compromisso alargado de toda a sociedade para que seja ultrapassado. Com espírito de união, vamos conseguir.

Honorato. (Fotografia de Paulo Spranger/GI)

Quando é que, previsivelmente, o setor poderá voltar a ser sustentável?
Vivemos mundialmente uma realidade inédita, em todos os setores, não apenas na restauração. É difícil fazer previsões neste cenário. Penso que a evolução da pandemia, o aparecimento da vacina, entre outros fatores, vão ser determinantes para a recuperação mundial. Espero que no próximo ano já estejamos a ganhar estabilidade. No setor da restauração, também vai depender da retoma de outros setores, nomeadamente do turismo, especialmente importante para os restaurantes de centros turísticos como Lisboa e Porto. Mas também considero que a sustentabilidade vai depender da capacidade da adaptação e de inovação. E nisso, penso que o setor da restauração já se provou dinâmico o suficiente para nos deixar um pouco mais otimistas, apesar das incógnitas.




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