10 vinhos para acompanhar enchidos e restante fumeiro

Conheça esta seleção de vinhos do crítico Fernando Melo. (Fotografia de Gerardo Santos/GI)
O simples deambular por um linear de supermercado impressiona pela diversidade da oferta de enchidos e restante fumeiro, de norte a sul do país. Insuperável é o prazer que dá descobri-lo ao vivo, em viagem. Estamos na altura dele e aqui estão as nossas sugestões vínicas, dez vinhos para dez enchidos.

Portugal tem uma panóplia de produtos tradicionais únicos e não região que não tenha os seus segredos a pedir descoberta. A arte de ser português configura-nos como intrépidos descobridores e por isso vamos estabelecendo as nossas próprias proximidades. Como se espera da sua Evasões, marcamos-lhe encontros inesperados num roteiro de fumeiro e vinho que vai conquistar os seus sentidos de forma total e viciante. Vai perceber que se vezes em que um produto é proposto com um vinho da mesma região, outras vezes recomendamos a harmonização entre proveniências distantes. A chouriça da Beira, por exemplo, é sugerida com um Touriga Nacional do Dão, origens praticamente coincidentes.

Partimos para Vila Real para lhe oferecer um tinto dos Vinhos Verdes com a famosa moira. Na Beira Interior, o maravilhoso bucho raiano surge ao lado de um grande tinto da mesma região, enquanto por outro lado a incrível farinheira do Sabugal levou-nos até ao Cima Corgo para casar feliz com um duriense muito especial. Na mesma Beira Interior encontrámos um vinho tão original quanto elegante e fomos dar-lhe morcela de arroz, de latitudes mais abaixo. Paio do lombo e paiola de Barrancos, dois inspiradores enchidos alentejanos, são propostos com um vinho de Lisboa e outro do Alentejo, respetivamente. A alheira de Mirandela é proposta com um branco do Alto Alentejo, e o chouriço de abóbora de Montalegre piscou o olho a um Douro de Provesende. E finalmente, o salpicão de Vinhais emparceirou bem com um elegante Tinta Amarela do Douro. Muito para provar e descobrir.

 

Quinta do Perdigão Touriga Nacional Dão tinto 2016 (13%)
Pontuação: 17,5
Vai bem com: Chouriça da Beira
Preço: 30 euros

As uvas provêm de uma vinha de cerca de três hectares estremes de Touriga Nacional, a casta inscrita no coração e vocação do Dão. Aromas primários eminentemente cítricos – flor de laranjeira e bergamota – marcam o primeiro contacto com este vinho. Na boca sente-se a excelente acidez fixa e a pronunciada mineralidade deste vinho. A afinidade com a chouriça da Beira resulta de um intrigante corolário da transformação do enchido quando cozido em Touriga Nacional. Frescura, sabor e equilíbrio são as principais vantagens da notável fusão, digna dos mais ancestrais cânones alquímicos. Prepare-se para usar uma garrafa inteira deste maravilhoso exemplo da casta por cada chouriça transformada. Faça pelo menos uma vez.


Pequenos Rebentos Touché Verdes tinto 2021 (12%)
Avaliação: 19
Vai bem com: Moira de Vila Real
Preço: 50 euros

Bastardo, Alvarelhão, Caínho Tinto e outras castas, uvas provenientes de uma vinha de ramadas com mais de 90 anos na região de Melgaço, configurando mais um terroir descoberto pelo génio intranquilo do produtor. Fermentou em inox, que terminou já em barricas de carvalho francês, aí fazendo a fermentação malolática. Impressionantes frescura e profundidade de sabor, equilíbrio notável e grande estabilidade na boca. Enchido de sangue, pão e carne, de cor escura, a moira de Vila Real é um dos mais completos produtos do fumeiro nacional e um dos que mais alegrias me deu à mesa. Associo-o muito ao chef Rui Paula, que no seu restaurante DOP (Porto) continua a oferecê-lo com orgulho e garbo. Cozido, brilha na perfeição com o Touché tinto.


70/30 Beira Interior tinto 2019 (12,5%) | Martin Boutique Wines
Avaliação: 17,5
Vai bem com: Bucho raiano
Preço: 18 euros

Criação de Pedro Martin e enologia de Patrícia Santos, a marca é a chave da composição deste vinho único. 70% provém de vinhas da Cova da Beira, castas Rufete e Touriga Nacional, e 30% tem origem em Pinhel, castas Touriga Nacional e Syrah. A linha 70/30 conta com um rosé, um branco e um tinto, todos eles eficazes ao enfrentar gorduras e proteínas fortes, mas este tinto é de uma enorme delicadeza na execução dessas tarefas. O maciço mas incrivelmente frágil bucho raiano tem de ser cozido envolto em sacos bem cingidos e não pode jamais levantar fervura. Findo o processo, agiganta-se a eficácia deste tinto, acompanhando e transformando a refeição numa jornada de puro prazer.


Segredos do Poeta Douro tinto 2021 (12,5%) | Freitas Branco
Avaliação: 17
Vai bem com. Farinheira do Sabugal
Preço: 14,50 euros

Uma vinha velha no Cima Corgo que é composta por uma mistura de castas deu origem a este field blend. Há uma mineralidade que surge antes das impressões frutadas e permanece ao longo da prova, conduzindo-nos com elegância extrema ao final de prova. A sugestão da harmonização com a farinheira do Sabugal resulta da excelente aptidão gastronómica que o vinho mostra e da abertura a experiências com produtos de outras paragens. Estamos perante um enchido que data dos tempos dos castelos da raia, quando a fronteira com Espanha começou a definir-se e quando se ensacava em tripa as aparas das carnes, fressuras e pão. Seguramente a precursora da alheira.


Adega 23 Reserva Beira Interior tinto 2020 (14%) | Adega 23
Avaliação: 18
Vai bem com: Morcela de arroz
Preço: 37 euros

Este produtor tem-nos dado grandes alegrias e tem mostrado um lado a um tempo moderno e inovador da Beira Interior. É composto por Syrah e Alicante Bouschet, contido na extração e copioso na concentração. Estagiou 16 meses em barricas de carvalho francês e medrou em garrafa até ir para o mercado. Taninos muito finos vestidos por uma acidez que só esta região consegue proporcionar, resultando numa experiência prazerosa. A morcela de arroz assada no forno é quase um prato completo e consegue exacerbar no vinho as notas especiadas características das castas componentes e do estágio em madeira e é uma ligação feliz para servir à laia de petisco quente.


Adegamãe Castelão Lisboa tinto 2018 (13%) | Adegamãe
Avaliação: 17,5
Vai bem com: Paio do lombo
Preço: 14,50 euros

Revisitamos este vinho de terroir atlântico, tanto pela proximidade do mar como pela forte salinidade nele contida, e que o configura de forma especial para a mesa petisqueira. Este estreme da casta Castelão é notável pela forma como a revela, nariz de pedra molhada e notas balsâmicas de caruma verde, boca de ameixa madura. O debulhe em fatias finas de um bom paio do lombo é uma aplicação gastronómica de sucesso, pelo sentido de repetição que se instala e pela confluência de texturas e sabores que se extrai. Trata-se de um enchido que normalmente se serve em tábua juntamente com outros e perde-se com isso, pois a cura de uma peça inteira selecionada dá muito mais prazer à mesa.


Freixo Family Collection Alentejo tinto 2018 (14,5%) | Herdade do Freixo
Avaliação: 18,5
Vai bem com: Paiola de Barrancos
Preço: 44 euros

Estamos junto ao Redondo, próximos da serra d’Ossa, junto a vinhedos de eleição que ano após ano produzem fruta equilibrada graças a um acompanhamento aturado e respeitador de cada variedade. O enólogo consultor Diogo Lopes e a enóloga residente Dina Cartaxo são dupla imbatível, alimentando uma diversidade considerável de títulos. Este Family Collection é um grande exemplo do labor conjunto dos dois especialistas e é composto por Touriga Nacional (40%), Cabernet Sauvignon (25%), Petit Verdot (20%) e Alicante Bouschet (15%). Elegância a toda a prova, frescura e ligeireza, vinho de classe mundial. Excelente em muitas frentes gastronómicas, mostra-se particularmente capaz perante uma boa e marmoreada paiola de Barrancos, um dos mais saborosos enchidos nacionais.


Quinta da Fonte Souto Taifa Alentejo branco 2020 (14%) | Symington
Avaliação: 19
Vai bem com: Alheira de Mirandela
Preço: 65 euros

Outro vinho que forçosamente revisitamos, por ser verdadeiramente prodigioso e por conseguir interagir com comida de forma tão abrangente e eficaz. O Taifa é um grande branco e demonstra-o vastamente, tanto na prova direta como em experiências diversas com comida. Contra a ordem estabelecida, confrontámo-lo com uma boa alheira de Mirandela, perfurada com alfinete nas extremidades e processada numa sertã antiaderente, sem qualquer gordura. Experiência muito bem-sucedida, melhor ainda com a assessoria de ovo estrelado e grelos. Com este grande branco, produzido por sábia enologia, dir-se-ia que a alheira ganhou vida própria. O unto de porco foi e é fundamental na composição de uma boa alheira, e o Taifa sabe-o bem.


Quinta do Cume Reserva Douro tinto 2018 (13,5%) | Quinta do Cume
Avaliação: 17
Vai bem com: Chouriço de abóbora de Montalegre
Preço: 18,50

É em Provesende que ficam as prodigiosas vinhas que fornecem as uvas para os vinhos distintos desta casa, revelando uma face do Douro que muitos ainda não conhecem. As castas utilizadas neste Reserva são Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz, vinho de forte mineralidade. Estágio em barricas de carvalho francês até ao ponto ideal de afinação e expressão do terroir. Muito fino na boca, apresenta um equilíbrio grande e aptidão para a mesa. O chouriço de abóbora de Montalegre é um enchido transmontano muito especial e pode ser ou não picante. Cozido é magnífico, assado é glorioso. Foi bem-sucedido o teste com este tinto duriense com a variante picante do chouriço de abóbora, claro que aconselhamos.


Quinta do Pôpa Tinta Amarela Douro tinto 2021 (12%) | Quinta do Pôpa
Avaliação: 18
Vai bem com: Salpicão de Vinhais
Preço: 20 euros

Com a entrada em funções do enólogo Carlos Raposo, este produtor entrou numa nova fase. Os irmãos Vanessa e Stéphane Ferreira – os netos do “Pôpa” – encontraram nele o parceiro forte e motivador que procuravam e Carlos Raposo adaptou tudo a seu gosto. Perfis elegantes, abordagem bio e gama escalonada são algumas das características da fase em curso. A casta Tinta Amarela é muito exigente em todas as fases, sobretudo na marcação da vindima, e quando tudo acontece no zénite rapidamente se estabelece como líder no Douro. O salpicão de Vinhais acompanha-a na liderança e exigência, sendo um enchido caro e sofisticado, produzido a partir de carne de porco bísaro, acondicionado em tripa larga e fumado por nunca menos de 40 dias. Companhia inefável para este grande vinho.




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