Viana: Muito mais do que bolas de Berlim e Santa Luzia

A princesa do Lima já não vive só de repertório consolidado como as famosas bolas de berlim Natário ou o majestoso templo de Santa Luzia. Por entre as raízes, brota uma Viana jovial onde casas centenárias se convertem em modernos espaços de alojamento turístico e a gastronomia tradicional divide o protagonismo com a comida saudável e diversificada.

É a cidade-postal do Minho e nunca precisou de muito para encantar portugueses e estrangeiros. Viana do Castelo cresceu ao largo do rio Lima, devota do mar e das suas oferendas, e tornou-se um estratégico ponto de comércio marítimo no norte de Portugal. Em terra, foi conservando os vestígios da passagem do tempo nas ruas estreitas e nos edifícios seculares do centro histórico. Nos últimos anos, apresentou-se como destino turístico, tendo como chamarizes as bolas de berlim Natário – em 2016 destacadas pelo britânico The Guardian -, o imponente santuário de Santa Luzia e a respetiva panorâmica sobre a cidade e o estuário do Lima, e a «rainha das romarias», a festa da Senhora da Agonia, em Agosto.

Viana abriu-se ao mundo, confiante no charme natural de cidade pequena e plana e segura dos seus trunfos dentro e fora da mesa, para mostrar a arte minhota do bem receber. Numa altura em que se vai transformando sem pressas e sem grandes enchentes de turistas, a hospitalidade continua a ser a prioridade de quem lhe quer dar nova vida sem romper com a tradição. Na Rua do Poço, a um passo da quinhentista Sé de Viana e antiga Igreja Matriz, fica o hostel Maçã de Eva, que é também restaurante e salão de chá. Foi instalado numa bonita casa centenária e inaugurou em dezembro passado. Sara Fernandes, enfermeira vianense apaixonada por hotelaria e restauração, regressou à sua terra natal para dirigir o projeto. «Procurei conjugar o gosto que sempre tive por turismo com a minha área e, a partir daí, criar um conceito saudável dentro de um ambiente muito clean.»

Hostel Maçã de Eva (Fotografia: Rui Manuel Fonseca/GI)

À chegada, o olhar prende-se de imediato no velho e desgastado piano que funciona como mesa da receção. Subindo pela escadaria de pedra, duas alas de três quartos cada, todos batizados e decorados segundo um tema. Algumas opções são o Maçã de Eva, um quarto iluminado com uma janela para a rua principal, o Fado, onde se destacam os móveis em madeira antiga e a guitarra portuguesa que repousa em cima de uma cadeira ou o Socas, cujos tapetes aludem às tradicionais socas do traje da cidade. No topo da casa, há mais dois quartos, mas é o Comer, Orar e Amar que tem a melhor vista da Sé e do cenário envolvente.

Turismo e saúde

A preparação para receber crianças é uma das particularidades do hostel, que oferece serviço de babysitting. Também os animais de estimação são bem-vindos. Distingue-se ainda enquanto promotor de turismo de saúde através do serviço prestado por Sara a hóspedes que tragam uma prescrição médica relativa a limitações de saúde simples como o controlo da glicemia.

O restaurante tem duas salas de refeições e apresenta uma decoração minimalista com móveis brancos e talheres dourados. É um espaço pequeno e agradável onde se pode provar a comida saudável confecionada por Sara Fernandes. «Sempre estive muito atenta às pessoas que sabiam cozinhar à minha volta e tentei sempre pôr o meu toque, tirar as gorduras e diminuir ao sal», conta. A carta funciona por sugestão do dia, mas alguns dos pratos residentes são o hambúrguer de alheira e frutos secos e a lasanha de atum e espinafres. Entre as sobremesas, sobressaem o bolo de agrião com molho de chocolate e a mousse de kiwi com crosta de aveia e côco. Jantar, só por reserva.

A saúde também vive na cozinha do casal Carlos e Fernanda Silva, donos do Viana Aromáticas & Etc, espaço que abriu em 2016 numa rua perpendicular ao Jardim da Marginal, tendo por base a preparação da comida temperada com ervas aromáticas. Carlos não lhe chama restaurante, mas «loja de degustação». «As pessoas vêm comer aquilo que faço como se estivesse em casa. Só que faço para mim e para os outros», explica, acrescentando que «as ervas dão outro paladar à comida e permite usar menos sal e açúcar ».

Folhado de alheira com compota de tomate do restaurante Viana Aromáticas & Etc (Fotografia: Rui Manuel Fonseca/GI)

Também aqui não há carta fixa, pois o ingrediente-chave é o improviso. Não há medidas certas nem receitas a seguir, só a intuição de Carlos e a experiência que vai permitindo aprimorar a combinação entre os alimentos e as ervas aromáticas. O prato do dia, a que chama «aconchego», é sempre uma surpresa e pode ser peixe ou carne. Costelinhas assadas no forno, coxinhas de peru recheadas de alheira, bacalhau à brás ou lulas recheadas com ervas aromáticas são algumas das possibilidades. Para petiscar, há folhados de alheira com tomilho, bifinhos de porco estufados e, para os vegetarianos, folhado de legumes e quiche de espinafres.

Nas sobremesas, destaca-se o cremoso MBC (Meu Bolo de Chocolate), o bolo de cenoura com cobertura de chocolate e café e as mini-pavlovas de frutos vermelhos. Nada é excessivamente doce, dado que há um jogo de contrastes bem doseado. Além da comida feita com as ervas d’O Cantinho das Aromáticas, de Vila Nova de Gaia, a loja disponibiliza para venda as infusões que serve, conservas, biscoitos, compotas de outras marcas e criações próprias – como o doce de tomate usado no folhado de alheira -, vinhos, azeites e cervejas artesanais.

A cozinha aberta, o cheiro vindo das panelas a fumegar e os livros de culinária que adornam as paredes dão a sensação de estar em casa dos donos, caráter intimista que procuram cultivar. «Ás vezes estamos aqui os dois a comer e, se vemos um cliente sozinho, chamamo-lo para vir partilhar a refeição connosco». O espaço não é grande, mas é caloroso e, como em casa, reflete a personalidade de quem a habita. É o caso dos candeeiros, criados por Fernanda Silva a partir de garrafões de vinho reciclados para o efeito.

«Esta não é uma casa de hóspedes de massas, é um tipo de casa muito personalizado.»

A Viana moderna que vai conquistando terreno é feita à medida de quem a visita. Ao pé da Praça da República, encontra-se a Dona Emília – Casa de Hóspedes, uma casa estilo senhorial transformada em alojamento turístico por Rute Azevedo e Nuno Freitas, uma bailarina e um arquiteto vianenses. «Esta não é uma casa de hóspedes de massas, é um tipo de casa muito personalizado. Muitas vezes gastamos meia-hora no check-in», conta Rute. Tirando partido das aprendizagens da sua primeira vida como bailarina, a anfitriã procura perceber «se os hóspedes vêm para relaxar ou para conhecer tudo» e faz, a par com o marido, recomendações de acordo com as suas necessidades.

Também o pequeno-almoço é personalizado. Em vez de ser servido, são disponibilizados todos os utensílios e os alimentos para que cada um faça a primeira refeição do dia a seu gosto. Cada quarto tem uma gaveta que lhe é destinada onde é colocado um cabaz com mariazinhas, fruta, ovos, cereais e compotas. No frigorífico, leite, iogurte, queijo e manteiga. «É como se tivéssemos ido às compras para eles», nota Rute.

Uma casa de todos

A casa é feita de divisões amplas e luminosas e dispõe de três frentes para a Praça da República, o Museu do Traje e o Templo de Santa Luzia, pontos que dão o nome aos quartos de acordo com a vista que têm. No primeiro piso, três quartos mais económicos cujas camas podem ser montadas em casal, twin ou gavetões, de acordo com a reserva. A suíte Praça é o ex-libris da casa, pois tem um terraço que permite ter visibilidade para a praça, o museu e o santuário.

Além das dormidas, Rute e Nuno servem-se da sua bagagem pessoal para dinamizar eventos culturais abertos a turistas e locais. «Queremos que a comunidade se sinta incluída na casa e que o hóspede se sinta incluído na comunidade», sublinha Rute. As Horas Felizes, prova de vinhos, cocktails e aperitivos ao som de discos de vinil, decorrem às sextas e sábados.

A Viana dos conceitos irreverentes não é de agora. O Mercado na Loja, uma fusão entre confeitaria e loja gourmet, já existe desde 2008 e foi criado por Paula Gonçalves e Rita Fernandes. Tem o ambiente familiar de uma confeitaria comum, mas a comprida mesa de estilo industrial – onde tem lugar o buffet de brunch aos sábados, de quinze em quinze dias – e as prateleiras com conservas, biscoitos e chocolates regionais acentuam a sua singularidade.

A carta vai da cozinha tradicional como o arroz de pato e bacalhau com natas à cozinha mexicana como quesadillas ou burritos. Nos doces, a tarte de limão, o brownie, as queijadinhas e os pastéis de nata são presença habitual.

No entanto, também aqui a oferta se adapta ao cliente. «Se alguém nos disser que vem almoçar no dia seguinte e quiser um determinado bolo, nós fazemos», diz Rita Fernandes. A loja fica situada na área mais jovem da cidade e é ideal para quem procura um espaço agradável e resguardado do turismo do centro histórico.

Tradição e inovação

No coração da cidade e com o rio no olhar, o casamento entre tradição e inovação recua ainda mais no tempo. Estabelecida em 1986, a Brazil – Casa do Pão abriu para ser «uma padaria diferente da tradicional, com balcão e fabrico à vista», diz José Natário. O apelido contém a história daquela que é talvez a mais importante família ligada à pastelaria vianense e que gere espaços como os clássicos Manuel Natário e Zé Natário e o Café Sport. Há 32 anos à cabeça do negócio, José refere que «existe uma preocupação em experimentar e inovar na forma como se apresenta o pão». Daí a aposta na gama de alfarroba, em pão, scones e éclairs, partindo de «uma farinha que começou a ser trabalhada há cinco anos.»

Os «pães com sabor» vão alternando com o dia da semana, mas entre a variedade que habitualmente sai do forno estão o pão de soja, fibras, milho e girassol e legumes (alho, beterraba ou espinafres). Destacam-se, ainda, as frigideiras de carne, os croissants folhados e os bolos. Para provar a especialidade da casa, existe o menu que inclui um pão especial e uma meia-de-leite.

Casa de Pasto Maria de Perre (Fotografia: Rui Manuel Fonseca/GI)

Uma visita à rainha do Minho não fica completa sem uma visita à tradicional Casa de Pasto Maria de Perre, localizada a um passo da principal artéria da cidade, a Avenida dos Combatentes da Grande Guerra. O restaurante, cujo nome alude à antiga «tasca» ali fundada por uma vianense da aldeia de Perre, está na família de Gizel Vilas-Boas há 20 anos. As especialidades continuam a ser as que fizeram a casa: cabrito assado no forno com batata assada e bacalhau à casa, frito com batata à rodela e molho de cebolada.

Aos sábados ao almoço, há arroz de sarrabulho e, ao domingo, cozido à portuguesa. Nas sobremesas, há clássicos como mousse de chocolate e leite creme, mas o destaque vai para a original rabanada em molho de vinho do porto, figos e passas com cobertura de noz, amêndoa e pinhões. Este é um espaço forrado a tradição, das paredes de pedra onde repousam xailes vianeses, azulejos e louças típicas, ao fado que passa como música de fundo.

Viana do Castelo continua a exibir com vaidade os seus costumes, mas não se deixa limitar por eles. É a Viana das bolas de berlim e de Santa Luzia, mas é também a Viana onde o velho e o novo coabitam o mesmo espaço numa aliança harmoniosa que permite mostrar o seu trunfo mais intemporal – receber quem vem de fora como se de um vizinho se tratasse.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

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