Por Bragança, toda a gente vai dizendo o mesmo, e escolhemos citar Ana Luísa Pereira, coordenadora do Serviço Educativo no Museu Abade de Baçal, para resumir a voz coletiva: «Não há muita gente nesta cidade, mas é um lugar muito bom para viver». É que parece isso mesmo, de facto, quando se começa a passear pelo centro histórico, percorrendo as margens do rio Fervença transformadas em sala de estar, ou se dá uma volta pelo Largo da Sé, e se vai daí ao castelo, passando por um belo corredor de museus.
No centro histórico, há mercearias tradicionais onde se pode comprar vinho e azeite, alguns produtos transmontanos em versão gourmet e ainda as famosas navalhas do Palaçoulo. Ou as robustas botas transmontanas feitas à mão, penduradas à porta dos sapateiros. Ao mesmo tempo, encontram-se novidades como a Galeria História e Arte, com obras de artistas locais, incluindo as inquietantes esculturas de ferro do próprio dono, o escultor João Ferreira.
E em geral apreende‑ se a energia boa que emana desses brigantinos como Ana Luísa, que se têm amparado nas boas velhas tradições da sua terra para criar uma oferta de experiências e cultura de travo mais contemporâneo. A cidade parece empenhada em regenerar‑se para uma versão melhorada de si mesma, com muitas das velhas casas solarengas em recuperação, sendo que uma delas estreou recentemente um novo uso, albergando o novo Centro de Interpretação Sefardita do Nordeste Transmontano.
Fica na Rua Abílio Beça, percurso incontornável para quem quer conhecer esta Bragança inquieta e parte da escalada que liga a Sé ao castelo. «Esta vai ser a rua cultural de Bragança», diz Jorge Costa, diretor do Centro de Arte Contemporânea Graça Morais (CAC), que fica logo no início da Abílio Beça. Esse futuro, contudo, parece estar já a acontecer. O CAC abriu portas em 2008, depois de anos de para‑arranca, com um projeto de Souto de Moura para a recuperação daquele palacete é, ela mesma, uma obra a apreciar.
O Centro de Arte Contemporânea Graça Morais é dedicado a esta pintora transmontana, mas não só
O centro é primordialmente dedicado à pintora transmontana, mas não só, já que ali estacionam, por exemplo, exposições do Museu de Serralves, no Porto. A obra de Graça Morais é rainha, mas há ainda trabalhos de João Jacinto, Paula Rego, António Carneiro e Julião Sarmento, entre outras, e, a abracá‑las todas, o traço do arquiteto que também se deve seguir para ter a surpresa de, nas traseiras do edifício, sentir que ele invade a rua através de uma caixa de betão e vidro.
Uns metros abaixo, no número 75, entra‑se numa casa recuperada que acolhe um lugar expositivo nascido do encantamento de um fotógrafo francês por Trás-os-Montes. Trata‑se do Centro de Fotografia Georges Dussaud, ele que foi amigo de Miguel Torga, e muitas das fotografias em exibição evocam também essa amizade. Dussaud doou a Bragança o seu espólio de cerca de trezentas fotografias, tiradas entre 1983 e 2014.
Na mesma rua, encontra‑se o Museu Abade de Baçal e em poucos lugares haverá tanto e tão variado para ver, mercê das coleções próprias e de parcerias com entidades como o Museu da Presidência. Lá dentro, além de mais um magnífico palacete recuperado para conhecer a partir das entranhas, há coleções de arte sacra, porcelana e arte contemporânea, com obras de Abel Salazar e Almada Negreiros.
O Museu Ibérico da Máscara e do Traje exibe dezenas de máscaras tradicionais de Bragança e da região.
Dali, é seguir até chegar ao castelo, admiravelmente preservado, valendo bem a pena uma visita ao Museu Militar situado numa das torres, que se vai subindo à laia de viagem no tempo através das armas e outras peças da vida defensiva da nação, desde a constituição do reino até à II Guerra Mundial. E ainda, dentro da cidadela, sair‑se encantado do pequenino Museu Ibérico da Máscara e do Traje, que exibe dezenas de máscaras tradicionais de Bragança e da região.
E visto o que há que ver, outras lides prazerosas levam-nos à outra banda da cidade, passando por um novo lugar onde comer pratos feitos de cogumelos da região, em ambiente de simplicidade, criado por dois amigos e um cozinheiro suíço inspirado – o Batoque. E subir a encosta para a pousada, onde outros brigantinos dão asas à sua inquietação criativa, com os pés bem assentes na sua terra.
António e Óscar Gonçalves, filhos do casal fundador d’O Geadas, um dos restaurantes mais antigos e bem referenciados. Os dois filhos – o mais velho, chefe de cozinha, o outro, gestor hoteleiro – decidiram catapultar a marca de família para outro patamar. Em parceria com o grupo Pestana, assumiram há dois anos a gestão da Pousada de São Bartolomeu, um edifício de 1959, projetado pelo arquiteto João Loureiro numa encosta de Bragança de onde se avista, com privilégio, o castelo e o centro histórico de todos os quartos, tal como das janelas do Restaurante G – onde fizeram o investimento de algum risco de criar cozinha de autor, apenas assente em produtos regionais de alta qualidade.
A Pousada de São Bartolomeu está num edifício de 1959, projetado pelo arquiteto João Loureiro
É uma viagem sensorial à terra que produz pão e azeite – os básicos por onde começa a degustação –, cogumelos, carnes autóctones, frutos secos, ervas aromáticas e vegetais, alguns deles recuperados de usos passados, todos escolhidos a dedo, matéria-prima para as composições de Óscar. António, por seu turno, faz as honras da sala, sendo um prazer escuta-lo contar a história e a origem de cada ingrediente.
Circulando pela pousada, dá igual gosto ouvi-lo contar pormenores sobre cada objeto, incluindo o mural de azulejos de Júlio Resende, antes tapado pela decoração, agora posto em evidência. Se ali, na parte hoteleira, a ideia é preservar o conforto, o estilo e o acolhimento «do início das pousadas», já no G, o que se pretendeu foi uma rutura, passar do «conceito de regionalidade para o conceito de contemporaneidade», como diz António. E o que parece é que fala, afinal, de toda a cidade de Bragança.
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Reportagem publicada na edição 59 de 06 de maio de 2016 da Evasões. Alguns aspetos (nomeadamente horários, preços, dias de encerramento) podem ter mudado.
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