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Carnaval dos chefs: da feijoada às chouriças de boche

Ricardo Costa, chefe executivo do The Yeatman, queria era comer depressa, para ir ver o Carnaval a Vale de Ílhavo. Fotografia: DR

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(Este artigo foi publicado originalmente a 23 de fevereiro de 2020)

Marco Gomes, Oficina (Porto)
Mesa farta e um enchido especial

O chef é natural de Alfândega da Fé e na sua casa o cozido de Carnaval é levado muito a sério. A rara chouriça de boche é guardada para esse almoço.

Chef Marco Gomes, do restaurante Oficina. Fotografia: André Rolo/GI

Na casa de Marco Gomes, em Alfândega da Fé, o que se come no domingo Gordo é levado muito a sério. “A partir da matança do porco, começa-se a pensar no cozido de Carnaval. Há um enchido que sempre se fez na minha casa que são as chouriças de boche, feitas com o pulmão do porco”, conta o chef e proprietário do Oficina, no Porto. E como o pulmão dá, no máximo, para fazer dúzia e meia destas chouriças, elas ficam logo reservadas para o cozido do Carnaval.

As chouriças de boche não chegam à carta do Oficina, mas por esta altura há butelo com casulas. E até uma criação de Marco a experimentar: um butelo com casulas desconstruído, onde o enchido se come em cima de um puré de casulas e um creme do cozido clarificado. Já na casa dos pais, o butelo não se faz nem se costuma encontrar na mesa – embora as casulas (a que ali se chamam cascas) sejam costumeiras.

Até se chegar ao farto cozido de Carnaval, a família de Marco Gomes cumpre uma alegre agenda de tradições conviviais, que o cozinheiro muito preza. “Normalmente falamos das memórias do antigamente, mas eu tenho a sorte de trazer as memórias para o presente. Como era em criança ainda continua a ser, porque tenho a sorte de ter os meus pais e os meus avós vivos e da minha avó ainda cozinhar, apesar de ter 86 anos”, refere. A família cria anualmente dois porcos e a matança é uma festa, com amigos a chegar a Alfândega da Fé provenientes de Lisboa e do Porto.

Logo a seguir, monta-se a arca salgadeira. “A ordem da salgadeira começa pelos presuntos, depois vêm as pás e o que fica em cima são as partes que vão ser utilizadas no cozido de Carnaval”, conta Marco. Um mês antes, as carnes são penduradas junto dos enchidos. E no resto do dia, acompanha-se a romaria da vila, com as suas tradições alegóricas e satíricas. “É uma romaria fantástica”, diz. Dora Mota

 

Rui Paula, DOP (Porto)

Carnes gordas e festas caseiras

O chef Rui Paula, detentor de duas estrelas Michelin, tem raízes transmontanas. As suas memórias do Entrudo estão ligadas a essa região. Comia-se cozido à portuguesa, improvisava-se uma máscara e fazia-se a festa em casa, com amigos, vinho e música.

Rui Paula e o clássico cachaço de porco que serve no DOP.
Fotografia: Leonel de Castro/GI

Rui Paula, nascido no Porto há 53 anos, tem grande ligação a Trás-os-Montes e Alto Douro, de onde é toda a família: pai, mãe, avós, mulher. Não admira que as suas memórias de Entrudo estejam ligadas àquela região; mais especificamente, a três lugares: Favaios, S. Mamede de Ribatua e Alijó. É festa que nem lhe diz muito, mas guarda dela boas memórias, porque era um tempo de reunião, proximidade e reencontro. Gente que estava fora retornava ao ninho. Havia festas particulares, em residências de amigos, onde se ficava a dormir. “O que nós queríamos era casa, música, vinho”, lembra o chef, com um sorriso.

As máscaras também eram caseiras, feitas com o que estivesse à mão, mais para esconder a identidade: “As pessoas disfarçavam-se de mulher, de velho… A piada era não saber quem estava do outro lado”. Rui Paula ainda celebrou a data até aos 27 anos, o que coincide, praticamente, com a sua entrada na restauração: tinha 26 quando abriu o restaurante Cêpa Torta, em Alijó. A propósito: o que ia para a mesa, no Entrudo? Cozido à portuguesa, eis o que se comia na zona. Era época de carnes gordas, “tudo o que dava o porco”. Um prato que conserva na ementa do restaurante DOP, no Porto, e remete para o Carnaval, é o cachaço de porco preto com aipo e molho de cidra, um clássico seu.

Fotografia: Leonel de Castro/GI

O chef e empresário nem sempre fez da cozinha vida. Antes, vendeu automóveis e máquinas de serviço. A abertura do Cêpa Torta fê-lo perceber que era aquele o caminho. Em 2007, inaugurou o DOC, em Armamar, entre a Régua e o Pinhão; em 2010, foi a vez do DOP; e em 2014 ficou à frente da Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, onde trabalha peixe e marisco, e que lhe valeu duas estrelas Michelin. “O peixe demorou mais a chegar à minha vida”, conclui. Primeiro, foi a carne. Ou não tivesse ele origens transmontanas. Carina Fonseca

 

Ricardo Costa, The Yeatman (Gaia)

Feijoada no prato, cardadores na rua

Aveiro é a terra natal de Ricardo Costa, chefe executivo do The Yeatman, com duas estrelas Michelin. Olhando para trás, vem-lhe à memória o Carnaval Tradicional de Vale de Ílhavo e seus ruidosos cardadores, assim como o pão e o folar típicos dessa localidade rural.

Ricardo Costa na cozinha do The Yeatman.
Fotografia: DR

Comidas mais gordas, que não iam para a mesa todos os dias, como feijoada, dobrada ou cozido. São estes os pratos que Ricardo Costa associa ao Carnaval, quando olha para trás. Mas o que o chef aveirense recorda mais nitidamente é a rapidez com que fazia desaparecer o que estava no prato, em criança, tão desejoso estava de ir para os festejos.

“A imagem que tenho, de quando era miúdo, é que comíamos um bocadinho à pressa, para nos prepararmos para ir ver o Carnaval”, conta o chefe executivo do restaurante gastronómico The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, para o qual conquistou duas estrelas Michelin. Não guarda memória de uma fantasia marcante, mas sim de uma festa popular: o Carnaval Tradicional de Vale de Ílhavo, uma localidade marcadamente rural, no concelho de Ílhavo, que nessa altura é tomada pelos cardadores.

Ricardo Costa, de 40 anos, natural de Aradas, Aveiro, lembra-se bem do ruído e do cheiro característico dos cardadores, figuras com máscaras e trajes coloridos, que andam pela rua a saltar e a cardar quem encontram; ou seja, a fazer deslizar pelos corpos alheios as cardas (objetos que eram usados para tratar lã ou linho, na fiação e tecelagem). Em redor, havia os carnavais da Mealhada e de Ovar, só que este era diferente. Longe vai o tempo em que celebrava a data, mas em anos mais recentes voltou lá com os filhos, até pela questão cultural.

Vale de Ílhavo é famosa, ainda, pelas suas padas e folares. Para o chef, a terra tem “o melhor pão português, e o melhor folar também”. “Uma das memórias mais incríveis da infância é saborear o pão de Vale de Ílhavo com a manteiga Vouga Sul, que era feita em Aveiro, e a mãe ou a avó fazerem café de cafeteira”, remata ele, que é confrade de honra da Confraria do Bacalhau e da Confraria dos Ovos Moles. Estes últimos são presença assídua nas festas lá de casa, principalmente no inverno. Carina Fonseca

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