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Crónica de Paula Ferreira: “A minha praia”

(Fotografia: Juan Manuel Sanchez/Unsplash)

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Fui surpreendida há dias por um amigo que olhou para uma foto que publiquei numa rede social e comentou, “estás no teu quintal”. Ele conhece-me há tantos anos, ainda do tempo dos grandes sonhos: connosco tudo iria ser diferente do mundo dos adultos que nos tolhiam a imaginação e os excessos. Afinal dei por mim a pensar, aquele bocado de praia é mesmo um pouco o meu quintal. Sempre por ali andei como se estivesse em casa, conhecendo, mesmo sem estabelecer qualquer tipo de relação, os que como eu dali fazem o seu espaço: vão quando o vento norte levanta a areia e o guarda-sol rola quase até ao mar (nesses dias há sempre uma duna a travar o vento, o sol no corpo estendido sobre a toalha a ouvir o silêncio). Os que não recuam mesmo se o nevoeiro oculte o mar e o passeio seja uma descoberta a cada passo, mesmo que para a água chegar à cintura seja preciso caminhar até ao fim do paredão, onde o Ave perde a doçura no encontro com o mar, e fica a ilusão de ser possível chegar à capelinha da Senhora da Guia na outra margem; também naqueles dias, quando as correntes criam lagoas onde devia ser praia e, por qualquer mistério da natureza, há peixes a cruzarem-se com as nossas pernas.

Esta é a praia para onde em crianças nos escapulíamos com o pretexto de ir ver o Bico, uma espécie de menir, na foz do rio, hoje encontra-se junto às dunas a demonstrar que os movimentos geológicos são lentos mas reais. Era ao Bico que íamos em bando, rente ao mar a molhar os pés, ver rapazes destemidos a nadar na foz do rio, o que tantas consumições provocava nas nossas mães. Mais tarde foi para aqui que fugi das multidões, de um areal carregado de barracas às riscas azuis e brancas, ocupadas por gente conhecida e que a rebeldia própria da adolescência obrigava a evitar. Lá longe onde o rio se encontra com o mar, não havia barracas, nem vigilantes, fossem os que nos protegiam do traiçoeiro oceano, fossem as vizinhas que adoravam ter uma história para contar.

É também a ela que recorro no inverno, para ver o mar e sentir o frio no rosto ou começar um longo passeio pela costa. E agora, em que me falta o tempo, consegui, numa manhã de início de Agosto, estender a toalha no meu quintal. E de repente dei por mim a descobrir, mesmo em agosto, ele era quase só meu.