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Crónica de Luísa Marinho: Mapas sentimentais no grande ecrã

O renovado Batalha Centro de Cinema foi inaugurado dia 9 de dezembro. (Fotografia de Artur Machado/GI)

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Quando o portuense Cinema Trindade reabriu, fez o mês passado seis anos, uma certa nostalgia que sentia há vários anos transformou-se em entusiasmo e esperança. É que na baixa do Porto, pioneiro da sétima arte no país, há muito que tinha deixado de ser possível ver cinema – com excepção de algumas exibições esporádicas ou de festivais.

No seu vasto programa de celebração de aniversário, o Trindade mostrou um filme que se destacou pela precisão do momento em que foi exibido. Esse filme é “Morada”, da realizadora Eva Ângelo, que durante os últimos dez anos andou a mapear as várias vidas do cinema no Porto, cruzando estas com as de várias mulheres cinéfilas. Eva descobriu-as na UATIP (Universidade do Autodidacta e da Terceira Idade do Porto), onde se tinham inscrito na disciplina de cinema.

O filme começa por apresentá-las, ou melhor, por criar o cenário para que elas se apresentem. Elas próprias decidem o plano com que querem ser filmadas. Uma ideia que, mais do que generosidade, revela a intenção de uma obra coletiva. Ideia que é sublinhada, mais tarde no filme, quando as mulheres veem as suas entrevistas e as comentam. Entre um momento e outro, dá-se lugar às histórias. Fala-se dos filmes da infância, do hábito de ir ao cinema quase diariamente e das sessões subversivas do cineclube, com a PIDE à espreita do outro lado da rua. Fala-se também dos muitos sonhos por cumprir.

Mas tudo isto enquanto se conta a história do cinema na cidade, desde o barracão na Rotunda da Boavista às grandes salas como o Águia D’Ouro ou o Batalha, passando pelas salas-estúdio dos anos 1970 e 80 até ao encerramento paulatino de todas elas, com a abertura dos multiplex nos grandes centro comerciais. No ecrã, o mapa do cinema vai-se fazendo com planos das ruas onde existem ou existiam cinemas, das placas com os seus nomes e mesmo com imagens das estátuas de Juan Muñoz na Cordoaria, que aparecem como inesperados espectadores, que se contorcem, que riem como se assistissem a uma tragicomédia.

Que felicidade ver a minha cidade filmada assim, ensaiando ligações entre tempos e espaços, não impondo um olhar, mas direcionando-o para algo novo. Não pude deixar de me lembrar qual o último filme que vi em determinada sala, que caminhos percorri para ir a tal cinema ou a que aulas faltava porque não podia perder aquele filme.

“Morada” – produzido durante quase uma década – consegue fechar um ciclo, pois termina exatamente com o vislumbre da reabertura do Cinema Batalha. Fim de um ciclo, início de outro, que trará outras tantas histórias para serem contadas durante muitos anos.