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As mulheres que mandam na cozinha portuguesa

Percorra a fotogaleria para ler as conversas com estas nove chefs femininas da cozinha portuguesa. (Fotografia: Orlando Almeida/GI)
JUSTA NOBRE Lisboa É possivelmente a chef mulher mais conhecida pelo país. Líder por natureza, Justa Nobre começou a carreira numa pequena tasca da sua irmã Guida, seguida pelo Restaurante 33, na Rua Alexandre Herculano, anos 1980, e pelo Iate Ben, em Carcavelos. Só teria o seu primeiro espaço próprio mais tarde com o Constituinte, na Ajuda, mas chefiava já as cozinhas, com o marido a dar o apoio na sala. Durante a carreira, rodeou-se de mulheres, algumas da família, e são também elas que a acompanham ainda hoje em O Nobre, no Campo Pequeno. «Eu praticamente sempre tive uma cozinha só de mulheres. Na minha casa, elas é que mandam, são em tudo capazes como os homens. Até porque estão cá há mais tempo, como a minha irmã e a minha prima», conta. (Fotografia: Orlando Almeida/GI)
JUSTA NOBRE Lisboa Hoje, com longos anos de experiência, livros lançados e a gestão de três restaurantes já bem oleada (O Nobre, O Nobre Estoril e o mais recente À Justa), a chef consegue dedicar tempo aos netos, que não dispensam as receitas caseiras em casa da avó. Mas ainda recorda os tempos em que teve de conciliar a profissão com o crescimento do filho. «Demorei seis anos a ter um filho porque estava a pensar como é que havia de fazer para tomar conta dele. Esteve uns meses num colégio que estava aberto de noite. Eu ia buscá-lo por volta da meia noite, e não é boa hora para se ir buscar um filho. Depois, passei a ter empregadas internas e babysitters», conta. E confessa: «Eu não queria largar a profissão, eu e o meu marido tínhamos o mesmo horário. São decisões nada fáceis de tomar, quando vemos que são pessoas de fora que estão a criar os nossos filhos. Talvez por isso só tive um». (Fotografia: Orlando Almeida/GI)
MARLENE VIEIRA Lisboa Tinha 12 anos quando pediu ao pai para trabalhar num restaurante, na Maia, inspirada pela figura da mulher que o comandava. «Fiquei espantada por ela ser tão bonita, tão jovem e estar à frente de um espaço de cozinha francesa, algo que eu nunca tinha visto», conta Marlene Vieira. Chegava à escola com as mãos arranhadas, ouvia comentários, mas nada demoveu a atual chef. Lançou-se num curso na Escola de Hotelaria e Turismo de Santa Maria da Feira e, no estágio de hotel, começou logo a trabalhar na secção dos quentes. «As mulheres estavam quase todas na pastelaria, nas entradas, faziam coisas mais delicadas. Mas não passei por isso», conta. «Mais tarde, quando passei a subchef de um hotel, um cozinheiro disse-me que nunca tinha tido uma chefe mulher e que eu não ia ser a primeira. Fiz questão de lhe provar que estava enganado», vinca, ao lado da sua equipa maioritariamente feminina na cozinha do Panorâmico. (Fotografia: Carlos Manuel Martins/GI)
MARLENE VIEIRA Lisboa O recente espaço que abriu fica no Tagus Park e é dali que também saem as pré-cozeduras para o Mercado da Ribeira. «O Panorâmico não é o meu restaurante de sonho, mas tenho muito orgulho naquilo que sirvo aqui. Tenho vontade de abrir um restaurante em que possa dizer “as mulheres também sabem fazer alta cozinha”, porque dói-me quando oiço que não temos nenhum Michelin liderado por uma mulher», confessa. Servir apenas almoços permite-lhe ter as noites para cuidar da filha pequena, a sua prioridade desde há dois anos. Engravidou ainda comandava a cozinha do Avenue. «Quando contei que ia ter uma filha e estar com ela pelo menos seis meses disseram-me que iam fechar o restaurante. Trabalhei até à última semana de gravidez e, por coincidência, o Avenue fechou no dia em que a minha filha nasceu». Marlene Vieira afirma-se como uma afortunada poder conciliar tudo e acredita que há muitas mulheres a preferir ser mães do que a gerir a equipa de um restaurante. O seu sonho era ter uma casa em cima e um restaurante no piso inferior, como antigamente. E remata: «Sei que hoje já não se pensa que a mulher é quem toma conta das crianças. Mas se pensarmos, quem é que cuida dos filhos dos chefs premiados?». (Fotografia: Carlos Manuel Martins/GI)
ANNA LINS Lisboa Quando iniciou o percurso na cozinha asiática no Midori, Penha Longa Resort, Anna Lins era a única mulher numa equipa de seis homens. Começou pelas massas e tempuras, depois passou para a chapa quente, já em frente dos clientes, e fez o seu caminho até ascender ao sushibar. «Quando contei a uma cliente japonesa, casada com um português, que ia passar para o sushi ela disse-me: “Não, não, as mulheres não fazem sushi”», recorda, admitindo: «Senti-me derrotada. No dia, senti-me posta à prova e até coloquei gelo na minha taça de água para garantir que tinha as mãos geladas. Um dos clichés que existem na cozinha asiática é que as mulheres têm as mãos demasiado quentes». Sendo a cozinha tradicional japonesa conhecida por ser pouco compreensiva com falhas e até «violenta em termos de relações de chefia», Anna não estranha que esta seja vista pelos japoneses como um lugar pouco indicado para mulheres. Por esse motivo, foi a única a não ser enviada pelo Penha Longa Resort, hotel onde está o Midori, ao Japão. «Mandavam cozinheiros de dois em dois anos estagiarem em hotéis do mesmo grupo. Quando me calhou a mim, disseram-me que não valia a pena ir porque os japoneses não me iam ensinar, não era o meu lugar estar numa cozinha». (Fotografia: Orlando Almeida/GI)
ANNA LINS Lisboa A chef acredita que são dadas mais oportunidades de carreira aos homens. Mas defende que para serem tratados de forma igual, homens e mulheres devem agir como iguais nas cozinhas. Uma filosofia que procura passar aos seus alunos na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril, onde dá aulas há nove anos. «Não posso usar o trunfo da menina e não carregar a saca de batatas. Estas diferenças entre géneros começam na escola primária», aponta. Casada com o sushiman Paulo Morais - com quem já partilhou a cozinha no Tsuru, Algarve, na Bica do Sapato, QB Essence e Umai, em Lisboa -, Anna é mãe de duas adolescentes. «Houve uma fase em que tive de optar por fazer só almoços, o Paulo fazia os jantares. Agora, as nossas filhas já estão em auto-gestão e disse-lhes que ia voltar a trabalhar em horários malucos. Pude voltar a agarrar na carreira», conta a atual chef do Miss Jappa, no Príncipe Real. E explica: «Os jantares são as refeições em que há mais desenvolvimento criativo. Tive muitas colegas a pedir para serem transferidas para os almoços para estarem mais disponíveis para a família. Logo aí, é mais difícil a progressão. Mas também já oiço muitas mulheres a dizerem que não querem constituir família pela exigência da profissão, o que é um bocadinho triste». (Fotografia: Orlando Almeida/GI)
ILDA VINAGRE Lisboa Tal como Alice Marto, também Ilda Vinagre foi responsável pela cozinha de outra casa brindada com estrelas Michelin nos anos 1990: A Bolota, em Terrugem, Elvas. À frente dos pratos estava ela, à frente da gestão a sua cunhada, Júlia, e juntas «foram das primeiras mulheres do país a agarrar num restaurante». O prato de perdiz com chocolate era um sucesso, a sopa de cação com nozes fritas também e não havia tantos a fazer da cozinha negócio como agora, recorda Ilda. «Antes, as estrelas era atribuídas à cozinha autêntica portuguesa, agora há outros cozinheiros, certamente bons. Na altura, eu fui das primeiras a usar confitados, vácuo, e estava atenta ao que os espanhóis faziam. Hoje em dia, conseguimos ter tudo no nosso país, na altura era mais difícil», conta a ribatejana sobre os tempos dos dois restaurantes A Bolota, que ficavam lado a lado. Era a sua segunda experiência na cozinha profissional, após alguns anos a viver nos Estados Unidos, onde era cozinheira do embaixador português, e o seu marido, motorista. (Fotografia: Sara Matos/GI)
ILDA VINAGRE Lisboa As três filhas do casal nasceram, assim, entre tachos, não sendo de admirar que duas estejam hoje envolvidas na cozinha – uma delas trabalha com a mãe. «Dez dias depois de ter a minha primeira filha, já estava de volta ao trabalho. Às vezes, dava-lhe de mamar enquanto mexia nas panelas», recorda Ilda, na sala do S Restaurante, no Rato, espaço este que marcou o seu regresso a Portugal no ano passado. Viveu os últimos nove anos no Brasil, em São Paulo, onde comandou a cozinha do A Bela Sintra. «Durante quase uma década geri 20 homens na minha cozinha, quase tudo juventude, e nunca me senti discriminada. Hoje, tenho 62 anos de idade, 40 de profissão e toda a gente me tem respeitado», garante. (Fotografia: Sara Matos/GI)
MICHELE MARQUES Estremoz Hoje em dia o sotaque mal se nota e até podia ser quase alentejano pelos anos que Michele leva em Estremoz. Nasceu em Petrópolis, no Brasil, numa família em que todos cozinhavam e o pai até era o mestre da culinária. Estudava jornalismo quando aos 21 anos decidiu voar para Portugal, onde vivia uma amiga. Rendeu-se ao Alentejo e, em 2009, arrancava o projeto da Gadanha, uma mercearia fina que Michele abriu com Mário Vieira, natural da terra. A vontade de juntar aos vinhos, compotas, chutneys e petiscos de qualidade levou-a a inscrever-se na Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre, onde foi a única mulher a concluir o curso numa turma de 13 alunos. Estagiou no estrela Michelin chefiado por João Rodrigues, Feitoria, e tudo o que aprendeu (incluindo com José Júlio Vintém, no Tomba Lobos, Portalegre) trouxe para a Mercearia Gadanha, que é hoje restaurante, a par de loja. Pratos cuidados, ingredientes frescos e locais, os melhores que a estação tem para oferecer. (Fotografia: Jorge Amaral/GI)
MICHELE MARQUES Estremoz A sua cozinha é maioritariamente feminina, mas todos fazem o mesmo porque Michele acredita que a cozinha não tem género. «A grande diferença na liderança de uma cozinha tem a ver com a personalidade e o objetivo de cada um e não ser do sexo feminino ou do masculino. Acho que trabalho tanto quanto um homem», vinca Michele, que foi mãe há três meses e trabalhou até à última semana de gravidez. Regressaria à Gadanha 15 dias após o parto. «Se trabalhasse por conta de outrem talvez estivesse a gozar licença, mas vou conciliando tudo. Agora, faço mais fins de semana na Gadanha», explica, admitindo que a grande ajuda do companheiro e da mãe têm sido fundamentais para conciliar tudo. «Mas as mulheres são fortes o suficiente», atira, com um sorriso. (Fotografia: Jorge Amaral/GI)
INÊS DINIZ Porto Os dias começam cedo e terminam tarde para Inês Diniz. «Normalmente às 09h30 já estou no restaurante e fico até fechar, pelas 22h00. Se tivesse filhos não tinha esta disponibilidade. Não sei o que é ser mãe, mas tenho este bebé», diz a responsável pela Casa Inês, a uns minutos a pé da estação de comboios de Campanhã. Aos 54 anos, conta com pelo menos 20 de cozinha profissional, mas os tachos e panelas foram paixão tardia. Aos 23 anos, quando casou, era da mãe e de uma cozinheira nos restaurantes de família que se socorria e ia pedindo receitas. Muito mudou e hoje é ela a «chefe da banda» na Casa Inês, espaço que abriu em janeiro de 2012. «Não sou chef, sou cozinheira», diz, bem-disposta. (Fotografia: Fernando Marques)
INÊS DINIZ Porto O marido, Germano, toma conta da sala, juntamente com outro funcionário, Sérgio, e Inês reparte a fórmula gulosa dos filetes e arroz de polvo com Cristina e Elisa (que já cozinhava com o seu pai). «As mulheres fazem tão bem ou melhor o mesmo trabalho do que os homens, podem é ter outros objetivos», vinca Inês, atirando: «Na cozinha, elas são muitas vezes formiguinhas, cozinham e ninguém as vê. Já eles gostam de procurar coisas novas, não conseguem fazer sempre a mesma coisa». Na Casa Inês, não há dúvidas quem governa: «Nesta casa os homens têm de ser educados à minha maneira, até porque sou obcecada com a limpeza». (Fotografia: Fernando Marques)
ELISABETE PINTO Porto No BB Gourmet 1858, a chef Elisabete combina scones de chouriço com caldo verde e compota de laranja com magret de pato, desde há três anos. O restaurante é o mais criativo da cadeia BB Gourmet, que tem neste momento cinco espaços, e Elisabete Pinto tem carta branca (literalmente, pois é este o nome do menu degustação) para experimentar diferentes sabores e texturas. Foi a promessa de um restaurante assim que a levou a aceitar o convite do grupo para se juntar à equipa desde há cinco anos como chef executiva. Gere uma equipa de homens, mas sublinha que, por coincidência, cada restaurante BB Gourmet tem uma chefe mulher a liderar. No entanto, Elisabete não é de clichés: «Já tive homens nas minhas cozinhas mais organizados do que mulheres». (Fotografia: Fernando Marques)
ELISABETE PINTO Porto Entre as grandes influências da chef natural de Matosinhos, que estudou cozinha profissional em Angeiras, estão figuras masculinas. Como Andre Boccoli, com quem aprendeu as técnicas tradicionais italianas, em Milão, e o chef Luís Américo, agora com o restaurante Typographia Progresso. «Os chefs com que trabalhei eram também grandes homens», elogia, acreditando que a única barreira para as mulheres ascenderem nesta área pode ser mesmo a carga horária. (Fotografia: Fernando Marques)
CARLA CONDE Tomar Com um pai caçador, talentoso na cozinha, e quatro dos seus seis irmãos a trabalhar em restauração, Carla Conde não fugiu à propensão familiar para a gastronomia. Embora tenha nascido em Vieira do Minho, foi na Suíça que passou os últimos 20 anos da sua vida (e carreira), antes de regressar a Portugal, à terra do marido, onde gere hoje o restaurante Calça Perra. Tinha apenas 17 anos quando, incentivada pelos irmãos, seguiu-lhes as pisadas e emigrou. Começou por lavar loiça em restaurantes, mais tarde passou a ajudante e, aos 21 anos, inscreveu-se na Escola de Hotelaria de Zurique para ser chefe de sala. Mudou-se para Genebra para abrir o restaurante do irmão e quis voltar à escola para se especializar em cozinha. «Não é um país fácil, os suíços são muito rigorosos. Os meus professores foram sempre homens, nunca tive uma chefe mulher, mas eram grandes profissionais», afirma, sublinhando nunca se ter sentido discriminada. (Fotografia: Fernando Marques)
CARLA CONDE Tomar O regresso a Portugal deu-se em 2012, para que a filha pudesse crescer em território nacional. Trouxe influências da cozinha francesa e italiana para o Calça Perra, onde gere uma equipa pequena: são três a trabalhar no inverno e seis pessoas no verão. «Às vezes, ainda se surpreendem por me ver a fazer tudo, tratar das contas, das compras, da cozinha. Mas acho que hoje já se tem uma mente mais aberta nas cozinhas», acredita Carla, que se divide entre o trabalho e a atenção com a família. «Já me convidaram para dar aulas na Escola de Hotelaria de Tomar, mas neste momento o meu tempo é para a minha filha». (Fotografia: Fernando Marques)
ALICE MARTO Fátima Nome incontornável em Fátima, Alice Marto é a imagem do restaurante Tia Alice, aberto desde 1888. Já ela, comemora os seus 83 anos de vida precisamente no Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, e tem uma história que dava pano para mangas (e para vários capítulos). Apaixonou-se pelo marido aos 13 anos, viveu um romance proibido pelo pai, casou por procuração e mudou-se para Moçambique onde o casal viveria vários anos com os filhos. O regresso definitivo a Fátima chegaria com o fim da ditadura e, muitos anos depois, a família lançava-se num projeto conjunto que tinha como inspiração a cozinha caseira de Alice. «O meu sobrinho disse-me que devia fazer a comida como em casa», recorda, desfiando memórias antigas». Conta como o atual espaço do restaurante fora antiga taberna-mercearia do seu pai, a chamada venda. A sua mãe geria o resto: tratava das fazendas, tosquiava ovelhas, cozia o pão e governava a casa. Talvez a destreza seja também genética, porque mesmo aos 83 anos Alice não deixou de amassar o pão no Tia Alice.
ALICE MARTO Fátima Na cozinha do restaurante há maioria de mulheres mas, principalmente, de familiares. Os sobrinhos e netos enchem os corredores e o seu filho António é um dos braços-direitos. «A minha mãe tinha este dom para cozinhar, mas o restaurante sempre foi gerido pela família. Ela entregou-se completamente e tudo nasceu de uma forma muito inocente», conta António Marto, que recorda ainda a atribuição de estrelas Michelin ao Tia Alice, em dois anos distintos, 1993 e 1996. «Na altura ninguém falava dos prémios cá em Portugal. Penso que eram entregues a cozinhas mais autênticas talvez», diz. O paradigma até pode ter mudado, mas os pratos clássicos de Alice Marto não saem de moda: como o bacalhau gratinado, açorda de camarão e a vitela assada.

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«Ainda tenho muitas alunas que me dizem sentir-se ostracizadas nos estágios e que ouvem “Lá vem uma mulher para a cozinha”». O desabafo é atual, feito por Cristina Félix, diretora da Escola de Hotelaria e Turismo de Viana do Castelo. Desempenha o cargo há dez anos e foram várias as queixas que lhe passaram pelas mãos. «Esta é uma realidade, tanto em pequenas como grandes unidades hoteleiras. Já tivemos cozinheiros a dizer que não queriam ter mulheres nas suas cozinhas», conta a responsável, que se faz rodear por quatro outras gestoras no instituto: «É importante termos mais mulheres representadas na cozinha». E elas estão a chegar. Nos cursos da Escola de Hotelaria de Viana do Castelo, as mulheres são ainda uma minoria (numa turma de 25 jovens há quatro alunas), mas o número de inscritas tem vindo a aumentar, segundo Cristina.

Em Lisboa, o chef João Sá é professor na Escola de Hotelaria de Lisboa e fala de uma realidade diferente. «Há seis anos, quando comecei a dar aulas, acho que existiam menos mulheres. Agora diria que é metade-metade», afirma o responsável pelas aulas de cozinha portuguesa criativa. A diferença está, diz, na mudança de atitude por parte das jovens. «Antes as mulheres eram mais retraídas, tinham mais vergonha e receios, mas cada vez mais têm outra atitude perante os colegas. Isso vai dar frutos daqui a uns anos», defende.

Reconhecida crítica gastronómica, Fátima Moura fala da forte presença das mulheres nas cozinhas pelo país, mas evidencia as exceções na alta cozinha e nos hotéis. «Se a profissão não suscitasse o interesse das mulheres não haveria tantas a chefiar restaurantes de cozinha regional com equipas quase integralmente femininas», sublinha, alertando, no entanto, que os «restaurantes de hotéis e de alta cozinha tiveram sempre brigadas exclusivamente masculinas e uma dura disciplina praticamente militar que não permitia a presença do sexo feminino». A autora de vários livros de gastronomia conta ainda que «foi preciso as mulheres lutarem muito» para chefiarem uma cozinha e que hoje há várias chefs à frente de grandes restaurantes, mas que «continuam a ser raras as que chefiam a cozinha dos grandes hotéis com as suas pantagruélicas secções de banquetes».

Com visões mais ou menos complementares, Cristina Félix, João Sá e Fátima Moura concordam no mesmo ponto: a maternidade e as responsabilidades familiares podem ser fatores difíceis de conciliar numa profissão em que a carga horária ultrapassa muitas vezes o considerado normal. «Os horários da restauração são penosos para todos, mas sobretudo para as mulheres com filhos. Mas penosos são também horários de outras profissões», lembra Fátima Moura. Também João Sá, casado com a chef Marlene Vieira acredita que a maternidade é um obstáculo fisiológico. «Não podemos inventar que o homem cuida da mesma forma que a mulher», diz o chef, pai de uma menina com dois anos.

«Acho que cada vez mais as mulheres estão a conseguir equilibrar os cuidados dos filhos com os homens e isso vai refletir-se no trabalho. Falando a nível pessoal, nem eu nem a Marlene [Vieira] conseguimos conceber cozinheiros a trabalhar 12 horas por dia na nossa empresa», conta. «Nem as novas gerações estão dispostas a trabalhar assim. Quando o ramo hoteleiro perceber que menos horas equivale até a mais capacidade criativa, isso vai também mudar a forma como se concilia tudo». É apenas uma questão de tempo para as mudanças começarem a refletir-se na indústria, defende Fátima Moura: «O movimento é imparável e o grande número de mulheres que saem todos os anos das escolas hoteleiras e as que já entraram para as cozinhas vão subir naturalmente de posto nas suas carreiras e chegar aos lugares de topo».

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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