Histórias de norte-americanos que escolheram Portugal para viver
Veja nesta fotogaleria alguns dos norte-americanos que criaram os seus próprios negócios/projetos em Portugal 1. Adam Heller, Chimera Brewpub
Portugal não lhe dizia nada. Desconhecia a cultura, a língua, a comida. Adam Heller nasceu e cresceu em Chicago e viveu parte da vida adulta em estâncias de montanha no interior dos EUA, pelo que não teve contacto com as comunidades portuguesas.
Foi uma curiosa sequência de eventos que o trouxe a Lisboa. Queria mudar de ares, estava resolvido a ir viver para São Francisco. Entretanto, os pais descobrem uma reportagem sobre a capital portuguesa no The New York Times e por aí decidem o seu destino de férias. Acabou por se juntar a eles, e, recorda, «senti logo algo realmente maravilhoso mal aterrei».
Talvez porque a cidade lhe lembrava São Francisco, pela ponte, os elétricos, as ruas de altos e baixos. Calharam os Heller alugar um apartamento ao lado de Raquel, uma artista de circo com quem Adam criou uma forte ligação em pouco tempo. O círculo fecha-se quando ambos descobrem que quando o jornalista do Times esteve por cá se cruzou com Raquel e foi ela que lhe mostrou a cidade que este viria a retratar em reportagem. Ao cabo de três meses, Adam regressa. Para ficar. 1. Adam Heller, Chimera Brewpub
Entretanto, já passaram cinco anos. Sendo chef, arranjar trabalho não lhe custou. Passou pelos restaurantes do hostel The Independente e ao cabo de três anos abriu, em sociedade com dois outros chefs, o restaurante Chimera. No último verão, voltou a aventurar-se. Americano que é, conhecia de perto o mundo da cerveja artesanal, e mal chegou a Portugal percebeu que havia uma lacuna. Daí que, no início deste verão, abriu, com Raquel, um pub de cerveja artesanal com produção própria, em Alcântara.
O nome Chimera manteve-se, mas, ao passo que no primogénito predomina uma cozinha de autor feita de poucos produtos e criatividade sem tiques barrocos, aqui, com a mesma clareza, a cerveja está acima de tudo, seguindo-se-lhe apenas a comida que lhe faz boa companhia. Aquilo que Adam descreve como pub grub, comida de pub, «ao estilo deli nova-iorquino», com sanduíches de carnes curadas por si próprio, a fazer justiça às cervejas que, algumas delas, são feitas a partir de receitas de lavra própria.
No piso subterrâneo tem uma pequena fábrica onde, para já, apenas faz experiências (a produção segue para a fábrica da Bolina, na Azambuja), mas que a breve trecho poderá aumentar a capacidade produtiva. A envolver tudo isto, um espaço acolhedor, e música, muita música – na sala há um piano vertical, um violoncelo e uma guitarra acústica à disposição de quem chegar com vontade de fazer o gosto ao dedo. Música e cerveja, portanto: não há combinação mais convivial.
Rua Prior do Crato, 6 (Alcântara). Tel.: 917070021. Web: chimerabrewpub.pt. Das 17h00 às 01h00. Encerra à segunda e à terça. 2. Eric Nurmi, Quinta da Rede
«Difícil é não nos apaixonarmos por isto!», exclama Eric Nurmi, enólogo na Quinta da Rede, que, há seis anos, tinha 24, trocou as vinhas de Sonoma County, no norte da Califórnia, pelo vale do Douro. O cenário que envolve a quinta, a poucos quilómetros da Régua, é propício a estas expressões.
O vale com o rio ao fundo, as vinhas já a ganhar tonalidades outonais, até lhe lembra um pouco o seu estado de origem. «Quando as pessoas pensam na Califórnia só lhes vem à cabeça praias e palmeiras», mas a realidade é que o norte é quase só agrícola e florestal, com muitas vinhas.
Mudar-se para cá não foi uma decisão tomada de um dia para o outro. Curiosamente, foi nos antípodas – Nova Zelândia – que Eric deu os primeiros passos que o aproximaram de Portugal, pois lá conheceu Mafalda Machado, também enóloga, com quem recentemente se casou.
Nurmi cresceu em Forestville, uma localidade rural com pouco mais de 2000 habitantes, onde os pais tinham um pomar de macieiras. «As árvores estavam já muito velhas, por isso, em 2002, começaram a plantar vinha. Comecei a interessar-me muito por viticultura», conta. Na altura, decidiu estudar administração e negócios. Mas quando acabou a universidade foi trabalhar para uma sala de provas, uma das muitas que existem na zona de vales do Russian River. 2. Eric Nurmi, Quinta da Rede
Começou a ganhar mais conhecimento de vinhos: como prová-los, descrevê-los e vendê-los. Pôs a mochila às costas e voou para a Nova Zelândia. Aqui, aliou duas paixões: o surf e o vinho. Fez vindimas e estagiou numa adega. «Foi nesta altura que conheci a minha namorada, que também estava lá estagiar.
No fim da vindima disse-lhe que gostava muito dela e que não queria que perdêssemos o contacto», conta. Nunca mais se separaram. Ainda foram vindimar para a Califórnia, depois viajar pela Indonésia, Austrália e, por fim, instalaram-se no Douro. «As pessoas ajudaram-me muito quando eu não tinha trabalho nem sabia falar português. Agora, com um português bem percetível e a trabalhar como enólogo, diz que quer fazer vida por cá.
Um dos projetos para o futuro próximo é lançar uma custom crush, modelo de negócio do Novo Mundo que quer importar para o Douro. Uma custom crush funciona como uma plataforma de «apaixonados por vinho» que não têm adega própria mas que querem produzir e comercializar o seu próprio vinho. Para isso, vai fazer obras na sua adega e avançar com o projeto. Porque, diz, «há coisas que o Velho Mundo pode aprender com o Novo».
Rua Conselheiro José Maria Alpoim, 166, Mesão Frio. Contacto para marcação de prova: 917502049. Preços: a partir de 5 euros (com marcação antecipada, grupos entre 7 a 15 pessoas) 3. Karl Lingenfelder e Gregory Burseau
Dezenas de american cookies alinham-se em estantes, numa das montras da Rua de Infantaria 16. O espaço, em Campo de Ourique, quase passa despercebido pela sua pequena dimensão, não fossem os tons em azul, branco e vermelho no interior, que tem espaço apenas para quatro pessoas ao balcão. De um lado, a instalação que o português Bordalo II fez da Golden Gate Bridge de São Francisco; do outro, a também vermelha Ponte 25 de Abril, fotografada por Karl Lingenfelder.
De bata branca e um sorriso, o norte-americano sobe as escadas da cave, onde fica a minifábrica das american cookies, e entra na loja. «Isto não são bolachas, são mesmo cookies», sublinha Greg, o marido, num português «americanizado», como diz o próprio.
Conheceram-se em 1974, precisamente em São Francisco, quando trabalhavam como empregados num restaurante de luxo. Lá viveram 14 anos, antes de se mudarem para Maui, pelo mesmo período de tempo, com algumas viagens à Europa pelo meio.
Em 2012, após um ano particularmente difícil, decidiram reformar-se e abriram um mapa. Lá estava Portugal, o país para onde já tinham viajado e cujos vinhos sabiam de cor, graças a uma wineshop que geriam em Maui. 3. Karl Lingenfelder e Gregory Burseau
Casaram-se em Lisboa, em 2014, um ano depois de abrirem a Karl’s Cookies. «Estávamos aborrecidos da reforma e uma amiga sugeriu que abríssemos uma loja com as american cookies que o Karl já fazia», conta Greg. A receita é familiar, a que a mãe de Karl fazia desde sempre com a massa fofa e o chocolate cortado na hora, mas com algumas variações do filho, que partiu da receita mais clássica (com pepitas de chocolate) e deu-lhe outros sabores.
Chá verde, laranja e M&M’s, limão, manteiga de amendoim, alfarroba, figo, vinho do porto e hortelã-pimenta são apenas algumas das american cookies (a partir de 1,20 euros) que se encontram por aqui. As encomendas são o forte da casa, bem como a sanduíche de gelado, os brownies, os cinnamon rolls, os milk shakes para comer à colher, a root beer americana e o red velvet cupcake, que Karl vai trazer de novo neste inverno. Afinal, a reforma não parece estar para breve.
Rua da Infantaria 16, 77B (Campo de Ourique). Web: facebook.com/KarlsCookies. De quarta a domingo, das 12h00 às 14h00 e das 16h00 às 20h30. 4. Anita Breland e Tom Fakler, anitasfeast.com
Anita Breland e Tom Fakler vivem no Porto há nove meses. Para este casal de norte-americanos – ela natural do Mississippi, ele do Minnesota – que se conheceram na Europa, onde trabalharam nas últimas duas décadas, a escolha de se mudarem da Basileia para o Porto não foi difícil.
Ambos percorrem já meio mundo, em trabalho e em lazer. Mas foi quando deram por terminadas as suas carreiras profissionais, em 2008, que pensaram em começar a partilhar as suas experiências de viagem. «O que realmente gostamos é de descobrir novos lugares, principalmente descobri-los através do estômago. Gostamos e de vinhos em qualquer lado», diz Anita. No blogue Anita’s Feast (anitasfeast.com), criado por ela em 2010 exatamente para contarem as suas experiências, escreveram já muito sobre Portugal.
Tom, que é responsável pelas fotografias do site, diz que «uma das razões para terem vindo para Portugal é a amabilidade das pessoas. São muito calorosas e afáveis e em todos os sítios vemos isso». Depois, «várias pessoas nos disseram para vir para o Porto e não para Lisboa», conta Tom, por ser uma cidade mais pequena e menos turística. Não foi difícil convencê-los, até porque seria o sítio ideal para fazer o trabalho de que gostam: «Explorar os bastidores da cultura gastronómica.» 4. Anita Breland e Tom Fakler, anitasfeast.com
Quando decidiram trocar a Suíça por Portugal escreveram: «Na Suíça, vivíamos em Basileia, que é a segunda maior cidade do país. Mudámo-nos para a segunda de Portugal e ambas têm a mesma mentalidade, não são só turísticas, têm muitas tradições vivas e ambas têm rio. Trocámos o Reno pelo Douro e os Alpes pelo mar. Mas o aroma do mar logo pela manhã vale bem a pena a troca.»
Anita só lamenta nunca poder vir a ser uma «tripeira». «Não gosto de tripas, tenho pena.» Mas quando vieram cá a primeira vez também não perceberam o entusiasmo com o bacalhau. «Agora já descobrimos vários pratos de bacalhau que adoramos.» Têm outro ponto a favor: gostam muito de francesinhas. 5. Joanna Hecker, Lisbon Living Room Sessions
Tudo o que Joanna conhecia era o Portugal de há 500 anos. Estudante de História de Arte e Arquitetura em Nova Iorque, interessava-lhe particularmente a obra do renascentista português Francisco de Holanda. Foi precisamente uma bolsa para aprofundar o seu trabalho que a trouxe até Lisboa.
Da língua portuguesa conhecia apenas o sotaque brasileiro, fruto de uma temporada a viver no Brasil.
Mas deixou-se encantar quando aterrou pela primeira vez em Lisboa. Já só regressou a Nova Iorque para prolongar a estada por terras lusas. E à segunda foi de vez: apaixonou-se por um português, Ricardo Lopes, o outro cérebro por detrás das Lisbon Living Room Sessions (também na foto).
Foi num bar no Cais Sodré que a ideia surgiu, enquanto se esforçavam para ouvir uma banda flamenca, por entre o barulho de conversas cruzadas. Joanna tinha regressado de mais uma visita aos EUA, onde dois amigos lhe haviam contado sobre um novo projeto: convidavam artistas a tocar na sua casa e abriam a porta a quem aparecia. Joanna serviu-se da inspiração e Ricardo, publicitário, da sua vasta carteira de contactos de artistas. Compraram aperitivos, juntaram os amigos e a tal banda do bar na sua casa, na Lapa. 5. Joanna Hecker, Lisbon Living Room Sessions
Já passaram 22 sessões ininterruptas de concertos em casa. A fórmula mantém-se, mas agora os concertos (último domingo de cada mês) acontecem sempre em casas diferentes. Qualquer um pode oferecer a sua sala para receber as Living Room Sessions. Já se ouviu de tudo: gospel, forró, jazz, fado, blues e rock.
«Os músicos adoram, é um ambiente diferente. As pessoas dão o que têm no final da sessão, mas aconselhamos dez euros», explica Joanna, continuando: «Quem quer aparecer basta enviar um e-mail e, conforme a capacidade, recebe uma mensagem com a morada da casa.» Desde o segundo concerto que contam com um patrocínio da Herdade do Esporão.
Por isso, há vinho para todos no final do concerto, para além dos snacks que o casal continua a levar. Joanna, que entretanto acumula dois trabalhos na sua área, em Lisboa, diz: «Este projeto leva muito tempo e o retorno serve para os artistas e para cobrir as despesas dos aperitivos. Mas é o que adoramos fazer.»
Web:facebook.com/lisbonlivingroomsessions. E-mail para concertos: lisbonlivingroomsessions@gmail.com 6. Scott Steffens, Dois Corvos Taproom
Scott Steffens está em Portugal há quatro anos. Tempo suficiente para alimentar certas saudades. «Da família, dos amigos, da comida», conta, encostado ao balcão da taproom da Dois Corvos – «não importa de onde vens, sentes sempre falta da comida com que cresceste». Da cerveja, nem tanto. Isto porque, na travessia do Atlântico, trouxe o equipamento de brassagem e, embora não fosse esse o seu plano de vida, acabou a montar uma das fábricas de cerveja artesanal mais bem-sucedidas do país.
A Dois Corvos produz atualmente algo como dez mil litros por mês, e o stock nem sempre chega para as encomendas. A cerveja já é bichinho que vem dos tempos da universidade. Já a vida profissional era dedicada ao desenvolvimento de software – por essa altura, trocara já o seu estado natal do Nebrasca por Seattle, um dos berços da cultura cervejeira americana.
Chegado a Portugal, na companhia da sua mulher (e, entretanto, sócia na Dois Corvos), Susana Cascais, casamento que por essa altura levava já uma década, apercebeu-se do grande vazio que era ainda o mercado do craft brewing. Encorajado por amigos que provavam e aprovavam a sua produção caseira, o casal pôs mãos à obra e, sem pressas, montaram uma fábrica em Marvila, à qual haveriam de juntar uma taproom, um bar informal onde se pode provar in loco a produção da casa. 6. Scott Steffens, Dois Corvos Taproom
A cerveja que por cá se faz, diz Scott, em nada fica atrás da que se produz nos EUA. O mercado, esse é muito diferente. «Lá já é uma coisa com um par de décadas, houve um lento processo de evolução do gosto, das cervejas mais simples às mais exigentes.» Em Portugal, apesar do relativo desconhecimento deste mundo, «essa evolução fez-se em menos de nada».»
Na feitura das suas cervejas, Scott e Susana usam matéria--prima importada, não há grande alternativa nos maltes e lúpulos. Mas interessa-lhes imprimir-lhes um «estilo português», daí que, para além da água local, recorram a fruta nacional para aromatizar certas edições de temporada, bem como a barricas antes usadas em vinhos para estagiar as suas cervejas.
Há-as de aguardente da Lourinhã, de moscatel de Setúbal, de vinho do porto, Susana chama-lhes «o quinto ingrediente». Scott sorri e não esconde o entusiasmo, enquanto aguarda que os primeiros lotes estagiados estejam prontos. «É ainda uma descoberta.»
Rua Capitão Leitão, 94 (Marvila). Tel.: 914440326. Web: doiscorvos.pt. Das 14h00 às 21h00; sexta e sábado, até às 00h00.
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A maioria pouco sabia de Portugal, mas quis o destino que cruzassem um oceano com uma mala e por cá assentassem pé… E negócios. Em vésperas das eleições presidenciais nos Estados Unidos, conheça alguns dos norte-americanos que, nos último anos, puseram mãos à obra e criaram os seus próprios desafios profissionais por cá.
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