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Fábio Torre: “Cerveja com gastronomia é a forma de chegar a mais pessoas”

Fábio Torre mestre cervejeiro da Sovina. (Pedro Correia/Global Imagens)

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Como nasceu esse gosto pela cerveja artesanal?
Em 2011, comecei o projeto de uma quinta orgânica no interior de São Paulo e tinha muito tempo livre. Todos os meus estudos tinham a ver com química e biologia e vários dos meus amigos já fazia cervejas em casa desde 2002. Comecei a pedir livros e kits e a fazer por hobby, nos tempos mortos da quinta.

Quando começou a levar o hobby a sério?
Passados dois anos, comecei a procurar formas de vender a cerveja e em 2015 abri um brewpub na cidade de São Paulo, chamado Mangalarga, nome de uma raça de cavalos brasileira. Sempre achei que eram um bicho nobre e forte e queria fazer cerveja assim.

O que o trouxe para Portugal?
Em 2017, por uma série de questões, acabei por não me sentir confiante para continuar no Brasil. Pensei em vários países para onde podia ir: Canadá, Chile, Bélgica, Alemanha… Na altura, havia uma vaga de brasileiros a vir para aqui e acabei por vir também porque me parecia que se vivia um momento interessante no cenário da cerveja artesanal. E também porque tinha uma série de amigos que já estavam instalados no Porto e em Lisboa.

Acabou por se instalar no Porto. Como foram os primeiros tempos?
Abri um restaurante, o Beer Beef & Beyond. Era uma steakhouse onde tudo era harmonizado com cervejas especiais e artesanais. Esteve aberto durante um ano e meio, até meados de 2018. Em paralelo, comecei, como cervejeiro, o projeto de cerveja I Am Jack’s.

Entretanto, tornou-se mestre cervejeiro da Sovina, a primeira marca de cerveja artesanal portuguesa, que entretanto foi comprada pela empresa de vinhos Esporão. Como foi pegar nas cervejas e reinventá-las? Teve liberdade criativa?
Tive liberdade total para fazer alterações. Redesenhei as receitas de raiz a partir de três critérios. Um era uma questão de estabilidade do produto, para que a evolução da cerveja na garrafa pudesse ser mais linear e lenta e não houvesse diferença sensorial tão grande entre uma garrafa acabada de encher e outra na prateleira há uns meses. Depois, renegociei com os fornecedores de matéria-prima. Passei a comprar só os melhores maltes, os melhores lúpulos e leveduras para gerar uma qualidade mais percetível. Este critério acabou por diminuir o custo da matéria-prima em 20 ou 30 por cento. Depois, fomos afinando todo o processo industrial. Desde o ponto de moagem, temperaturas… foi uma revolução.

As cervejas artesanais dão cada vez mais importância à harmonização com a comida. É também uma preocupação sua?
Sem dúvida. Vi esse fenómeno no Brasil, nos EUA, no Canadá… A própria Alemanha, que costumava ser muito “quadrada”, já começou a abrir-se um pouco. A revolução da cerveja artesanal passa pela gastronomia. Não acho que haja outra forma de chegar a mais pessoas. É preciso quebrar essa imagem ainda muito vincada de que a cerveja não é gastronómica. Fazendo isso, geram-se novas ocasiões para consumo de cerveja.

Isso ainda acontece muito em Portugal?
Ainda há uma grande parte da população que toma cerveja porque está com os amigos e se quer embebedar. A grande motivação para quem trabalha com cerveja artesanal é defender o lema “beba menos, mas beba melhor”. E esse beber melhor passa pela gastronomia, por se encontrar uma cerveja que case bem com tripas, francesinha, tarte de amêndoas. É muito mais prazeroso beber cerveja a acompanhar um prato do que beber só por beber.

A linha Tempo da Sovina, de cervejas envelhecidas em barrica, indica esse caminho. Quer também conquistar adeptos de vinho?
Sim. As cervejas como as Tempo tendem a conquistar mais consumidores de vinho do que de cerveja. Porque têm acidez, camadas de complexidade, a madeira. O produto é quase mais vínico, mesmo não deixando de ser cerveja. Na verdade, é como a cerveja sabia há uns 200 anos, as cervejas sabiam mais a vinho. As Tempo são o meu sonho desde que entrei para o Esporão. Queria aproveitar ao máximo as sinergias que existem entre os dois produtos. E tenho acesso a dezenas de castas, de barricas, a técnicas diferentes… posso pegar algo emprestado das técnicas de vinificação e usar nas cervejas.

Acha que os portugueses estão mais maduros no consumo de cerveja?
Bem mais maduros. Quando cheguei, os bares mais antigos tinham um ou dois anos. Havia uma explosão de marcas portuguesas e era difícil entrar num bar desses e encontrar uma cerveja de fora de Portugal. Quando apareceram distribuidores de cervejas artesanais europeias, começou-se a importar muita cerveja da Dinamarca, da Espanha, que tinham uma diferença de qualidade muito grande. Quando essas começaram a entrar, as pessoas perceberam que, mesmo com cervejas portuguesas boas, ainda havia caminho para fazer. As pessoas passaram a consumir artesanais estrangeiras e menos portuguesas. É natural, a concorrência ajuda a melhorar. Agora a qualidade está mais equiparada.

Sovina Tempo
Duas cervejas – Lote 1 e Lote 2 – vendidas em conjunto marcam o lançamento desta nova gama. São edições limitadas e numeradas, produzidas através do loteamento de várias cervejas com estágio prolongado em barrica.

Preço: Caixa de madeira com duas cervejas de 37,5cl – 16 euros