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As histórias de pais e filhos que fazem do vinho a sua vida

Percorra a fotogaleria para continuar a ler. (Fotografias de Jorge Simão)
José Perdigão e Mafalda Perdigão Quinta do Perdigão, Dão Arquiteto intensamente oficiante em Viseu, José Perdigão e sua filha Mafalda trocaram os cavalos pela paixão que invadiu as suas vidas sem pedir licença. A compra da quinta em 1997 mudou radicalmente a vida de ambos. O vinho não era estranho a Mafalda, em casa sempre se provara e José passava-lhe o copo para que cheirasse e provasse, «muitas vezes até em tom de provocação, porque eu, como todos os não iniciados, reagia mal ao contacto com o vinho». Mas aprendeu uma rábula com a mãe, «diz que cheira a frutos vermelhos», e o pai ficava encantado. Funcionava, afinal. «A verdade é que, depois de dizer isso, ficava sempre a tentar perceber outras nuances do vinho, o assunto interessava-me», confessa. A paixão de ambos, contudo, eram os cavalos, a Quinta do Perdigão foi comprada em 1997 e era apenas para convívio em família; não tinha vinha sequer. O que, diga-se, não tardou em acontecer.
José já estava a produzir vinho em 1999 e fê-lo de tal forma que inflamou os filhos. A dose mais forte recaiu na filha Mafalda, que, abandonando a competição, teve vontade de enveredar pelo mundo dos vinhos. «O meu pai diz que eu sou a pessoa mais parecida com ele que conhece, e tem razão », diz Mafalda, por ter ido fazer um curso de especialização em Santarém para se pôr a si própria à prova. Vingou e bem, com uma tese final sobre o Dão. Mafalda arregaçou as mangas e decidiu mesmo mudar de vida, inscrevendo-se na UTAD, em Viticultura e Enologia. E venceu, nasceu a enóloga de truz que hoje ganhou autonomia total. E até é quem refreia os ímpetos do pai, no tocante a novas opções, experiências e inovação. «O meu pai arrisca muito mais do que eu; prefiro decisões pensadas e bem tomadas.» Costuma ser ao contrário, sabemos todos. «Jantamos muitas vezes e fazemos muitas provas juntos. Nos fins de semana, vamos para a adega e conversamos com amostras à frente.» Hábito importante, talvez não muito frequente. Na Quinta do Perdigão há um extra: «Partilhamos com quem nos visita, ouvindo opiniões e explicando os vinhos. » O respeito pela linha criada pelo pai é uma constante e só juntos alteram rumos. Os vinhos passaram mesmo a ser o tema. Mafalda corrige: «Não é um tema, é uma forma de vida.» Bravos!
Cristiano Van Zeller e Francisca Van Zeller Quinta Vale Dona Maria, Douro Cristiano e Francisca são uma dupla imbatível, com uma sintonia que transcende o que poderíamos imaginar, mesmo de duas pessoas a trabalhar hoje na mesma área. Desde as férias passadas na mítica Quinta do Noval, outrora pertença da família, até à delineação da estratégia profissional própria, Francisca mantém o zénite no coração do pai. «O vinho do porto foi o primeiro vinho que provei, sentada no colo do meu pai na Quinta do Noval, tinha aí 4 anos», conta. «Mergulhava um dedo no copo e levava à boca.» Maravilha para uma criança no colo do pai, para mais docinho como se imagina. O vinho seco viria bastante mais tarde. «A primeira vez que bebi vinho tinto tinha 14 anos.» No período intermédio, foi crescendo a observar de perto todos e tudo. A matriz da Quinta do Noval é muito forte, por representar o período das férias de verão, quando tudo se passava em liberdade. «A Quinta do Crasto também me deixou memórias muito ternas. No fundo andávamos muito livres sempre, brincávamos, o Douro significava muito isso.» Conclui, com um sorriso: «Só hoje é que é trabalho, e mesmo assim um trabalho especial, que me dá muito gozo.»
Francisca confessa uma sensação profunda de pertença, em relação ao Douro, mas é uma mulher do mundo e do vinho, assumindo ambos sempre com muita emoção. «Cada vez mais eu penso que a minha função tem que ver com a parte da comunicação do vinho, com Portugal enquanto produtor de vinho e o Douro enquanto região de excelência em Portugal.» No domínio internacional, há uma vocação inequívoca de ambos. «Tenho o exemplo ótimo do meu pai, orientado para os mercados e para o mundo, eu sinto muita vontade e atração pelos aspetos da comunicação.» A «vinha da Francisca», que já é marca de vinho, foi uma vinha que o pai plantou quanto tinha 18 anos. «O meu pai escolheu sousão, tinta francisca, touriga nacional, touriga franca e rufete, e a certa altura percebi porquê. » Cristiano van Zeller sempre procurou a frescura nos vinhos e isso, para ele, sempre começou na vinha, daí a sua insistência. «Dos três irmãos, fui sempre eu a que me liguei mais ao vinho e à produção do vinho, penso que é daí que vem a insistência do meu pai em plantar uma vinha com o meu nome.» Simplifica: «Tenho paixão pelo Douro.» Melhor legado é difícil imaginar, assim como pai mais babado. De resto, Francisca quer fazer diferente, mais global, para contribuir de facto para a grande força do Douro e seus vinhos no mundo, mais do que ser estritamente produtora. Talvez aí divirja do seu pai, talvez na medida em que ele procure salvaguardar e acarinhar a terra e a vinha em que trabalha. A parceria recente com a Aveleda está a puxar por Francisca precisamente neste ponto: «Estou a conhecer melhor um legado grande que talvez não conhecesse noutras circunstâncias.» Cá estaremos, pai. Cá estaremos, filha.
Maria Castro e Álvaro de Castro Quinta da Pellada, Dão Pai e filha são como polos opostos sempre a mudar de posição. Completam-se na perfeição e atingiram um entendimento que passou por momentos telúricos. Pensamento cristalino, determinação forte e perseverança, palavras de ordem. A Quinta da Pellada é um dos grandes emblemas do Dão, senão o maior, em matéria de diversidade, qualidade e expressão de terroir. Álvaro de Castro herdou a quinta em 1980 e a produção de vinho começou em 1989, com orientação de Magalhães Coelho. Os vinhos são únicos e Álvaro e a sua filha Maria também. Fizeram uma descoberta juntos que ainda não está terminada. O dínamo pai-filha tem ainda muito para dar – bom para nós, amantes do vinho.
Apesar de o primeiro vinho produzido ser de 1989, sempre teve expressão e vida forte na família. A mãe de Maria é sobrinha de Caetano Vieira de Campos, enólogo de grande reputação da Casa Cadaval, em tempos idos. Acontece que foi na sua casa de Lisboa que se instalou quando fez os estudos. Influenciou indiretamente a sobrinha-neta a ponto de ser daí a sua primeira memória vínica. «Tinha 7 anos e, no fim de um jantar, deu-me para ir beber dos copos que ficaram na mesa, o que me deixou num estado complicado», recorda, bem-disposta. A boa disposição e o gosto pela conversa são sempre grandes. Desde miúda que gostava de ir para a quinta no verão, «fazia barquinhos e punha-os nos regos a navegar, na vinha do tourigo e da roriz». A vida académica nunca preencheu a jovem Maria Castro, mas teve um contacto com o assunto da enologia que a cativou, no curso de Biotecnologia. «Segui o ramo de investigação e tive uma única cadeira de Enologia, que me entusiasmou muito.» Foi o clique vocacional. «Até levava leveduras da quinta para fazer experiências.» Deu-lhe a base para avançar, e avançou. Afinal, estava no código genético de Maria, procurar a realização foi um pequeno salto apenas. O clima profissional com o pai nos primeiros anos não era o melhor. «Chateávamo-nos em todas as vindimas», sorri ao contar. Depois passou para o marido. Escapes que fazem parte de uma vida assumida com paixão. Apesar das divergências, pai e filha chegaram à conclusão de que procuravam exatamente os mesmos fins, por isso acabaram por se juntar cada vez mais com os olhos postos nos objetivos comuns. O trabalho de preservação de castas é notável, de que o Primus é o melhor exemplo. Quanto ao vinho que gostava muito de fazer, dá o Garrafeira 1970 de Vila Nova de Tázem como exemplo. «Mistura de baga e castas locais, com uma elegância incrível, muito leve na boca.» Um dia acontece. Estamos alerta!
João Nicolau de Almeida e Mateus Nicolau de Almeida Quinta do Monte Xisto, Douro Não é fácil ser filho de João Nicolau de Almeida, fundador do Douro moderno, para quem, por sua vez, não é fácil ser filho de Fernando Nicolau de Almeida, criador do Barca Velha. No entanto, encontrou uma fórmula de equilíbrio estável, que é… estar sempre em projetos novos. Mateus Nicolau de Almeida vive em Foz Coa, ao lado do Monte Xisto – propriedade do pai e dos irmãos desde 1993 –, como autêntico vigneron, já que se ocupa da vinha e do vinho em exclusivo e em todas as etapas. O Monte Xisto é o projeto no qual estão envolvidos o pai de Mateus, a sua irmã e o seu irmão. É preciso aqui dizer que João Nicolau de Almeida – pai de Mateus – encabeçou o famoso estudo que conduziu à definição das castas principais do Douro, tal como as conhecemos hoje. Perguntamos a Mateus o que está agora a fazer, e bingo!, criou a sua própria empresa, empenhou-se no projeto Trans Douro Express, que passa por mostrar os vinhos do Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior de forma excelsa – de novo a preocupação patrimonial e cultural – e está a trabalhar o rabigato em micro-terroirs, para lhes perceber melhor as nuances – o bichinho de inovar e conhecer melhor. Filho de peixe quer mesmo é nadar.
Retém as memórias mais doces de um dos primeiros vinhos provados. «Os vinhos que o meu avô fazia, havia um clarete, um outro de marca conhecida, S. Marcos, e o Constantino.» Continua a ser cultor do trabalho dos antigos. «Ainda no outro dia comprei um reserva de S. Marcos 1977 que estava uma maravilha.» Representa um pouco a transição da geração com que o pai aprendeu e a sua própria. Há que ver que, no tempo do pai «vinha o químico com a missão de evitar que o vinho tivesse defeitos», nem existia o termo «enólogo». Isto numa altura em que os defeitos no vinho eram abundantes. Coube ao pai, como enólogo – não já como «o químico» – transportar os vinhos para a zona das virtudes. «E foi isso que sinto ter recebido diretamente do meu pai, o que é muito bom.» Foi também ele para França, onde andou cinco anos «nem sempre só concentrado no vinho», diz com um sorriso. «O meu percurso académico não foi brilhante, mas absorvi uma parte científica importante e convivi em Bordéus com os melhores técnicos do mundo.» Não criou complexos por isso, antes decidiu andar para a frente, e aí a influência familiar – lado paterno e materno, este com Afonso Cabral, grande estudioso, na árvore genealógica – falou com voz própria. «Gosto muito de falar e provar com o meu pai, e ele gosta e aprova do que faço, sempre que renuncio a repetir.» E é aqui que a porca torce o rabo, porque Mateus vive um pouco inconformado com a rigidez das regras do vinho do porto e com a dificuldade do pequeno produtor em entrar no circuito. «Era fantástico se o vinho do porto pudesse ser mais vivo e moderno.» Deixamo-lo imerso nas suas questões da cinética da fermentação e do que gosta de chamar a «onda paleolítica», pelas cubas gigantes escavadas em granito.
Rita Beja Fino e Francisco Fino Monte da Penha, Alentejo O Monte da Penha era a propriedade adjacente à Tapada do Chaves, em Portalegre, onde antigamente a família passava férias. Os tempos eram outros, claro, mas a ligação à terra, àquela terra, permanece. A conversa começa com um lamento de Rita Fino, ainda que em tom bem-disposto. «Não me lembro do primeiro copo de vinho, porque o meu pai passava sempre o copo para nós, filhos, provarmos.» Mas lembra-se de que gostava de cheirar e sentir,ouvindo o que Francisco Fino, seu pai, comentava. «O meu pai passava-me o copo dele quando queria que eu sentisse melhor as nuances do vinho, como se me estivesse a formar.» Gertrudes Baptista Fino, avó paterna, foi também figura importante e influente da pequena Rita. «A Tapada do Chaves só saiu da nossa família em 1998, já o projeto Monte da Penha estava a andar em velocidade de cruzeiro.» A memória mais forte «é das idas à Tapada do Chaves no carocha azul-escuro da minha avó, andar pelos tonéis de três mil litros, as ânforas e os lagares, a correr e brincar». A ligação à terra acontece cedo. «Em termos do Monte da Penha, fui ajudar a plantar a vinha nova.» Teve aí o contacto com a terra no sentido do trabalho, «juntamente com empregados que vinham do tempo da Tapada de Chaves». «Comecei a trabalhar com o meu pai, diretamente, os meus irmãos menos diretamente, mas claro que fazem parte da estrutura.» Rita é que assumiu logo o desafio de vir viver para o Alentejo. «Tem que ver comigo. Os meus pais foram viver para Inglaterra quando a minha irmã tinha um ano e eu nasci lá. Ficámos 20 anos.»
Rita conta que o pai lembra com carinho o tempo que ele próprio passou com o avô dele nas vinhas. Ligação muito forte. Conseguia continuar o negócio em Inglaterra, e vinha também para Portalegre. «Só vim para Portugal com 18 anos, em 1994. Senti sempre que lá e cá era estrangeira.» Aprendeu primeiro a escrever em inglês, só depois em português, o que criou uma certa ambivalência. A relação com o pai foi sempre muito próxima, de uma cumplicidade que demorou o seu tempo a estabelecer-se. «Não acho que haja entre mim e o meu pai uma concorrência real.» Aliás, têm-se revelado as semelhanças e afinidades. «Noto que gostamos os dois de falar quando estamos com pessoas a quem estamos a explicar a quinta, os vinhos e a história, quando estamos em feiras e provas.» Mas para Rita Fino isso não se pode chamar competição. «Penso que é mais por perseguirmos um mesmo objetivo.» Francisco Fino é muito determinado, e pode parecer uma barreira intransponível, mas Rita diz no meio de gargalhadas: «Na maior parte das vezes, consigo dar-lhe a volta.» Nunca lhe passou pela cabeça fazer um vinho só seu, diferente e à sua maneira. «A filosofia do Monte da Penha é que tem, ela própria, o imperativo de ser diferente, nós somos muito diferentes dos outros produtores.» Lá fora, têm dado valor ao que fazem e ao facto particular de ter no portfólio vinhos com alguma alguma idade, de certa forma renunciando ao moderno só pelo moderno. «Para nós, os vinhos de 2011 são novos, de resto lançámo-los agora no mercado.» Receber visitas está no ADN da casa desde sempre e os momentos de refeição são normalmente partilhados com quem está. Deixámos data marcada para a mesa da família, com a família Fino.
João Roseira e Gustavo Roseira Quinta do Infantado, Douro A Quinta do Infantado tem uma trajetória única e representa historicamente o início do vinho do porto engarrafado na quinta. Luta da irreverente família Roseira, a que hoje casas importantes têm de estar gratas. A irreverência corre no sangue de João Roseira e do seu filho Gustavo, unidos na paixão pelo Douro e pelo vinho. Gustavo viveu sempre no meio do Douro, junto às vinhas e à adega. Tem, por isso, dificuldade em situar-se no tempo para dizer quando foi o primeiro vinho que provou. Provavelmente, houve belos vinhos que, numa fase mais precoce, me passaram ao lado. » Mas lembra-se dos que o impressionaram mais na sua juventude: «Sem dúvida, os portos tawny velhos!» E se os há de truz na família… Mesmo com um centro de gravidade tão forte como o Douro, João Roseira sempre procurou sair para voltar e transmitiu o bichinho a Gustavo. «Lembro-me bem de uma viagem epicurista que tivemos juntos à volta de Lyon. Um verdadeiro turbilhão de sabores, aromas, texturas e tons que revelaram novas sensações, em profundidades diferentes.» E mais: «As vinhas na Côte-Rotie, os bares de vinhos no centro, caves subterrâneas cheias de fantásticos tesouros» impressionaram e marcaram profundamente Gustavo. Além do tema incontornável de França: «Grandes restaurantes, momentos excecionais de partilha. Foi algures por ali que me apercebi da existência de uma energia muito especial à volta do saltar das rolhas!»
Utiliza o bom sentido de humor que tem para falar do legado em si. «Tal pai tal filho? Sim, talvez um pouco em algumas vertentes, mas tento ir ainda mais fundo na procura de vinhos mais autênticos, que exprimam honestamente as vinhas e o sítio de onde provêm.» Uma coisa fixou bem firme no coração, «a valorização de práticas mais sustentáveis e respeitosas, tanto para com a vinha como com o meio ambiente». O pai insistiu sempre nesse ponto, e Gustavo sente-se grato por isso. Enjeita a ideia de competição. «Concorrência e competição são palavras fortes, eu diria que há uma dinâmica abstrata pai-filho que me faz ser mais autocrítico e querer sempre superar-me.» Melhor homenagem a um pai é impossível. E ser diferente, Gustavo, o que é? «É seguir o caminho que a razão dita, mas também os sentidos e a emoção vão apontando, sem querer saber de maiorias ou de modas.» Belo. E há mais: «É lutar pelo que se acredita sem ter receio das consequências; não é querer ter razão ou ser melhor, mas mostrar que há diversos pontos de vista, muito para além do preto e branco, e ter a humildade para aprender com os outros. » Fim de conversa, princípio de retiro. Testemunho magnífico e fundamental. Obrigado, irreverentes Roseiras.
João Maria Portugal Ramos e João Portugal Ramos João Portugal Ramos, Alentejo A empresa está a celebrar os seus 25 anos, João Maria, o filho de João Portugal Ramos, tem 26. Tal como o pai, estudou e trabalhou fora do país durante anos. E apesar da inteira liberdade de escolha que lhe foi dada, optou pelo seu Alentejo. João Maria Portugal Ramos começou a provar desde muito novo e o primeiro poderá ter sido um Vila Santa, quando tinha 13 ou 14 anos, depois de jantar. «O meu pai foi sempre um grande conversador e sempre teve muito prazer em partilhar connosco os bons momentos e as suas impressões. » São muitas memórias, «todas memórias boas». A caça – como o pai, João Maria é caçador –, as histórias do vinho e das pessoas do vinho, algumas das quais vindas de longe e eram visita de casa, tudo serviu de moldura para criar o cenário em que viria a crescer.
Quando chegou a altura de escolher o curso que iria estudar, ainda pensou em Direito, mas optou por Agronomia. Não houve pressão alguma para que fosse assim, «foi mais uma certa vontade de seguir o caminho do meu pai, parecia-me que havia muito ainda por fazer e que eu próprio podia realizar-me no mundo do vinho». Estudou Enologia e andou por França, África do Sul e Chile. Até que em 2014 decidiu com o seu pai que estava na altura de entrar na empresa e desenvolver o seu trabalho aí. «Não é fácil o pai ser o patrão, mas deve ser muito pior ter outro patrão.» Hoje olha desassombrado para o futuro, sempre na parte da produção e com uma certeza absoluta: «Nunca faria um projeto sem o meu pai, é o melhor parceiro que se pode ter.» Sabe bem ouvir a palavra família assim declinada. «Já trabalhei em projetos muito interessantes lá fora, mas aqui tenho ainda muito que fazer, muito trabalho, em praticamente todas as vertentes.» A prova é de importância fulcral e concentra-se muito na atividade da prova, área em que o seu pai se notabilizou particularmente. Tem presentes os Foz de Arouce velhos que provou, assim como vinhos de Bordéus de várias idades, especialmente os mais velhos, todos importantes e fundadores da sua trajetória enquanto enólogo. Nutre a mesma paixão que o pai tem pelos vinhos da Borgonha e afeiçoou-se à casta sauvignon blanc, dos quais a prova lhe dá prazer. Importante mesmo – nisso cita o seu pai – é ter sempre uvas muito boas para trabalhar. «Sem uvas boas nunca vamos ter um vinho excecional. » As nossas artes são outras e ainda bem, que o assunto enológico com esta dupla de pai e filho está em muito boas mãos.
Daniel, Marco, Ana e Dirk van der Niepoort Niepoort, Douro «Eu sou um Niepoort». A afirmação é de Daniel, filho mais velho de Dirk Niepoort, então com 7 anos apenas, ao assumir o saca-rolhas para abrir uma garrafa, enjeitando a ajuda do pai. A cumplicidade entre pai e filhos começa na iniciativa destes, a eles cabe dar o primeiro passo, depois… o pai ajuda. Daniel é o mais velho, nasceu em 1992, Marco em 1995 e Ana em 2004, todos no Porto. O caminho trilhado pelo pai e pelos filhos mais velhos – Ana é ainda demasiado nova – tem sido singular. «Eu sempre quis que eles desenvolvessem o trabalho deles, por eles, como eles quisessem.» O cenário pelo pai mostrado desde pequenos era que à partida não tinham de ter lugar assegurado na Niepoort só porque tinham o apelido. Teriam de querer muito, sem qualquer obrigação. «Eu não fiz esforço nenhum para que eles viessem, nem nunca os puxei para o mundo do vinho», explica Dirk. «Importante para mim é que eles estejam no vinho porque isso os faz felizes e não por superproteção do pai nem da empresa do pai.» Os filhos atestam, e quando tomaram uma decisão clara, o pai abriu-lhes algumas portas para ver o que faziam e como se sentiam. Funcionou, se é que se pode dizer. «O Daniel tem uma empresa comigo e outro sócio, na Alemanha.» O Marco neste ano quis ir para junto do irmão, ajudar na vindima em Mosel, Alemanha.
«Provamos em conjunto muitos vinhos e ainda ouvem o que eu digo, mas estou sempre preparado para que sigam com as suas vidas, apoiados por mim ou não.» Resumindo, ambos os rapazes estão de corpo e alma no vinho. 5,5 hectares em Mosel, vinha de patamares muito semelhante às do Douro – coincidência cósmica – onde se faz vinho branco da casta riesling; e uma outra de vinho tinto em Pfalz, que explora em parceria com um grande amigo há 20 anos. Enquanto corre a conversa, Dirk faz uma revelação forte. Daniel e Marco Niepoort estão prestes a fechar a compra de uma vinha de seis hectares no Dão, com a sua ajuda. Estão de acordo em que a nova quinta tem um enorme potencial, tanto para vinho como para azeite, com olival exemplar já plantado. Os vinhos produzidos irão integrar o projeto Eduardo’s – nome próprio que corre na Niepoort há gerações –, de que já existe o primeiro vinho engarrafado de 2015, feito na Quinta Maria Izabel (Douro). Boas notícias para Portugal. Parabéns, pai; parabéns, filhos.

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É assunto sagrado, o legado partilhado entre duas gerações, vertido ou não em vinhos de orientação diferente, inovação e profundidade. Fazer vinho é assunto cultural, familiar e técnico, e a transmissão é quase sempre espiritual, sem palavras nem testamentos. Os próprios não sabem explicar, mas não dispensam o que receberam e recebem, e nós adoramos vê-los trabalhar em conjunto. Reunimos um conjunto notável de casos que falam por si. Afinal, nós também não queremos meter a colher!