Crónica de Dora Mota: De quem são (e o que são) as serras?

(Foto: Pedro Correia/GI)
A paisagem protegida regional que se chamou Serras do Porto precisa de olhar com frontalidade para o seu grande problema de monocultura. E assumir o seu nome verdadeiro.

Desde o final de 2016/início de 2017 que as serras de Valongo, Paredes e Gondomar se começaram a chamar Serras do Porto, no âmbito da classificação de Paisagem Protegida Regional. E desde então começou uma propaganda que me deixa triste e zangada. Cresci entre Valongo e Paredes e, como eu, muita gente vive nessa transição suave entre os territórios, é um bocado de ambos, e isso interessa pouco. O que interessa realmente é que vemos as serras degradarem-se como fábrica de eucaliptos, além de serem dadas ao Porto.

Um nome não é só um nome, pode ser tudo. Alguém de Valongo a dizer que é do Porto é alguém a querer armar-se em superior e cosmopolita – e a ridicularizar-se. O Porto é a nossa referência administrativa, capital regional e centro urbano. Não é a nossa terra, a nossa família, quem nós somos. Nestes lugares de tanta história, tradições, património, lendas, vida simples e comunitária, quem delas se sente é filho de boa gente. As Serras de Santa Justa, Pias, Castiçal, Flores, Santa Iria e Banjas não são do Porto. A questão metropolitana devia estar em subtítulo – Serras de Valongo, Gondomar e Paredes, parque metropolitano do Porto.

Mas não, as serras são como o parolo de Valongo a dizer que é do Porto para se dar importância. Nas placas, enfeitadas com desenhos de salamandras, lê-se que têm o Alto Patrocínio da Presidência da República. Será que o presidente viu as zonas desoladíssimas onde as puseram? Uma delas está ironicamente colocada junto ao aterro ilegal de resíduos perigosos de São Pedro da Cova. Outras estão junto a eucaliptais intensivos, legendando encostas rapadas e secas, ao lado de outras onde crescem as plantações jovens de verde baço, alinhadas como vinhas. Há dias, passei em Cacia, diante do complexo industrial onde se acumulam troncos de eucalipto para fazer celulose e papel.

As nossas serras são, cada vez mais, eucaliptais intensivos a crescer numa belíssima orografia.

 

Esta paisagem (des)protegida faz-me cair a alma ao chão. E tem eliminado a outra vida que dantes as serras também tinham. E contudo, vi no site oficial um vídeo de seis minutos sobre as serras, mostrando jovens que passeavam, encantados, em frondosa paisagem. Em seis minutos, não apareceu um eucalipto. Nem um. Isso é propaganda, tal como todo o discurso eufórico, inchado de adjetivos paradisíacos, que se faz acompanhar de imagens de salamandras e sobreiros, de águas a correr sobre pedras, emanando poéticas neblinas.

A monocultura do eucalipto é constantemente obliterada mas é o que vemos, todos os dias, nós os que somos de Valongo, Paredes e Gondomar. E temos memória de piqueniques na serra, mergulhos na Senhora do Salto, subidas épicas ao cume de onde se vê o mar. No guia base das serras, contudo, o eucalipto é apontado como sério problema, ainda que parcamente referido – quatro vezes, de passagem, em 120 páginas (e numa legenda de fotografia). Fala-se da “extensa monocultura” e “predomínio”, da “paisagem geralmente dominada por eucaliptos”. O nome cosmopolita é uma máscara para este problema gigante, obliterado numa propaganda risível. É preciso dizer isto. É preciso fazer alguma coisa para começar a mudar isto.

 

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