Monfortinho: descanso por terras termais, a dois passos de Espanha

Em Monfortinho (Idanha-a-Nova), junto à fronteira espanhola, a água é rainha e senhora. Seja em caminhadas pelas margens do rio, para movimentar moinhos antigos ou pelas suas capacidades regenerativas e curativas. Aqui, descansa-se ao ritmo de um caudal. Sempre com boa comida na mesa. Remédio santo.

As letras são vermelhas e destacam-se à distância, sob fundo cinzento. «Este sítio que vos falo é meu, e não o partilho com mais ninguém», lê-se num quadro que veste uma das paredes do Fonte Santa Hotel. Está situado na zona de bar, com sofás confortáveis, lareira, livros à mão de semear e jazz a tocar ao fundo. É um egoísmo saudável, este de não gritar ao mundo os refúgios rurais que nos fazem sentir bem.

Sentado numa das varandas deste quatro estrelas de Termas de Monfortinho, percebe-se porquê. A começar pela vista desafogada para a planície raiana e a serra da Gata, ou não estivesse a fronteira com Espanha a apenas 3 quilómetros. A mesma vista que se tem da piscina exterior do hotel, emoldurada entre um manto verde de carvalhos, azinheiras, cedros e palmeiras. Ou da zona de spa, inaugurada há quatro anos, com banho turco e sauna.

O desligar do burburinho é apanágio comum desta aldeia, conhecida pelas águas termais, e da envolvente Beira Baixa. Mas também o de uma noite bem dormida. Aqui, repõe-se o sono entre tons de verde e laranja, num dos mais de 40 quartos e suítes do Fonte Santa, alguns com varanda e a maioria com vista para Espanha. A mesma que se tem da varanda do restaurante, o Papa Figos, onde os produtos regionais e a carne de caça ganham destaque. Pratos como creme aveludado de cogumelos, folhado de perdiz com escabeche e ervas locais, tempura de polvo com migas de coentros ou a caldeirada de borrego compõem a carta pensada pela dupla Gabriel Almeida e Pedro Santos.

Um dos pratos do restaurante Papa Figos, no Fonte Santa Hotel, e o complexo de spa, com banho turco e sauna. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

Este é um hotel com mais de meio século onde a elegância se quer simples, sem grandes exibicionismos, e onde as boas-vindas se fazem logo desde o portão. É aqui que uma larga coleção de olaias lilases, também conhecidas como árvore-de-judas, nos encaminham até à entrada do hotel. À confiança, sem traições.

 

Banhos que curam, antes ou depois de um passeio
Está situada na margem direita do rio Erges, envolta em nascentes de água mineral e é desse elemento que se faz a história do Balneário das Termas de Monfortinho. Dos anos 1940 aos dias de hoje. O segredo para a cura de algumas doenças captura-se até 600 metros de profundidade. «A água é uma fonte de saúde. Esta não tem sabor, não tem cheiro, mas tem muita sílica, o que ajuda a tratar a regeneração da pele», conta Pedro Próspero, diretor termal. «Provem!», convida, de copo na mão. Conversa e caminha pelos corredores deste complexo onde se fazem tratamentos e massagens com base nesta água termal usadas para curar problemas reumatológicos, dermatológicos, respiratórios, sequelas de queimaduras, obstipações ou sinusites.

Para além de um horário novo, estando agora aberto durante todo o ano, o Balneário das Termas está também de cara lavada. Algumas das zonas foram remodeladas e reorganizaram-se espaços e salas, para uma melhor mobilidade. No ano passado, passaram por aqui três mil pessoas. «Temos muitos portugueses no termalismo clássico, de tratamento. Os espanhóis dominam mais o bem-estar e as massagens», explica o responsável, na direção há quase duas décadas. Nasceu em Lisboa mas vive em Castelo Branco, a uma hora de carro, desde a quarta classe.

Mesmo junto à entrada do edifício, é impossível não reparar num pomar carregado de laranjeiras. É por aqui que passa a Rota do Erges, um roteiro pedestre e sinalizado de 5 quilómetros, que pode ser feito por qualquer pessoa. Faz-se em torno das Termas de Monfortinho, mas nem sempre à beira deste rio que é afluente do Tejo. Também se sobe ao miradouro da serra do Cancho, ao lado de sobreiros, medronhos e azinheiras. No topo, há oportunidade para contemplar, sem pressas, a planície raiana.

Um dos muitos cenários da Rota do Erges. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

 

Doses generosas à mesa
Gosta de falar, tem o sorriso fácil. Não há quem não conheça Albertino Pires Oliveira em Penha Garcia, e não é pela sua vistosa boina verde à cabeça. Desde os anos 1990 que mantém o seu Raiano de portas abertas. Já funcionou como bar e já transformou o salão ao lado numa discoteca onde entravam 700 pessoas por noite. Hoje, a comida é a única estrela do espaço, mas é a suficiente.

Penha Garcia. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

Os sabores regionais servem-se em doses generosas e a preços imbatíveis. Há de tudo um pouco na carta, mas a carne de caça ganha destaque, nomeadamente com o javali e o veado, dois dos animais mais comuns nesta zona. Os ensopados e os guisados reinam. «Aqui só há carne de qualidade, com produtores que conheço há anos», explica o dono, de 79 anos. Um dos seus pratos de eleição é a prova de chouriço, muito comum por estas terras, feita com a carne de porco com que se faz o chouriço. É frita e acompanha com batata frita e picles de cenoura, pepino e couve-flor.

O Raiano consegue sentar até 160 comensais mas um fim de semana prolongado, como o da Páscoa, «chega a trazer aqui 1500 pessoas», afirma Albertino, natural de Penamacor. O segredo para manter a porta aberta, confidencia, é só um, «Respeitar o cliente».

A permissa é partilhada por Gabriela Nogueira. Está ligada à restauração há vários anos e é agora a mulher que comanda o restaurante do Clube de Tiro de Monfortinho. Propostas gastronómicas em doses grandes, que podem ser saboreadas à beira de uma estrada nacional, numa tranquila propriedade de 200 hectares onde há piscina, passeios de barco, parque de merendas, produção de azeite e campos de tiro desportivo.

Para comer, há bifinhos de veado com ramos de alecrim, tomate, beringela e curgete, ou secretos de porco preto. Imperdível é o bacalhau na telha com maionese e cebolada – frito e depois assado. Tal como os produtos usados, também a telha é produzida na região. Na sala, as toalhas verdes e as cadeiras de madeira combinam com as cores da serra da Gata, que espreita pelas largas janelas do espaço, onde também há esplanada. Uns metros à frente estão as quatro novas casas de xisto para alugar, inauguradas no ano passado, com vista direta para o rio Erges.

 

Arte manual, do barro às farinhas
«Se alguma coisa fica torta, paciência. Isto é feito à mão. É artesanato», explica Maria João do Vale. Genica e energia para dar e vender, uma mulher de negócios. É ela quem gere a loja Artesanato Termas de Monfortinho, onde se fabricam peças de barro há quase três décadas. O pai, Noé, de 71 anos, é o artesão que fabrica as centenas de peças dispostas na loja, e Maria João pinta-as à mão, no final. Um negócio familiar de sucesso que não começou, contudo, da melhor forma. «Desde criança que o meu pai faz isto. Mas a primeira vez que produziu uma peça de barro quase deitou fogo a uma oliveira», ri-se Maria João.

O barro de Termas de Monfortinho. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

As peças são feitas com uso de roda manual ou elétrica, depende do volume de trabalho, e chegam a ir a um forno a gás até três vezes, por etapas de sete horas cada, ao longo de todo o processo. O resultado está à vista por todos os cantos da loja. Vasos, potes, cestas, pratos, saladeiras, copos enchem as prateleiras mas também há produtos regionais nesta casa, como mel de Monfortinho ou compotas de Penamacor.

A 10 minutos de carro dali, é também o trabalho manual que alimenta aquela que é uma das padarias mais conhecidas da zona. «Costuma dizer-se que um pão de quilo e meio costuma dar para 10 pessoas. Por estas contas, alimentamos cerca de 10 mil pessoas por dia», conta Licínia Fernandes, uma das responsáveis pela Padaria Gaspar & Fernandes. Não têm loja aberta ao público, mas fornecem tanto para casas e restaurantes vizinhos, em Penha Garcia, como para Castelo Branco, Covilhã, Lisboa e, mais recentemente, Espanha.

Aqui faz-se pão de trigo, centeio, sementes e bica de azeite. O arranque é às cinco da tarde, quando se começa a preparar e a fermentar a massa, e só se termina pelas sete da manhã. Às quintas-feiras, só se produz pão biológico, certificado. «O nosso pão tem pouco fermento, pouco sal, e é muito consistente. Aguenta bem uma semana sem ficar duro», conta Licínia, que recorda que Penha Garcia está muito ligado ao pão. Só ali, há quatro padarias. Esta marca tem quase quatro décadas e começou com um negócio dos seus pais, e um forno pequeno. «Na altura, quando era mais nova, queria tudo menos ter uma padaria», relembra, entre risos. O destino, felizmente, trocou-lhe as voltas. Penha Garcia agradece. E o resto do país também.

 

A rota que viaja 480 milhões de anos
É ao longo de 3 quilómetros que se mostra o melhor de Penha Garcia, com o percurso pedestre da Rota dos Fósseis. Passa-se por um miradouro de homenagem a combatentes locais da Guerra do Ultramar; pelo Núcleo Museológico São Pedro de Alcântara para ver arte e ler um livro; pelo forno comunitário onde Adelaide Marques, 76 anos, faz pão desde criança; e pelo castelo templário, rodeado de figueiras-da-índia.

O pão de Adelaide Marques. (Fotografia: Leonardo Negrão/GI)

O caminho faz-se entre as bonitas habitações da aldeia, onde domina o quartzito, e culmina no Parque Icnológico de Penha Garcia. Aqui se encontra uma praia fluvial, uma barragem e vestígios de trilobites que remontam a 480 milhões de anos. Mas também moinhos de rodízio recuperados e ainda em funcionamento, como gentilmente mostra Domingos Costa, responsável pela manutenção. Fá-lo há década e meia.

Este parque é um dos dez locais em Idanha-a-Nova que podem ser visitados de forma gratuita com o Passaporte de Idanha-a-Nova, que o município lançou recentemente, com informação turística. Custa 10 euros.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

Leia também:

Jornal americano elege “aldeia de sonho” portuguesa
Aldeias Históricas vão ter certificado de turismo sustentável
Castelo Branco, onde o tempo abranda e o azeite abunda




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend