As mesas são como a modernidade impõe, configuração cartesiana a sugerir uma superfície contínua formada pelo compasso bem medido das mesas, totalmente desnudadas, como num palco pronto a operar. Tiago Emanuel Santos trabalha Portugal exatamente assim na sua cozinha, regiões, produtos e tradições com os contornos bem definidos, finamente entrosados entre si. Tudo português, tudo do outro mundo. Optar pelo menu de 7 momentos (69 euros) é enveredar por caminhos nunca usados, seguindo a filosofia do contínuo que é uma viagem pela mão do chef e que de resto se chama viagem a Portugal.
O assunto vínico é definido juntamente com os standards de cada prato e a harmonização pode acontecer com seleção da casa (35 euros) ou num patamar mais exótico de vinhos premium (55 euros). Querendo, claro que se pode escolher um vinho apenas para toda a refeição, mas aí perde-se o labor notável de Bruna Esteves, francamente atinada a escolha de vinhos. Coreografia de sala impecável, a da jovem sommelier com Inês Santos sempre a navegar por entre as mesas, confirmando o contínuo de que falávamos. Pão de dois tipos, centeio e trigo, feito ali mesmo, fermentação cinco dias sem massa-mãe, manteigas de cabra e ovelha, e azeite virgem extra Angélica povoam o palco que iniciadas as hostilidades se vai manter bem animado.
Instala-se o trio patanisca de bacalhau, pão com chouriço transmontano e polvo das feiras populares, este apresentado num curioso fogareiro. Três disparos de sabor, três texturas diferentes, passou a mensagem e o palato ficou convenientemente estimulado. A harmonização mais improvável da noite aconteceu no segundo momento que constava de ovo de tomatada, prato de evocação fragateira, por assim o chef Santos a recordar de infância. Cremosidade e ligação do tomate com a gema, impenetrável para a maioria dos vinhos, brilhante a opção pelo moscatel roxo da Quinta do Piloto. Chapeau! Outro casamento valente foi o da Malvasia-Rei 1985 da Adega Cooperativa de Torres Vedras com os ravioli de gamba rosa do Algarve e caldo de cozido das Furnas. Salino e marítimo o vinho, genial a pureza da proteína e a complexidade do caldo, que se diria fumado.
Bebido até à última gota, pois claro. Brama – próximo da chaputa – com cebolas e legumes do oeste cumpriu bem o desígnio do rendimento de sabor, depois o coelho bravo com arroz de Salreu e queijo velho das Flores foi o ponto de viragem do jantar. Dois pratos de nota máxima transformaram a sala num campo de batalha sem vencidos mas com um único vencedor, o chef Tiago Emanuel Santos. Duas carnes – porco cozinhado 28 horas a 65ºC e vaca velha de Alcains -, a reavivar-nos a alma e dispor-nos ao bom combate. O porco assessorado por grão de bico, tendões e coentros, a vaca cheia de sabor a trazer ao colo choco e cabeça de porco, ambos de grande mestre. Alegria quase infantil de Tiago feito menino que adora o que faz, no final ainda a propor doçuras de recorte fino e queijos – que adora – de antologia. Seja com que assembleia for, terá sempre maioria absoluta.
Classificação
O espaço: 4
O serviço: 5
A comida: 5
A refeição ideal
Menu Viagem a Portugal, 7 momentos (69 euros)
Harmonização com vinhos premium (55 euros)
– Patanisca de bacalhau, pão com chouriço transmontano e polvo das feiras populares
– Ovo de tomatada
– Ravioli de gamba rosa do Algarve e caldo de cozido das Furnas
– Peixe da nossa costa, tubérculos e sucos de cebola fermentados
– Arroz de Salreu, coelho bravo e queijo velho das Flores
– Grão-de-bico biológico, porco cozinhado 28 Horas a 65ºC, tendões e coentros
– Vaca velha de Alcains, choco e a cabeça de porco
– Laranja dos pobres
– Maçã, crumble de frutos secos e queijo velho dos Açores
– Pão-de-ló do Landal gelado
Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.
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