Whisky alentejano, alta cozinha e uma rainha: a grandeza de Vila Viçosa

Whisky alentejano, alta cozinha e uma rainha: a grandeza de Vila Viçosa
Cerveja artesanal, alta cozinha, uma rainha de Inglaterra, whisky alentejano e laranjeiras. A pacata vila raiana de Vila Viçosa parece nascida para grandes feitos. Sem, com isso, perder a sua ligação à terra, ao olival, ao mármore que se esconde sob os seus pés.

As laranjeiras carregadas de fruto são uma imagem de marca. «Uma das», aliás: imagens de marca não faltam a Vila Viçosa, basta escolher. O mármore, Florbela Espanca, o magnífico Paço Ducal, a dinastia de Bragança ou o próprio D. João IV, também ele um filho da terra. Tal como a sua descendente Catarina Henriqueta, que se viria a tornar rainha de Inglaterra e, nessa qualidade, teve o borough nova-iorquino de Queens batizado em sua honra. Assim, de um sopro se chega de Vila Viçosa a Nova Iorque sem exageros nem pretensões de cosmopolitismo. Vai-se a ver e esta vila parece nascida para a grandeza. Mesmo que hoje seja tão pacata como qualquer outra vila alentejana.

Mas eram ponto de partida as laranjeiras carregadas de fruto. Elas refrescam, de sombra e de perfume, as praças e ruas mais amplas da terra. E salpicam de verde e laranja o fundo predominantemente branco de paredes caiadas e calçada de mármore. O visitante mais dado à inquietação poder-se-á perguntar por que motivo os habitantes não as apanham para comer. «São colhidas para dar às crianças nas escolas», explica Céu Frade, técnica do POSTO MUNICIPAL DE TURISMO e uma guia à disposição para quem quiser ver Vila Viçosa com olhos de ver e algumas curiosidades à mistura. Como esta, que conclui a explicação sobre as laranjas: «Dantes, havia até multa para quem as apanhasse.» Mistério resolvido.

O centro de Vila Viçosa. (Fotografias: Nuno Pinto Fernandes/Gl)

Fiel ao propósito de homenagear a terra que o acolheu, Pedro Mendes também fez da laranja assunto para o seu trabalho. O chef lisboeta regressou há ano e meio ao NARCISSUS FERNANDESII, restaurante do cinco estrelas Alentejo Marmòris, apostado em imprimir um cunho mais pessoal na carta. E deixando sempre a região bem à vista, mesmo quando puxa para a mesa estrelas da alta cozinha internacional como o peixe-galo ou as ostras. A ligação à terra nunca se perde. «Quem come aqui tem de ter a sensação de estar onde está, e não noutro sítio qualquer», explica. Isso significa, por exemplo, que a ostra surge marinada, com alho-francês assado e brunesa de cebola, pimento e coentros. E que o peixe-galo, escalfado em algas, traz salicórnia, puré de tinta de choco, migas de berbigão e funcho grelhado. O mar não está ali por acaso, lembra: «Não esqueçamos que o Alentejo tem a maior costa do país.» De resto, têm também lugar cativo o porco alentejano, o borrego e coisas locais de época como o chícharo, a bolota, acelgas, silarcas, espargos selvagens. Cozinha de território, mas numa evolução técnica que poderia estar em qualquer capital cosmopolita – para conhecer à carta ou em diferentes modos de degustação, um deles pensado para os vegetarianos.

Um dos pratos do restaurante Narcissus Fernandesii. (Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/GI)

A laranja não está esquecida: Pedro serve-a no final de tudo, numa «desconstrução da laranjeira», opulenta ode-sobremesa onde o fruto surge em seis declinações. Creme fresco, sorbet, crocante, torta, ao natural e uma mousse com capa de gelatina. E água de flor de laranjeira a terminar a demonstração de virtuosismo.

 

TERRAS VIÇOSAS

O projeto é ambicioso, mas não deixa de ter os pés assentes no chão (e as mãos na terra). Daqui por um ano, Pedro Mendes quer que o NARCISSUS FERNANDESII seja autossuficiente em matéria de vegetais. Para isso, tem uma viçosa horta a rebentar num vale verdejante que, descontextualizado, ninguém identificará como paisagem alentejana. Fica na HERDADE DA RIBEIRA DE BORBA, junto à linha de água que lhe dá nome, onde o habitual silêncio do montado é interrompido pelo rumor da ribeira e da vida que ela alimenta, com rãs e pássaros de diversos chilreares em primeiro plano. Alfaces, funcho, batatas, abóboras, árvores de fruto, tudo cresce por ali, sem recurso a batotas químicas.

Além de servir de casa e de chão de cultivo emprestado a Pedro Mendes, a HERDADE DA RIBEIRA DE BORBA tem por vocação o turismo rural. É o sonho de uma vida de Artur Marques, lisboeta com carreira na gestão de topo no setor de banca e seguros. A ideia de ter um palmo de terra no Alentejo perseguiu-o por décadas, até ao momento em que encontrou este lugar, que transformou em refúgio para citadinos como ele em busca de pacatez.

 

Junto ao ribeiro e à horta, uma piscina de rebordo infinito faz a introdução ao espírito do local: é para chegar, ficar e aproveitar. Ali perto ficam três estúdios de estilo rústico e, adiante, a Casa da Azenha, com um quarto e uma segunda cama anichada na parede da sala que fará as delícias dos hóspedes mais novos. Cruzado o regato, monte acima, uma casa T2 de amplas vistas sobre o vale, meia dúzia de suítes de linhas modernas com terraço privativo, duas tendas de glamping em forma de bolha e uma piscina igualmente incitadora à preguiça.

A Herdade da Ribeira de Borba. (Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/GI)

Vila Viçosa fica a 10 minutos de carro mas, para dias em que até essa curta distância pareça longa, nem para matar a fome de cozinha regional se tem de mexer uma palha. Basta pedir com tempo e a D. Deolinda, cozinheira de serviço, prepara algo de bom e alentejano, com os bons vegetais que crescem neste vale viçoso.

Do chão que rodeia Vila Viçosa nasce também um imenso olival, que se estende de ambos os lados da EN255, a estrada de ligação a Borba e ao Alandroal. A mesma estrada que percorre o anticlinal de Estremoz, a maior jazida de mármore do país, com 40 quilómetros de comprimento por oito de largura. A estrada das pedreiras, pela qual, com um desvio por Bencatel, se vai dar a outro projeto arrojado do hotel Marmòris, com o chef Pedro Mendes na equação: a PEDREIRA D’EL REY. O projeto de criar uma plataforma suspensa de vidro para cenário de visitas mas também de jantares (por marcação) a 40 metros do chão não tem, contudo. data prevista de abertura ao público.

De volta ao olival. E ao mármore. São precisos estes dois elementos para a equação dar o resultado que dá. O azeite, entenda-se, dono de um perfil distinto. «Este é o azeite primitivo de Portugal», defende João Quintas. É feito exclusivamente de uma variedade endémica de azeitona galega, mais de 900 hectares de olival sem um palmo de terra em cultivo intensivo. A extração acontece no lagar da COOPERATIVA AGRÍCOLA DO ALANDROAL, estrutura com mais de 260 associados, dos quais João Quintas, aos 53 anos, é o mais novo. Ocupa também o lugar de presidente, «por carolice». A mesma carolice que o leva a teimar em continuar a produzir azeite. Conforta-o esta ideia: «Estou a dar à minha família, e a quem quiser comprar, um produto bom.»

Para quem quiser conhecer o produto e o local onde ele é feito, a Cooperativa está de portas abertas. Em querendo, também se pode fazer provas, numa curiosa modalidade na qual se aprende a diferença entre os diferentes tempos de colheita: em verde, em estado intermédio, em maduro. Há um mundo de diferenças para descobrir. E um balcão de loja, porque este azeite (a marca: Torre de Menagem) é para levar e prezar como um pequeno tesouro.

 

PETISCOS, CERVEJAS E WHISKY ALENTEJANO

Sophie Figueiredo também passou pela cozinha de Pedro Mendes, no hotel Marmòris. E por outras cozinhas, no Alentejo, no Algarve, em Macau. Até ao momento em que decidiu lançar-se por sua conta. Na antiga Adega do Belhuca, o sítio onde fazia os almoços de turma dos dias de adolescência, abriu uma taberna moderna de ambiente à antiga. Tal como na ementa, não quis inventar muito com o nome: ADEGA 7160, em homenagem à história da casa e ao código postal da sua vila.

O propósito estava definido à partida: «Nada de fine dining, mas sim coisas ao estilo comida da avó.» Isto pressupondo uma avó criativa e com alguma formação em cozinha internacional: ao lado de camarão com alho, croquetes de novilho, picapau de vitela, no capítulo dos petiscos estão bolinhas de farinheira com puré de cebola-roxa, choco frito, peixinhos da horta e maionese de manjericão. Depois, vêm pratos de substância como bochechas de porco estufadas, polvo à lagareiro, ou o bacalhau 7160, um meio caminho entre o bacalhau dourado e os ovos rotos, com piso de coentros, emulsão de cebola, batata palha e o fiel amigo confitado e lascado. Enquanto durar o verão, há ainda uma lista de petiscos disponíveis todo o dia, ao balcão ou sobre barricas que fazem de mesas à entrada. Salada de polvo, de ovas, de bacalhau e toda essa sorte de coisas simples, boas e prontas a servir. A acompanhar tudo isto estão vinhos predominantemente locais, a fazer jus ao título de adega. E, também local, a cerveja artesanal Libata. Caso fique a vontade de conhecê-la mais a fundo, basta caminhar nem 5 minutos, em direção ao Paço Ducal, para encontrá-la em todas as suas declinações no pub CRAFT BBS.

Bruno Coxixo, proprietário do pub Craft BBS. (Fotografias: Nuno Pinto Fernandes/GI)

A Libata e o Craft BBS são produto da mente irrequieta de Bruno Coxixo, um enólogo que trocou as uvas pelo cereal. Na cervejeira-destilaria que abriu na zona industrial de Vila Viçosa, produz cinco variedades de cerveja – American stout, wheat IPA, blonde American ale, imperial IPA e uma honey ale feita com mel e limão da região – mas não se deixou ficar por aí.

Primeiro criou um gin com lúpulo e malte, matéria-prima cervejeira, para não destoar. Chamou-lhe Cicerone e, de caminho, inventou também uma forma de vendê-lo à pressão, já em gin tónico pronto a beber. Mas há mais. Curiosidades como a Ice IPA, uma eisbock, estilo alemão obtido através do congelamento para remoção da água, com aumento da concentração. O resultado, com seis meses de barrica em cima, é uma cerveja leitosa, algures entre um tinto com madeira e a aguardente velha. Cerveja para saborear como digestivo.

Bruno traz já mais ideias na manga. Aliás, em barrica: a estagiar na destilaria tem uma bierbrand, cerveja destilada e estagiada, e um whisky que conta ter no mercado em 2021. «É feito com o nosso malte, a nossa água, as nossas barricas.» Os seus olhos brilham. «Vamos ver no que vai dar.» Basta puxar por um fio e as ideias vão-se desbobinando. Uma sangria de blond ale com frutos vermelhos. Fazer vinhos. Expandir o Craft BBS para outras cidades alentejanas. Cultivar o próprio lúpulo. A lista é longa, interminável. Talvez seja do sítio onde Bruno nasceu – pensar em grande não é coisa estranha em Vila Viçosa.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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