Vasco Coelho Santos: «O Euskalduna funciona com o público local»

Vasco Coelho Santos. (Fotografia de Artur Machado/GI)
O Euskalduna Studio, no Porto, foi o único restaurante português a entrar no top 100 dos melhores restaurantes europeus. E para o seu fundador e chef, Vasco Coelho Santos, isso vale mais do que uma estrela Michelin.

O Euskalduna Studio foi o único restaurante português a entrar no top 100 dos melhores restaurantes europeus, escolhidos por votação de um público gastrófilo para o site Opiniated About Dining. E para o seu fundador e chef, Vasco Coelho Santos, isso vale mais do que uma estrela Michelin – aquela que, nos últimos dois anos, se pensou que
seria atribuída a este restaurante único no Porto, com serviço ao balcão, inspirado nos restaurantes omakase japoneses. O chef portuense quis criar um estilo próprio de receber, inspirado no Japão, mas com produtos japoneses e pode gabar-se de ter cozinhado para Maria de Lourdes Modesto as melhores tripas à moda do Porto que ela já comeu.

Aos 31 anos, Vasco tem dois filhos e pretende levá-los a viajar logo que possa, como os pais fizeram com ele. É ainda dono de dois restaurantes no Porto (tem ainda, na rua das Flores, o Semea by Euskalduna), deixou o curso de Gestão para experimentar a cozinha e acabou por não voltar. Aprendeu com o chef Michel, cozinhou com José Avillez e Pedro Lemos e passou por famosos restaurantes com estrelas Michelin em Espanha. Andou pela Ásia onde aprendeu “a comer de tudo” até criar um estilo próprio na sua cidade natal – um espaço onde cozinham quase todos os meses chefs de vários países, muitos deles estrelas mundiais. O último a cozinhar com Vasco e a sua equipa foi Paco Morales, do restaurante Noor (Córdova, Espanha), com uma estrela Michelin. Em maio, acolhera o britânico James Knappett.

(Fotografia de Artur Machado/GI)

 

O Euskalduna Studio foi o único restaurante português na lista Top 100 + European Restaurantes 2019, do site Opiniated About Dining. O que significou esta distinção?
É um orgulho – e falo por toda a equipa – poder estar junto a grandes restaurantes, que mesmo antes de sermos um restaurante já seguíamos, e pelos quais tínhamos fascínio. Fiquei muito contente. No ano passado, também estavamos na lista, mas não tão destacados. Esta lista é de um público muito específico, que procura primeiro o
restaurante antes de viajar e procura grandes restaurantes, tenham ou não estrela Michelin.

É bom perceber que há todo um público que não escolhe pela estrela Michelin? E, já agora, ficou com pena de não ter conquistado uma?
O Euskalduna era uma das apostas no Porto. Claro que gostava porque trabalhei sempre em restaurantes com estrela Michelin [Mugaritz, Arzak e El Bulli, em Espanha; Pedro Lemos, no Porto]. Mas não aconteceu e agora também não vou pensar muito sobre isso. Esta lista é mais interessante porque agrega os restaurantes por estilos, enquanto nas estrelas é um bocado diferente. Isto pode ser muito mais interessante porque são clientes que compreendem melhor o nosso estilo. Eu sei desde o início que este restaurante fugia à regra de um restaurante clássico, de estrela Michelin, porque sei como eles funcionam. Não abri um restaurante para ganhar uma estrela, mas para criar um estilo meu, que era o balcão, sem tanto formalismo. É muito mais aberto para os clientes, que vêem tudo. Mas também fazemos
as coisas bem feitas, porque as pessoas aqui gastam imenso dinheiro e não pode ser só pela comida e pela nossa simpatia. Temos que lhes dar todas aquelas qualidades que têm num estrela Michelin, mas de um modo muito mais “soft”, digamos assim.

O que traz de bom um restaurante assim?
Ter outras ofertas no Porto é bom para todos. Nos primeiros dois anos, tivemos 15% de turistas, portanto o Euskalduna funcionou com locais. Neste terceiro ano, os turistas estão a fazer reservas com muita antecedência, está a crescer, mas para os 30%. Um restaurante deste estilo, com preço acima dos 100 euros, costuma ter mais de 50% de turistas.

Têm clientes a voltar?
Sim, tantos. A nossa melhor cliente veio 25 vezes no último ano. Os vinte clientes que mais nos visitam, fazem-no, em média, oito a nove vezes por ano. Vêm muitas vezes aos jantares com os chefs convidados que trazemos todos os meses, de todo o mundo.

Serviu tripas à moda do Porto à Maria de Lourdes Modesto. Como aconteceu isso?
Foi no âmbito da Porto Food Week, tive uma ideia com o Paulo Amado de fazer uma homenagem à Maria de Lourdes Modesto, com o Pedro Braga e o Arnaldo Azevedo. Soube que esse era o prato preferido dela e a ideia era ela vir ao nosso jantar, mas não era possível e então fomos a casa dela.

Ela disse depois, numa entrevista à revista Notícias Magazine, que foram as melhores tripas que comeu na vida.
Sim, eu sei! Ela disse isso sem dizer o meu nome.

(Fotografia de Artur Machado/GI)

Pois foi, mas vou-lhe pedir que responda à pergunta dela: como é que uma pessoa que cozinha tão bem tripas faz cozinha moderna?
Não sei! Mas se calhar o próximo restaurante que abrir será à volta do tradicional. Está nos planos, mas não está muito pensado e não é para já. É uma coisa que eu adoro, mas no Semea não tinha espaço suficiente para fazer um restaurante de cozinha tradicional. Com 20 lugares, não ia ser um negócio viável. Vamos ver, eu não quero ter muitos restaurantes, não tenho capacidade mental, fico muito nervoso.

Mesmo assim, criou dois negócios em três anos.
E já tive o Baixópito! Nessa altura [do Baixópito, na rua da Picaria], tinha mais sócios e isso ajudava imenso. Agora não tenho, mas uma equipa de cozinha autónoma e isso é uma maravilha e temos a Filipa [Filipa Sousa, responsável pela comunicação, eventos e reservas]. E tenho a família, a minha mulher, que me ajuda a estar coerente e feliz com a vida. Porque eu tenho dois filhos, tenho pouco tempo para eles, gostava de ter mais, mas são épocas da vida.

Era estudante de Gestão quando decidiu seguir cozinha, como é que isso aconteceu
na sua cabeça? Tem algum cozinheiro na família?
Ninguém, nem há restaurantes. Só tenho a minha avó, que cozinha muito bem. Sempre fui formatado para seguir na empresa do meu pai, que tem uma gráfica e toda a família trabalhava com ele. Do lado da minha mãe tinha outras áreas, ela sempre foi muito criativa, é estilista e acho que herdei essa parte dela. Quando decidi deixar a
Universidade Católica foi porque queria viver sozinho e ser autonomo a cozinhar. Ao mesmo tempo, queria fazer uma paragem no curso de gestão, porque eu queria voltar. Fui estudar e trabalhar ao mesmo tempo porque tinha que pagar o curso. Estudava de manhã com o chef Michel e trabalhava à noite, no Olivier, estive um ano assim. Depois
trabalhei com o José Avillez.

(Fotografia de Artur Machado/GI)

De que trata a sua cozinha aqui no Euskalduna Studio?
O mais importante para nós é que o menu faça sentido e tenha uma história. Somos multiculturais, não temos uma regra definida, tanto trabalhamos com uma tendência de outros países como do nosso. Trabalhamos sempre com produtos locais, gosto muito de marisco, gosto de muitas coisas, mas não usamos bacalhau ou polvo, por exemplo.

Porque não?
Porque queremos fugir ao que se serve aqui no Porto, onde há muito aquela coisa do prato de bacalhau e polvo. Queremos servir peixes mais interessantes que talvez as pessoas não conhecem tanto, como bodião, taínha… Usamos imenso cavala, carapau, sarda. Se calhar, num restaurante destes, estão mais à espera do foie gras e do salmonete, mas não gastamos nada disso, tentamos fugir à regra. Aliás, desde que me meti na cozinha, aprendi a provar de tudo, a comer de tudo. Vivi na Ásia e aprendi a comer de tudo.

Viajou para trabalhar, acha que é importante na formação de um cozinheiro ser um
pouco trotamundos?
Muito, muito. Mas também é muito importante conhecer o país onde estamos. Se pudermos, um bocadinho dos dois. Só me falta conhecer a Madeira, mas conheço bem os Açores e o resto do país. Gosto muito de viajar, de conhecer culturas, cheiros…, as pessoas! Acho que isso nos faz crescer muito e lidar com as pessoas de maneiras diferentes. Como já parei em muitos sítios, quando tenho clientes de lugares diferentes, consigo desbloquear muita conversa com eles. Comecei cedo a viajar com os meus pais e acho que vou continuar com os meus filhos.

(Fotografia de Artur Machado/GI)

Onde é que foi para si mais surpreendente comer, no mundo?
Foram três países e o que mais em surpreendeu pela positiva foi o México – estava um bocadinho enganado sobre a cozinha mexicana e foi incrível. Há uma ingenuidade, há natureza na forma como eles fazem algo tão bom com coisas tão pobres. As duas cozinhas que eu já sabiam que iam ser boas foram a Índia e o Japão. O Japão talvez o
país que mais me influenciou e este restaurante é ao estilo japonês, aquilo que se chama omakase, em que as pessoas vão comer acasa do chef e não sabem o que vão comer. A minha viagem lá foi para percebr como funciovanam os omakase e este estilo omakase, porque apesar dos japoneses serem reservados e mais tímidos, sabem receber
muito bem as pessoas, com um serviço muito belo.

Como define, então, este restaurante?
É um restaurante moderno, de cozinha portuguesa contemporânea. Não de receituário tradicional, mas de produto português.

Como escolhe os produtos?
Por regiões, Portugal é pequenino e sei o que cresce em cada altura em todo o país. Se queremos uma túbera, vamos ao Alentejo; os espargos vêm do Marco de Canaveses; os morangos da Arrábida; o peixe dos Açores e os percebes de Viana; os cogumelos vêm de Alfândega da Fé… No início, eramos mais generalistas, agora somos mais específicos. E
quando não há, o menu muda. Não temos a política de que toda a gente tem que comer a mesma coisa, num dia podemos ter um peixe para quatro e cogumelos para três. É sempre diferente.

(Fotografia de Artur Machado/GI)

Há algum prato que não lhe saia bem?
Os pudins às vezes não me saem bem… O meu ponto forte são os arrozes secos. As sobremesas também não me saem muito bem, eu adoro sobremesas, mas não tenho muito jeito para andar de balança. Não temos receituário no Euskalduna, não queremos ficar ligados a um prato ou a uma técnica. Sempre foi uma tendência minha, nunca fiz receitas. Quando trabalhei no Pedro Lemos, não tínhamos receitas e não sou pessoa de ter livro de receitas, gosto de ter os ingredientes à volta e cozinha espontaeamente. Aqui no restaurante, temos muitas pré preparações e isso demora tempo, mas digo que deixem sempre alguma coisa para cozinhar espontaneamente.

Isso exige uma equipa muito bem preparada, não exige?
Para servir 16 pessoas, somos seis cozinheiros. Conseguíamos fazer o serviço com quatro, mas prefiro uma equipa mais sólida.

Como trabalha a parte visual dos pratos?
O prato tem que estar sempre bom, não somos de usar germinados e de estarem bonitos. O mais especial para um prato estar bonito é a louça. Toda a nossa louça é feita pela Sedimento, elas fazem só para nós. Isso já é uma peça de arte, a comida é a segunda parte da peça de arte. Um prato pode ser mais ácido ou não, o que conta é o menu todo ser equilibrado, com pontos mais frios e outros mais quentes, que se perceba que vai subindo no sabores. Temos dez pratos que as pessoas sabem… e algumas surpresas.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

Leia também:

Porto: Euskalduna é o melhor português no Top 100+ Restaurants
O novo restaurante de Aveiro tem um chef que cozinhou para a Selecção Nacional
Eleito o melhor bartender português de 2019 – é de Guimarães e trabalha no Porto




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend