Crónica de Paula Ferreira: Encontros perfeitos

Veneza, Itália. (Fotografia de Helena Jankovičová Kováčová por Pixabay)
Deambular por ruelas estreitas, longe da multidão, e desaguar numa igreja onde Tintoretto pintou uma das principais obras da pintura universal só por si é um luxo.

Quem não tem o hábito, como eu, de começar a ler jornais e revistas pela última página, deparou-se nesta edição da Evasões com um um mundo de verdadeiro luxo, vedado à maioria , mas que não nos impede, qual jogador do euromilhões, de sonhar. Perante todos os exemplos de locais para comer, dormir ou experenciar sensações que prometem devolver a beleza e a saúde da pele, entre outras coisas plenas de conforto e do que melhor se faz em Portugal, surgem-me na memória imagens recentes de uma curta viagem, cuidadosamente planeada de forma a que o orçamento não derrapasse (contingências de quem não se pode dar a luxos).

Interroguei-me se trocaria esses momentos pelo luxo de uma refeição escandalosamente cara ou por uma viagem num barco que, pelo preço cobrado, é de facto um a extravagância. Naturalmente seria muito agradável viajar numa embarcação exclusiva pela laguna veneziana até aos locais para onde me transportou um vaporetto ruidoso, lotado na maior parte do percurso, com inúmeras paragens por se tratar de um transporte público que acolhe centenas de turistas a cada viagem, mas também idosos a ir ou a regressar das compras e estudantes que voltam a casa depois de uma manhã de aulas. Dou comigo a pensar se os dias em que deambulei pelas estreitas ruelas de Veneza, longe da praça de S. Marcos e da ponte do Rialto, numa espécie de labirinto que se abria ora para a vastidão da laguna, ora para um pátio de um velho palácio ou para a claridade de uma praça. Guardarei para sempre a manhã soalheira em Cannaregio, por entre velhos a aproveitar o sol entre a soleira da porta e o canal e a chegada ao adro de uma pequena igreja onde haveria de descobrir um tesouro.

Não é segredo que a Madonna dell Orto alberga verdadeiras joias. O maravilhoso é entrar na igreja que Tintoretto escolheu para ser sepultado, e a dado passo perceber que o que está perante os teus olhos é mesmo “A virgem apresentada no templo” pintada pelo mestre da pintura italiana, ali mesmo, entre 1552 e 1553. É assim aqui e noutras igrejas da velha república. São os testemunhos do seu esplendor que perduram. Na Madonna dell Orto, em S, Roque, em S. Giorgio, ou se os quisermos um compacto de história de arte, basta adquirir o bilhete da Galeria da Academia e partir à descoberta dos Ticianos, Veronese, Tintorettos ou Canalletto – resta apenas um na cidade e está aqui – e vê-los a partir da sua obra como se continuassem a discutir cores e técnicas como no dealbar de 500 quando abriram uma nova página na história da arte.




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