Crónica de Dora Mota: Fazer disto um modo de vida

Porto 29 / 10 / 2019 - Cidade do Porto visto por Germano Silva. ( Igor Martins / Global Imagens )
O nosso Germano faz 90 anos na próxima semana, a prenda para nós é mais um livro de histórias do Porto e o segredo dele já foi revelado.

O nosso Germano faz 90 anos na próxima semana. É assim que muitas vezes este camarada – jornalista, cronista, contador de histórias do Porto – é nomeado aqui na redação do Porto do JN: o nosso. Desde que cá estou que o vejo chegar no mesmo passo apressado, que é só uma aparência, uma mentira de pressa. O Germano só caminha depressa para chegar rapidamente ao exercício do vagar. Incluindo conversar connosco sobre toda a vida que podemos extrair de dentro de nós, quando decidimos relaxar das persistentes pressões do mundo – podemos senti-las como picadas de alfinetes ou podemos usá-las com a desfaçatez de um faquir.

Onde ele se posiciona sabemos nós, na altaneira varanda florida de ironia alegre, “espantado de existir”, tal como era reclamado a quem entrasse na imprevisível floresta no livro “João Sem Medo”, de José Gomes Ferreira. O nosso Germano Sem Medo prossegue, pelos anos fora, espantado de existir, no seu passo rápido que é só para chegar mais depressa ao vagar, colhendo as flores da perpétua imprevisibilidade das pessoas e das suas histórias, que constroem o caráter dos lugares, pelo tempo fora. Na próxima semana, ao cabo de tantos livros, ele traz-nos mais um, como prenda da sua nona década para nós: “Porto: As Histórias que Faltavam”.

De vez em quando, recebo um SMS dele, quando aprecia alguma crónica minha sobre esse assunto preferido: a alquimia entre as pessoas e os lugares, as personagens que criam texturas e cuja memória perdura, até ao estatuto de lenda. Para contar histórias, já o vi ir longe e ficar a desoras – o nosso Germano nunca diz que não. E a rapidez com que se consegue deslocar para alcançar o estar devagar é, para mim, uma das mais belas idiossincrasias desta velha redação portuense.

Numa ocasião, um domingo de manhã em serviço, calhou o Germano apanhar-nos todos aqui, quando é costume os jornalistas do Local e da Justiça andarem numa roda-viva. Lá chegou ele ligeiro, de sorriso aberto como uma bandeira vencedora. Tinha acabado de fazer 80 anos e eu, que podia ser neta dele, desabafei a admiração: – Ó Germano, qual é o segredo?

Ele parou e olhou-nos a todos com ternura, enquanto abria os braços e as mãos como se apanhasse tudo à volta. E disse: “O segredo é fazer disto um modo de vida e não um modo de morte”. Creio que não há um dia em que não pense nesta máxima, nem há estagiário que não a leve daqui carimbada. “Isto” é o jornalismo. O Germano não pesa prós e contras em balanças mentais: ele espanta-se e vive. A história dele também dava um livro. Parabéns, nosso mestre.




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