Crítica de Fernando Melo: restaurante Quinta do Gradil, Cadaval

O arroz com carabineiro é um dos pratos da ementa. (Fotografia de Paulo Spranger/GI)
Arte, vinho e comida são mesmo o melhor da vida. O restaurante da Quinta do Gradil, em Vilar, Cadaval nasceu da intenção forte do proprietário Luís Vieira e da sua inelutável vocação para gerir pessoas e ideias com olhos e coração postos no legado que vem do tempo do seu avô.

A vida rejeita toda e qualquer inventariação e é feita do batimento insondável entre o instante imediato e sentido do eterno. Portugal bebe muito vinho, talvez até demais, os dados assim o indicam, mas a vinha é um valor sem par. Talvez por isso, os tempos modernos fizeram crescer na vinha o turismo, actividades culturais tão diversas como pintura, música, teatro e escultura, e instalaram mesas e restaurantes onde o legado está vivo e se partilha.

No restaurante da Quinta do Gradil respira-se a um tempo legado e futuro. O chef Daniel Sequeira, com 30 anos apenas, apresenta arsenal técnico e talento notáveis, e orientação total para quem se senta a uma das mesas do bonito espaço criado no casario rústico da quinta. Pontificam unicamente os vinhos do produtor, mas Daniel tem total liberdade para criar. Pesquisa, testa e prova com a sua equipa, ingredientes esquecidos como urtigas e grão-de-bico preto, trabalha muito o bacalhau no seu banco de ensaios, incluindo por exemplo demolha em vinho tinto… Sofia Costa é o braço direito na cozinha, Ana Constantino a oficiante na sala. O restaurante está aberto ao público, a reserva é recomendada mas a cozinha está sempre pronta a servir, o que só por si é já factor distintivo dos outros restaurantes de adega.

Daniel Sequeira é sensível aos muitos prodígios da região e criou entradas divertidas e sápidas. O gaspacho de uva e pêra rocha (4,50 euros) é um tratado de frescura e texturas, apetece repetir. Bem pensado e executado o carpaccio de veado, maçã de Alcobaça e folhas aromáticas (10 euros), um toque cosmopolita sobre produtos de proximidade. E incrível a vieira glaceada com espumante, caldo de peixe e romanesca (12 euros). Nos peixes fomos à procura de um bacalhau, pois claro, sabíamos como o chef Sequeira o chega ao peito. Mergulha-se bem no bacalhau ao natural com mança da Maçussa e pezinhos de coentrada (16 euros), uma açorda que faz a vénia a todos os cânones regionais e vai mais além, ligando maravilhosamente com vinho branco. Nas carnes é impossível resistir à bochecha de javali confitada com esparregado verde e shitake (19 euros). Sente-se e pressente-se que era na imensa várzea aqui criada pelo recuo do mar que há dezenas de milhões de anos se reunia a congregação dos deuses felizes, e é fácil imaginá-los a celebrar com um branco bem mineral sentados à mesa petisqueira das maresias e coisas do campo. Nunca saberemos, mas uma refeição no restaurante da Quinta do Gradil ajuda muito a perceber.




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend