Crítica de Fernando Melo: Maria Rita, em Mirandela

Crítica de Fernando Melo: Maria Rita, em Mirandela
Aprende-se na boa cozinha transmontana a perceber o prazer da mesa de forma radicalmente diferente de todas as outras. Enquanto nessas é o festival do gosto e sabores que nos prende, nesta é o que nos é revelado em segredo que nunca mais nos larga. É esse o enorme charme do Maria Rita, no Romeu.

São os inúmeros detalhes mantidos em segredo que se consolidam a cada visita que me fazem aumentar a admiração por esta casa. Autenticidade, proximidade e tradição. Tudo nos parece tangível e reprodutível em nossas casas mas nada sai como aqui. Mil segredos e a festa tão portuguesa do produto, avessa a quem dela se quer apoderar redentora para quem a partilha. As mesas do Maria Rita têm tamanhos variáveis, desde o adorável tête-à-tête junto à janela de guilhotina na primeira sala até à grande mesa da sala principal, a lógica é escolher porque vai demorar. Depois corre tudo bem, tranquilamente. Os costumeiros inícios da alheira – aqui declinada em tostadinhos – e dos bolinhos de bacalhau – deliciosas e copiosas bolinhas fritas – são de antologia, assim como o azeite, o pão, as azeitonas, perdição em pequeninos e sustentados passos.


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O bacalhau à Romeu (16 euros) é o ex-líbris para a maioria, e é justo que assim seja, consta de lombos fritos e depois assados bem regados, assessoria de batatas aos gomos, em travessinha de barro, configurando delícia. A posta mirandesa é outro polo de atração, feijão-verde e batata a murro, estamos no coração de Trás-os-Montes, desarmantes a qualidade e a simplicidade. Não há excessos nem desmandos nos temperos, a sequência vai-nos disciplinando, nós deixamos e gostamos. Convém levar companhia, para na fase entradeira conseguirmos, por exemplo, pedir a alheira na brasa, sequinha e tostadinha e a açorda de espargos bravos, estonteante na ligação dos elementos e pureza do fundo; grande recorte culinário.

Um pormenor da sala do restaurante: as mesas têm tamanhos variáveis.

Se vamos sozinhos corremos o risco de não conseguir chegar com força ao campo de batalha, onde além do bacalhau já referido há um outro, dito à nossa moda, gratinado no forno e igualmente delicioso. E há absolutamente que reservar espaço considerável para o grande prato deste Maria Rita: a sopa seca. Temos muitas por Portugal fora, e todas com o denominador comum de aproveitamento de restos e pão. Montado em camadas, legumes e carnes cozidas, coroa–se com as fatias de pão, rega-se tudo com o caldo da cozedura, e forno com ele. Um poema completo. Há que enveredar pelo menu de degustação (19 euros) e de forma natural cumprir todos os passos da grande iniciação. No final, quando ainda estamos a levar a última colherada de mousse de chocolate preto e azeite (3,90 euros) ou de leite-creme (3,70 euros) à boca, começamos a perceber a viagem interior que uma vez mais se cumpriu, como se de um retiro se tratasse. Um génio que nos perscruta e conduz, inteiramente simples e impossível de copiar.

 

A refeição ideal

Menu de degustação
(Min. 2 pessoas, 19 euros/pessoa)

Bolinhos de bacalhau
Tostadinhos de alheira
Bacalhau à Romeu
Sopa seca
Mousse de chocolate preto com azeite

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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