“Toda a gente em Portugal foi incrivelmente simpática”

O apresentador e chef Anthony Bourdain foi encontrado sem vida, esta sexta-feira, num quarto de hotel em Paris, cidade onde gravava o «No Reservations» para a CNN. A cadeia televisiva avançou a notícia. Tinha 61 anos.
Recorde aqui entrevista dada pelo chef à Evasões, quando veio a Lisboa gravar um programa, em 2012. O texto que segue foi publicado na edição de janeiro desse ano.

“Anthony Bourdain é polémico. Para entender este norte-americano de 55 anos basta assistir ao seu programa de televisão No Reservations ou ler um dos seus livros. Bourdain não fala nem escreve apenas sobre comida e restaurantes, apresenta um dos mais completos programas de viagem da televisão internacional, além de desvendar o que se passa nas cozinhas de alguns dos mais respeitados restaurantes mundiais. Aborda cultura e política, prova iguarias estranhas, não resiste a carne de porco e noites animadas.

Em Lisboa, andou pela cervejaria Ramiro, a comer marisco, provou coiratos, bifanas e conservas, pescou polvo com uma família de pescadores, encantou-se com a música dos Dead Combo e rendeu-se à capital portuguesa. Um dos momentos altos decorreu na Tasca do Chico, no coração do Bairro Alto, quando, na companhia do escritor António Lobo Antunes, ouviu cantar o fado pela voz de Carminho.

Anthony Bourdain esteve em Lisboa, a gravar um programa em 2012 e regressou, no ano passado, desta vez ao Porto.

Numa manhã nublada, Anthony Bourdain explicou ao que vinha. «Trabalho com uma pequena equipa há muitos anos, viajando por todo o mundo. Não estamos aqui para fazer uma cobertura imparcial dos melhores sítios de Lisboa nem para fazer uma hora de televisão sobre os mais importantes ou pitorescos locais, há outros programas que podem fazer isso. Aquilo que nos interessa é saber onde vocês gostam de ir às duas da manhã quando estão bêbados. O que vos dá prazer.»

Chef há 28 anos, Bourdain tem uma legião de fãs que aprecia o seu estilo direto e a ligação que estabelece com o país profundo através do que lhe calha no prato. «A comida é importante e, se virmos o que as pessoas comem, como o fazem, em que circunstâncias, o que cozinham e lhes dá prazer, aprendemos bastante sobre elas. É talvez a forma mais rápida de as conhecermos.» Em Lisboa, tirou um retrato aproximado da realidade portuguesa. «Acho bastante interessante e charmosa a tortuosa relação com o passado, a feroz paixão pelos tradicionais modos de comer e o vosso futuro incerto – e rendeu-se ao destino: «Meu Deus, é uma cidade linda.»

Questionado pela Evasões sobre possíveis más experiências, Anthony Bourdain foi claro: «Pode parecer um pouco doentio, mas toda a gente que conheci aqui foi incrivelmente simpática, amistosa e divertida. Não houve acontecimentos trágico-cómicos, tudo correu como queríamos. Apenas boa comida, bons chefs, bom álcool e muito boa música.» Elegeu a noite de fados com Lobo Antunes como um dos momentos altos da viagem.

«É um autor que realmente admiro e sinto-me honrado por ele ter concordado. Fiquei surpreendido com isso e esqueci completamente as câmaras, não quis saber se conseguíamos filmar as cenas, só queria falar com o tipo que escreveu alguns livros que considero clássicos magníficos e intemporais. Foi uma conversa que recordarei para o resto da minha vida. É muito bom ler um livro de que se gosta muito e depois falar com o autor e poder perguntar-lhe o que ele estava a pensar quando o escreveu.»

A francesinha do Afonso que Bourdain levou à CNN

Bourdain deixou duas notas para reter. Uma sobre a visita do programa a alguns dos locais: «Algumas vezes, sinto-me culpado. Encontramos um espaço intocável, bonito, a servir boa comida – e o que faz desse um espaço espetacular é o facto de não encontrar lá americanos – e depois, quando volto, já encontro americanos a tirar fotografias. Destruo as coisas que amo. São sentimentos contraditórios.»

O outro tema é o da tradição gastronómica portuguesa – «Penso que a União Europeia não tem sido vossa amiga no que toca a métodos artesanais de produção de comida. Tem sido malévola para os produtores de queijo, de vinho, os pescadores não estão satisfeitos e no entanto estas são algumas das coisas que têm feito Portugal grande nesta área. A União Europeia não tem ajudado e eu gostaria de ver estas restrições a serem travadas. Sou a favor de qualquer pessoa que esteja a fazer queijo de leite não pasteurizado, à mão. É uma coisa boa. Se vocês forem contra isso, eu estarei contra vocês»”.

Os conselhos de viagem que Anthony Bourdain deixou a todos os viajantes.

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