Crónica de João Ferreira Oliveira: a hospitalidade portuguesa

Fotografia: José Carmo/ Global Imagens
Questionar a hospitalidade lusitana é uma heresia – não, não vou fazê-lo, não agora –, mas não estará na hora de, pelo menos, trocarmos dois dedos de conversa sobre o assunto?

Há frases que nos ficam, esta por exemplo: «Eu vivo nos sonhos das outras pessoas», disse-me há uns meses um empregado de hotel, no Algarve. «Toda a gente ligada ao turismo deveria ter isto presente, a noção de que trabalhamos onde os outros se divertem. As pesssoas andam meses ou anos a programar umas férias e depois alguém pode estragar tudo apenas porque está mal disposto. Não há direito.» Concordo, aplaudo, se bem que o ponto final, o ponto moral que se seguiu fosse desnecessário. «Nisso somos únicos. Ninguém recebe como nós». Nós, quem? Os algarvios? Os nortenhos? Os lisboetas? Os alentejanos? Os portugueses?

É um problema meu, admito, não gosto nem de regionalismos, nem de patriotismos, menos ainda de verdades absolutas. Questionar a hospitalidade lusitana é uma heresia – não, não vou fazê-lo, não agora –, mas não estará na hora de, pelo menos, trocarmos dois dedos de conversa sobre o assunto?

Vem o tema a propósito de um artigo (do jornal Público) que apareceu ontem no meu mural de Facebook. «Portugal entre os países que melhor acolhem os turistas. Estudo do Fórum Económico Mundial destaca simpatia e hospitalidade dos portugueses. Islândia lidera a lista.» Clico, é claro que clico – estranho verbo este – e eis que sou surpreendido pela data da notícia: 4 de Abril de 2013.

É um fenómeno comum na internet, os utilizadores partilharem artigos sem se aperceberm de que não são atuais. Lá dentro podia ler-se: «Numa lista de 140 países, Portugal aparece em 7.º lugar (com uma cotação de 6,65 num máximo de 7 valores) entre os que melhor acolhem os visitantes, surgindo logo atrás de países como a Macedónia (4.º), a Áustria (5.º) e o Senegal (6.º). Os islandeses são aqueles que têm uma melhor atitude perante os visitantes estrangeiros, seguidos dos neozelandeses e dos marroquinos…»

Quase nove anos depois continuará o estudo atual? Não terá a entrada em massa de turistas enviado a nossa proverbial e saudável hospitalidade para os cuidados intensivos?

Uma pesquisa rápida (basta sair à rua, na verdade) é suficiente para perceber que muita coisa mudou desde então. «Revista alemã explica como o turismo de massas está a destruir cidades – uma delas é portuguesa», escreveu em agosto de 2018 o JN. A cidade é o Porto.

Um fenómeno que não é apenas nosso, naturalmente. Outra notícia, de um website brasileiro, fala sobre a irritação que os até agora hospitaleiros islandeses começam a sentir em relação aos turistas, eles que foram uma grande ajuda para superar a crise de 2008. Estive lá há cerca de dois anos, posso confirmá-lo. «Há um antes e um depois do boom turístico na atitude das pessoas. Uma coisa é receber alguém de vez em quando, outra coisa é passar a receber milhões de pessoas, todos os dias, a toda a hora», confidenciou-me o simpático guia, português. «Na verdade eles sempre foram um bocadinho brutos, faz parte da sua Natureza, resultado de terem crescido num país tão inóspito.»

Escusado será dizer que estamos imunes a este fenómeno. Os lugares comuns são eternos e, nunca é demais dizê-lo, ninguém recebe como nós.

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