Vindimar em Palmela: cinco minutos para colher uma garrafa de vinho

O projeto Moments in Nature, que é vinha, alojamento e restaurante. (Fotografia: DR)
A Adega de Palmela preparou um programa de enoturismo especialmente dedicado às vindimas durante o mês de setembro. Arranca com o corte da uva e termina num almoço com prova comentada de vinhos.

T-shirt e chapéu de palha a preceito, tesoura de vindima na mão e balde no braço, soltamos sorrisos satisfeitos sempre que reaparecemos acima do horizonte da vinha, orgulhosos dos cachos verdes amarelados que se acumulam contra o negro do vasilhame. Parece-nos uma obra e tanto. Em cinco minutos enchemos dois baldes, que despejamos nas selhas maiorzinhas, junto do produto do árduo labor dos outros que, como nós, aparecem e desaparecem atrás das videiras, felizes com as mãos a pegar do açúcar que há de ser álcool. Só muito mais dia adentro saberíamos a verdade: grosso modo, um quilograma de uvas (e aquilo tem mais rama que polpa, claro) dá uma garrafa de vinho… Teremos colhido ali uma garrafita.

Ali é a vinha do MOMENTS IN NATURE, um projeto inovador nascido entre as vinhas dos terrenos da família Butes. Em parceria com a Adega de Palmela, para onde enviam o produto da vindima, recebem por estas semanas grupos de curiosos que querem saber de onde vem e como se faz o poderoso néctar característico da região, o moscatel da Península de Setúbal.

A ideia é vindimar – a parte mais difícil de todo o processo, sobretudo por causa do calor (e das dores nas costas, acrescentaríamos nós, urbanos habituados a colher uvas no mercado), explicaria já na adega o presidente dela, Ângelo Machado, produtor e neto de um dos fundadores – e, claro, comer e beber, e depois perceber o caminho da uva da vinha ao copo, e, claro, voltar comer e beber. É o programa que os responsáveis pelo enoturismo na Adega de Palmela prepararam para este mês de setembro.

A primeira parte decorre então no Moments in Nature, que é uma vinha, um restaurante com vista para um sunset com o Castelo de Palmela em fundo e um alojamento em cinco unidades estreadas há três meses, em forma de meio tonel e com porta direta para as uvas, numa perfeita imersão na Natureza. Marco Butes, o jovem que sempre sonhou com um bar de tapas na praia para estar com amigos a beber um copo, à espanhola, e de repente percebeu que a família tinha hectares de vinha com vista para o Castelo, socorre-se de uma frase que ouve dos clientes. “Estamos a cinco minutos de outro mundo”, de Palmela e de Setúbal, e a 25 minutos de outro, Lisboa.

O alojamento, no meio da natureza.
(Fotografia: DR)

Aberto em 2021, o LOUNGE oferece tapas de petiscos regionais e uma carta de vinhos de respeito, com destaque para os néctares locais, que se destacam cada vez mais pelas altas gamas. E, claro, moscatel. Com vinhas a perder de vista, transformou-se num cenário procurado para casamentos. Agora, é palco de provas matinais para o descanso dos guerreiros que fingem vindimar, com enchidos regionais, queijos, doces locais e vários tipos de vinho da Adega de Palmela.

Os Butes são apenas um dos 300 associados da cooperativa, que funciona como verdadeira gestora da produção vinícola, explica o enólogo Luís da Silva. A equipa analisa a maturação da uva ao longo do tempo e aconselha a data mais adequada para a vindima, sendo que cada terreno pode ter várias datas, para castas diferentes ou com diferente crescimento. Este ano, já se sabe, está a ser atípico: a apanha começou a 22 de agosto, em vez das primeiras semanas de setembro, e termina quando as safras o ditarem. Com uma certeza: a produção está pelo menos 30% abaixo do normal.

Continuemos com as contas de Ângelo Machado: a área combinada dos associados cobre quase mil hectares, que produzem, números redondos, dez milhões de quilogramas de uva. Se tudo corresse bem. No ano passado entraram nos tegões da Adega de Palmela 8,8 milhões de quilogramas de fruta. Este ano serão menos dois milhões.

Tudo isto é-nos contado já nas instalações da adega, onde vemos carga a chegar e a posicionar-se para o açúcar da uva ser medido – já agora, fica mais um número e bem interessante, 17 gramas de açúcar equivalem a um grau de álcool (já percebem por que se deve beber com moderação…) – e a ser despejada nos respetivos tegões, cada uma para a sua vinha, tinto ou branco, com mais ou menos grau. O moscatel, esse, é a sobremesa da vindima: precisa de mais sol, ainda, para ser generoso. E precisará, depois de dar entrada naquele mundo de produção, de dois anos e meio a três de repouso se for branco e de cinco anos se for o famoso moscatel roxo.

Neste ano, a apanha começou em 22 de agosto, em vez das primeiras semanas de setembro.
(Fotografia: DR)

Já o vinho, esse, rapidamente se fará aquele néctar que nos servirão daqui a nada no almoço, depois de uma experiência de pisa já sem lagar e sem acordeão, tradições que se perderam na modernização. A fermentação dos tintos leva duas a três semanas e ocorre a uma temperatura de 26 graus. Os brancos, cuja uva tem uma película mais espessa, podem pedir quatro semanas.

Para lá da técnica e dos números, há a paixão. E ela está presente ao longo da experiência que é conduzida por Teresa Grilo, responsável pelo departamento de enoturismo. Fala sempre da equipa, das centenas de pessoas que juntam braços e almas na Adega de Palmela, dos funcionários que trabalham a vinha o ano inteiro aos 300 proprietários que são associados, somando os 50 homens e mulheres que estão nas instalações, a fazer das uvas denominações como Vale dos Barris, Adega de Palmela, Palma, Villa Palma, Vale de Touros, Pedras Negras e Amus.

E saber usar isto tudo com gastronomia? Luís da Silva tem um lema: “mente aberta”. “Cabe-nos a nós fazer as combinações. A principal regra é o equilíbrio. Porque comer em boa companhia é o que nós sabemos fazer.” Sobretudo quando o repasto é sobre uma mesa que tem barricas a fazer de pés, numa cave fresca que esconde uma “sala do arquivo” onde as lombadas são gargalos coloridos, amostra de todas as colheitas que saem dali. Como aquele que levamos debaixo do braço, um belo Vale de Touros.


Em Palmela, tudo se transforma

A preocupação ambiental é marca da ADEGA DE PALMELA, que, além de 1400 painéis fotovoltaicos no telhado, tem a primeira estação experimental de transformação do carbono da fermentação do vinho em biomassa de microalgas, rica em magnésio, potássio e antioxidantes que servem várias indústrias.

(Fotografia: DR)


64 anos a apostar nos vinhos

A Adega Cooperativa da Região do Moscatel de Setúbal foi fundada em 1955 e começou a fazer vinhos em 1958, com apenas 50 associados. Hoje designa-se Adega de Palmela, soma 300 associados e produz mais de oito milhões de litros de vinho por ano, contra o milhão e meio dos primeiros anos. A maior parte da produção é de tintos (70%, contra 25% de brancos) e o moscatel que fez nascer a adega representa apenas 5% do total.

(Fotografia: DR)

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