Vila Nova de Cerveira: O Caminho de Santiago de olhos postos no rio Minho

São cerca de quatro horas a pé, por entre o verde da paisagem e o espelho de água do Minho, igrejas e casas solarengas, com Espanha sempre à vista do outro lado.

O Caminho Português da Costa atravessa Vila Nova de Cerveira de lés a lés, de forma suave, sem esforço, serpenteando pelo sopé das montanhas e pelo meio de aldeias. Gondarém e Loivo são as duas localidades que antecedem a chegada à vila. Há muito por conhecer até lá: igrejas, capelas e casas solarengas.

Em Gondarém, vale a pena visitar uma mansão senhorial do século XVII, com grandes jardins e vista panorâmica sobre o rio Minho. A propriedade, onde hoje funciona o BOEGA HOTEL, é atravessada por um antigo caminho de Santiago e foi no início da sua história albergue de peregrinos. Uma porta junto ao percurso assinala: “caza dobrigação para passageiros e mendigos que nela quizerem dormir (1666)”.

Esta “casa de obrigação para passageiros, peregrinos e mendigos que nela quiserem dormir”, indica Jorge Martins, arquiteto, responsável pela área do Património e Caminho de Santiago na Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, é um dos pontos mais emblemáticos do caminho naquele concelho.

“Era a Quinta do Outeiral e agora é hotel. Ainda hoje mantém um ritual que é, toda a gente almoça e janta à mesma hora, ao toque de uma sineta. Era o toque que há mais de 300 anos chamava os peregrinos que estavam nos claustros para comer”, descreve.

Vila Nova de Cerveira (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Seguindo rumo a Norte e atravessando a aldeia de Loivo, onde a antiga escola primária será transformada em albergue de peregrinos de gestão municipal, chega-se à sede de concelho.

Jorge Martins já percorreu o caminho de Santiago oito vezes e é uma espécie de “zelador” do percurso em Vila Nova de Cerveira. Afirma que a sua função “é tentar pôr o caminho o mais amigo possível”. “Sou técnico, mas também sou peregrino e por isso projeto para aqui o que gosto de sentir quando estou fora. O caminho é uma entrada de gente de todas as nacionalidades em Cerveira e, quanto mais o peregrino gostar, mais vezes o recomenda”, comenta, referindo serem importantes “sombras, pontos de água e locais de descanso, além de uma boa sinalização”. “Curiosamente, onde as pessoas mais se perdem é no centro das vilas, porque tem muitos cruzamentos e nem sempre as setas são visíveis. Noto que há muitos que se perdem e isso, para quem é peregrino, é uma frustração enorme”, indica.

Ponto de passagem incontornável é o centro histórico de Cerveira, onde se destaca o imponente castelo construído pelo rei D. Dinis. Ao sábado, dia de feira semanal, em que a vila é invadida de forasteiros, principalmente espanhóis, é comum verem-se peregrinos, com as suas mochilas, com vieiras penduradas, a assinalar qual o seu destino, misturados na multidão.

Castelo de Vila Nova de Cerveira (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Do Terreiro, sala de visitas da localidade, chama a atenção a muralha e a grande porta do castelo. No interior do Monumento Nacional, estão as antigas Câmara Municipal, cadeia e igreja, esta última propriedade da Santa Casa da Misericórdia. E que funcionou outrora (século XVI) como hospital de peregrinos.

Reza a história, contada por Jorge Martins, ter sido a rainha Santa Isabel, mulher de D. Dinis, a mandar construir o castelo, ela própria uma peregrina, quando ficou viúva. Foi aliás enterrada em Coimbra com o hábito do caminho de Santiago.

Em Vila Nova de Cerveira, como em Caminha, também há registo de peregrinos que atravessavam o rio para Tomiño, para seguir caminho rumo à cidade galega do apóstolo. Desviam pela ponte internacional ou continuam para Valença.

 

Jorge Martins observa que há cada vez mais peregrinos a caminhar fora da rota, atraídos pela beleza da paisagem e pelo conforto de outros percursos. “Há uma diferença entre fazer o caminho de Santiago e ir a pé a Santiago. Está a acontecer, por exemplo, irem por passadiços e pela ecovia, mas o percurso histórico não é esse. O caminho antigo passa junto às capelas, igrejas e mosteiros”, indica.

Independentemente da rota escolhida, o peregrino que passa por Cerveira, tende a descer do centro da localidade à beira rio, onde o Parque do Castelinho e o Aquamuseu, são motivo de atração. E locais de visitação, principalmente para quem escolhe pernoitar na vila. A POUSADA DA JUVENTUDE, instalada na antiga escola primária, é espaço oficial de acolhimento de peregrinos. Dispõe de um total de 60 camas, distribuídas por 10 quartos duplos e 10 camaratas para quatro pessoas. Situada em local estratégico, mesmo à entrada da zona urbana, permite passear a pé e procurar perto um local para confortar o estômago antes do descanso.

 

O CURT’ISSO TABERNA BAR mescla no nome a cortiça dos seus candeeiros e paredes e o convite (irrecusável) a curtir um fim de dia e noite. No pequeno bar dos sócios António Esmeriz e Nelson Dantas, situado no coração da vila, com esplanada de madeira, há tapas e propostas alternativas à comida convencional. Tapas: pimentos de padron, tortilhas, gambas alioli, carpaccio de polvo, camembert assado com queijo, nozes e tomate seco, e batatas bravas. Bruchetas: caprese, cogumelos, abacate, salmão, bacalhau e sardinha. Wraps de salmão, húmus, queijo e falafel. E saladas grega, italiana e mexicana. Na lista do Curt’isso não entra a carne, mas há feijoada vegetariana, beringela gratinada e nachos.

 

As sangrias são a especialidade. A de espumante com morango é a que tem mais saída. Mas também são opção as cervejas artesanais (a Musa é uma delas) e os vinhos do enólogo Carlos Lucas, o Flor de Maio e o Ribeiro Santo. Depois de um tempo neste recanto, haja força e vontade para seguir caminho.

 

Yuwen | EUA
Chega sorridente ao centro da vila de Cerveira. O corpo franzino vestido de licra, sobre a bicicleta, não acusa cansaço. Pedala de forma serena e alegre. O Terreiro está pejado de gente porque é dia de feira semanal e já é costume não haver lugar nas esplanadas. Os espanhóis tomam conta do espaço. Yuwen Wu, peregrina solitária, parece não se incomodar com a multidão. Natural da China e residente em São Francisco (Califórnia, EUA), chegou a Portugal há duas semanas. É a primeira vez que pisa solo português. Decidiu fazer o Caminho Português da Costa após ter assistido a filmes sobre o assunto e ouvido relatos de peregrinos. “Achei muito interessante e que seria uma experiência boa para mim”, afirma, explicando que “adora andar de bicicleta”, pelo que escolheu viver o sonho a pedalar entre o Porto e Santiago de Compostela. Destaca, maravilhada, “a boa comida, as boas pessoas, os bons cenários e os desafios” do caminho.

Peregrina Yuwen (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

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