Quem entra no concelho de Vila do Conde pelo interior, vindo da Maia, tem na IGREJA DE SANTIAGO DE LABRUGE um primeiro ponto de referência ao apóstolo. O bonito santuário de fachada em azulejo data da segunda metade do século XVIII, mas a origem da igreja é muito mais antiga: encontra-se mencionada num documento de 1058. Dali, o caminho continua por paisagens campestres e bosques, envolto na atmosfera rural do concelho.
Os que optaram por fazer o caminho pelos passadiços em madeira que percorrem a orla costeira – e se ligam aos do concelho de Matosinhos -, têm o mar por companhia, e algumas surpresas, como as ruínas de um antigo castro na praia de São Paio, a única construção do género de que há registo no litoral do país.
Um pouco mais à frente começa a RESERVA ORNITOLÓGICA DE MINDELO, a primeira área protegida criada em Portugal, em 1957, e que ocupa uma extensão de 380 hectares. Os seus miradouros oferecem vista desafogada sobre a reserva e a costa, e lugares de descanso de onde, ao olhar atento, se podem observar mais de 150 espécies de aves, além de anfíbios, répteis e pequenos mamíferos.
Os passadiços continuam sobre o areal até Azurara, sempre no encalço do oceano, no embalo das ondas e do vento, que estando de feição até dá uma ajuda na caminhada.
Descanso junto ao rio
Do outro lado da ponte sobre o rio Ave, ergue-se o imponente mosteiro de Santa Clara, à porta do centro histórico da cidade. Para muitos caminhantes saídos do Porto, a chegada a Vila do Conde marca o final do primeiro dia de peregrinação. E encontram poiso e nutrimento logo ali, na zona ribeirinha, em frente à marina. “É a melhor vista da cidade”, assegura Samuel, o rosto do NAVAL – GUEST HOUSE & BISTRÔ, juntamente com a mulher, Andreia.
“Ao final do dia, os peregrinos chegam, pousam as mochilas, tomam banho, põem uns chinelos e vêm descansar e desfrutar da nossa esplanada”, conta o proprietário. “A maior parte dos nossos quartos são virados para o rio, e por isso também ficam muito na varanda”, acrescenta Andreia.
O casal abraçou o projeto em plena pandemia. Primeiro com o Naval, um antigo café dos anos 1980 que transformaram num bistrô focado nos petiscos e bebidas. No ano seguinte juntaram ao projeto a guest house da porta ao lado, dando-lhe uma lufada de ar fresco. O alojamento está certificado com selo de “Hospitalidade Jacobeia” da Federação Portuguesa do Caminho de Santiago, e conta com seis quartos, airosos e funcionais, que serão brevemente renovados.
Está nos planos do casal fazer o caminho – “já fiz a parte portuguesa toda de bicicleta”, diz Samuel -, a que reconhecem os valores da “partilha, da compaixão e do encontro de pessoas com experiências e hábitos diferentes”. “Há pessoas que chegam aqui sozinhas e combinam para sair em conjunto de manhã. Descem e estão na esplanada juntos, até jantam e depois no dia seguinte partem juntos”, nota Andreia.
Na esplanada, além da vista para o rio, mesmo nos dias mais ventosos, encontra-se abrigo da nortada e o ambiente ideal para provar as especialidades da casa. A tábua à Naval, composta por queijos e enchidos, é uma das propostas, a par das afamadas amêijoas, o prego no pão, as moelas da sogrinha (a receita é da mãe da Andreia), e a trinchada, uma versão da francesinha poveira, feita em pão comprido. Existe ainda uma versão vegana, à base de cogumelos. Para beber o destaque vai para as cervejas, a sangria e os vinhos de pequenos produtores.
Quem quiser dar um pequeno passeio pela marginal, encontra a poucos passos dali o Museu de Construção Naval, a Nau Quinhentista, e a bonita Capela de N.ª Sr.ª do Socorro, empoleirada num maciço rochoso sobranceiro ao rio.
Dorina dá por terminado o dia na esplanada do Naval, com uma cerveja fresca. Acaba de chegar, “um pouco cansada”, admite. Foi ao quarto deixar a mochila e tomar um banho frio, e agora descansa a olhar o rio. É o final do primeiro dia de caminhada até Compostela, que já era suposto ter feito no ano passado, não fosse a pandemia. “Adoro caminhar junto ao mar, e o oceano Atlântico é muito bonito”, comenta. É autora e acaba de publicar um livro na Holanda, sobre “a procura da liberdade”. “Tentei combinar a teoria com a prática na minha própria vida, e o caminho é uma parte disso, caminhar também é procurar a liberdade”, remata.
Anabela | França
De chapéu O caminho da costa foi escolhido de manhã, quando saiu do albergue, no Porto. “Os passos dos meus pais trouxeram-me para aqui e é muito bonito”, confessa Anabela. Nasceu em Lisboa, mas foi para França com a família ainda pequena. Ainda assim, diz-se “portuguesa de coração”. Já fez pedaços do caminho francês, mas nunca chegou a Compostela. “Este ano é que é o ano para isso”, garante. “Venho de passar um tempo um pouco difícil. Deixei os meus pais numa casa de repouso e isso é uma grande mudança para mim. Dói-me muito o coração e como tenho um pouco de tempo disse ‘vou andar’, é o melhor para aliviar a cabeça”, partilha. “Toda a gente que fez o Caminho de Santiago diz que é especial”, nota. “Vou até Compostela e depois para a França se calhar, se as minhas pernas me deixarem”, conta. “O meu pai quando foi para França passou a fronteira ilegalmente, e para mim é também muito importante depois fazer o caminho até lá. Vou tentar ir o mais próximo possível”.
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