A secretária onde escrevia de pé, as fotografias ternurentas com os filhos, três monóculos e uma mecha de cabelo. Estas são algumas das peças que a Fundação Eça de Queiroz tem expostas na Quinta de Vila Nova, no concelho de Baião – mais conhecida como Quinta de Tormes, porque o escritor assim a fixou no romance “A cidade e as serras”. Tormes pode ser um nome ficcional, mas o que se lê naquelas páginas tem fundo de verdade, explica a guia Carla Vieira, apontando a cadeira de Jacinto, personagem principal que, no romance, se muda para o campo, vinda de Paris: “No fundo, Jacinto serve para Eça contar a experiência que viveu”.
O autor, então diplomata na capital francesa, visitou a propriedade herdada pela mulher, pela primeira vez, em 1892, e inspirou-se nela para escrever. A agora casa-museu está recheada de objetos pessoais, das chapeleiras de viagem à cama, pequena para um homem tão alto – é que Eça dormia recostado, por superstição. “Dormir totalmente deitado era chamar a morte”, enquadra a guia, que vai partilhando curiosidades, como a primeira refeição que os caseiros ali serviram ao escritor: arroz de favas com frango alourado. “Ele detestava favas, mas aqui rendeu-se”, conclui. O mesmo é de esperar no Restaurante de Tormes, onde o chef António Queiroz Pinto prepara esse e outros pratos de cozinha regional.
O jovem de 27 anos é um chef premiado, com experiência internacional (trabalhou no restaurante Dos Cielos, em Barcelona, brindado com duas estrelas Michelin), que fez questão de voltar à sua terra. Os pais estão há décadas à frente da Pensão Borges, de comida tradicional em forno a lenha, e “o restaurante mais antigo de Baião em funcionamento”, mas o interesse de António Queiroz Pinto pela cozinha foi algo tardio. Ninguém diria, a avaliar pelo que se leva à boca – dos petiscos ao creme de água queimado, uma das primeiras receitas da Pensão Borges, criada para fintar a escassez de leite durante a guerra, conta.
Vinhas, jardins e livros
À mesa não pode faltar, claro, o vinho. Baião é uma sub-região dos Vinhos Verdes, e é no limite entre ela e a região do Douro que fica a Quinta de Santa Teresa. Barqueiros, a freguesia seguinte, no concelho de Mesão Frio, já integra a Região Demarcada do Douro, observam os donos, Alexandre Gomes e Dialina Azevedo. Quando os fundadores da A&D Wines – que já tinham a Casa do Arrabalde e a Quinta dos Espinhosos – adquiriram esta propriedade, procederam a trabalhos agrícolas e criaram infraestruturas para produzir os seus vinhos verdes, privilegiando a casta avesso, característica de Baião.
Seguiu-se a certificação orgânica de vinhas e vinhos, ou não fosse a dupla defensora do que é biológico e natural. Os visitantes, além de fazer provas de vinhos (todos vegan) na sala com vistas panorâmicas, junto à piscina, podem passear neste enoturismo, que guarda uma cepa de avesso com 200 anos, a mais antiga que se conhece na região, e um jardim romântico, com um lago e estátuas representativas das estações do ano.
Também de história se faz a Casa do Monte, em Teixeiró. Tem uma capela do século XVIII, nove quartos, jardins, piscina, ginásio, estúdio de ioga, salas de cinema e de jogos, e é cedida por inteiro a famílias ou grupos. Cada peça diz algo sobre os proprietários, Marcus e Carla Vasconcelos, que vivem na Polónia e correram o globo quando ele trabalhava na área financeira.
Marcus, filho de mãe inglesa e pai português, quer ainda reconstituir a rica biblioteca do avô paterno e partilhá-la, por isso comprou outra casa perto, para acomodar os seus 12 mil livros, revela, já na Tasca do Valado, em Mafómedes, Teixeira.
Aquele restaurante com terraço, num dos sopés da serra do Marão, focado na carne arouquesa certificada, está ao cuidado de Ricardo Rocha e Paula Ribeiro, que, volta e meia, levam à Casa do Monte pratos típicos, como o anho na brasa. O casal pegou no negócio há quatro anos, desejoso de mudar de vida – sobretudo ele, que era motorista de longo curso. Hoje, anda de jipe a mostrar a Serra do Marão, dos espaços fluviais às ruínas das minas do Teixo.
“Estamos a uma hora do Mundo”, comenta Ricardo. A expressão não é sua, mas ele repete-a em total concordância, pois Baião fica “a uma hora de tudo” – desde logo, do aeroporto. Seguimos pelos caminhos que antes receberam o Rally de Portugal, avistando rebanhos e cavalos selvagens, em direção à Capela da Senhora da Serra, no topo, a 1416 metros de altitude. Um pouco antes, paramos para merendar café e biscoito da Teixeira, admirando a paisagem na Fraga da Ermida – um cenário digno de filme.
Recordar Manoel de Oliveira e apreciar o Douro
O cinema também é para aqui chamado, até porque foi do realizador Manoel de Oliveira a Quinta de Covela, uma propriedade com vinhas certificadas como biológicas, árvores e pomares, na margem direita do Douro. Tanto se pode ir lá fazer provas de vinhos e azeites como pernoitar numa casa moderna, com piscina, refere Tony Smith, jornalista inglês que agora conduz os destinos do lugar, com o empresário brasileiro Marcelo Lima.
Quem preferir a rusticidade pode sempre passear pela quinta, entre videiras ou até às ruínas da casa senhorial original, que remonta ao século XVI, a pé ou de segway, fruto de uma parceria com a empresa Bello’Giro (ler abaixo). Outra opção é encomendar um almoço à Pensão Borges, completado com vinhos da Quinta de Covela, que continua a combinar castas portuguesas e internacionais – o que lhe rendeu, em tempos, uma imagem de certa vanguarda, lembra Tony, apontando o ainda hoje chamado campo experimental, que “teve 40 castas diferentes”.
Claro que nem só de clássicos vive Baião. Novidade absoluta é o Portovella – Lodges & Bungalows, de Décio Soares, que acabou por construir este espaço de descanso e conforto, voltado para o Douro, no terreno pensado para uma casa de família. Abre em breve, com duas suítes, um estúdio e seis bungalows, três deles superiores, além de piscina, parque infantil e as famosas laranjeiras da zona da Pala.
Isto num concelho que, ao fim de semana, já atrai muita gente de fora devido “aos bons restaurantes”. Um deles será A Casa, em Santa Leocádia, que tem muitos anos, mas só está nas mãos da família Monteiro desde setembro. Na ementa, tradicional, há posta arouquesa, bacalhau ou francesinha.
Dar a conhecer a região no que tem de mais genuíno é a missão da Bello’ Giro, que acaba de comprar dois barcos à NautiDouro, uma empresa parceira, para fazer passeios entre a Régua, o Pinhão e a Barragem de Carrapatelo, “uma das áreas menos exploradas” do Douro, segundo o coordenador do projeto, Eduardo Martins.
A experiência pode incluir uma refeição a bordo ou num restaurante próximo, como o Serpa Pinto, no Douro Hotel Porto Antigo, já em Cinfães. Este quatro estrelas erguido junto aos rios Douro e Bestança, aproveitando uma casa senhorial que foi do explorador africano Serpa Pinto, põe na mesa especialidades locais, como o arroz de aba, tradicional de Cinfães. Afinal, a identidade de um lugar é o que nos fica na memória – e, desejavelmente, no peito.
Do Irão para o Douro
O nome é prenúncio de uma história rica: Suzan Fartaj, a diretora do Douro Hotel Porto Antigo, fugiu do Irão, com a família, aos sete anos – hoje tem 46. Saíram “com a roupa que tinham no corpo”, lembra. Chegaram a obter visto para os Estados Unidos, mas o pai quis ficar em Portugal, “porque os portugueses eram parecidos com os iranianos”, lembra Suzan. Viveu um pouco por todo o país, de Gaia a Cascais, passando pelo Algarve, até chegar aqui. Nunca regressou ao país natal, por segurança, apesar das saudades de quem lá deixou.
Experiências e roteiros à medida
Promover a região do Douro Verde, apostando no que ela tem de mais distintivo, em parceria com diferentes operadores turísticos locais. Eis o objetivo da Bello’Giro, empresa de animação turística com sede em Baião, liderada por dois filhos da terra: Paulo Portela na administração e Eduardo Martins na gestão operacional. A firma organiza roteiros personalizados e atividades diversas, da gastronomia à exploração da montanha, sem esquecer os passeios guiados, a cavalo ou de barco, e o aluguer de segways, também com orientação.
Bello’Giro
Zona Industrial de Baião, lotes 7 e 8, Campelo
Tel.: 933150293
Web: bellogiro.pt
Preços caso a caso
VISITAR
Fundação Eça de Queiroz
Caminho Particular de Tormes, Santa Cruz do Douro, Baião
Tel.: 254882120
Web: feq.pt
Das 9h30 às 13h e das 14h30 às 17h. Encerra à segunda.
Bilhete geral: 5 euros
Quinta de Santa Teresa
Rua de Arufe, 530, Loivos da Ribeira, Baião
Tel.: 229419378
Web: instagram.com/and_wines
Visitas com prova de vinhos desde 15 euros.
Quinta de Covela
São Tomé de Covelas, Baião
Tel.: 912831152
E-mail: [email protected]
Web: covela.com
Provas de vinhos desde 15 euros; alojamento, 400 euros por noite (pequeno-almoço incluído).
COMER
Restaurante de Tormes
Caminho de Jacinto, 3110, Quinta de Tormes, Santa Cruz do Douro, Baião
Tel.: 916252664
Web: restaurantedetormes.com
Das 12 às 15h e das 19h às 22h. Encerra domingo ao jantar e segunda.
Preço médio: 25 euros
Pensão Borges
Rua de Camões, 304, Baião
Tel: 255541322
Web: residencialborges.com
Das 12h às 15h e das 19h às 23h. Encerra domingo ao jantar (e dias 24 e 25 de dezembro).
Preço médio: 25 euros
Tasca do Valado
Rua Caminho de Mafómedes, Teixeira, Baião
Tel.: 914304494
Web: tascadovalado.pt
Das 11h às 02h. Encerra à segunda.
Preço médio: 22 euros
Passeio de jipe: 150 euros (três horas, com merenda)
A Casa
Rua de Baião, 3830, Santa Leocádia, Baião
Tel: 917065597
Web: facebook.com/acasabaiao
Das 11h às 15h e das 18h às 22h. Encerra segunda e quarta ao jantar.
Preço médio: 15 euros
FICAR
Casa do Monte
Rua Principal, 1112, Teixeiró, Baião
Tel.: 963177917
Web: casadomonte.pt
Preço: 850 euros por noite (até 20 pessoas; pequeno-almoço incluído)
Portovella – Lodges & Bungalows
Rua da Pala, 887, Baião
Tel.: 255552309
Web: facebook.com/portovella
Preços: bungalows desde 170 euros; estúdio, 230 euros; suítes desde 280 euros (pequeno-almoço incluído).
Douro Hotel Porto Antigo
Oliveira do Douro, Cinfães
Tel.: 913021734
Web: dourohotelportoantigo.com
Restaurante das 12h30 às 15h e das 19h30 às 23h. Não encerra. Preço médio: 20 euros
Quarto duplo desde 115 euros (pequeno-almoço incluído)