Verão no Douro: atravessar colinas e vales sobre rodas

Pelas curvas da EN222 e de outras estradas que serpenteiam as encostas, atravessando vales e colinas, rumar ao Douro de automóvel permite chegar a sítios onde o comboio ou o barco não chegam, incluindo alguns tesouros escondidos no interior da região demarcada.

O troço da estrada nacional 222 que liga a Régua ao Pinhão é sobejamente conhecido pela sua beleza. O percurso atravessa o coração do vale vinhateiro, e já foi considerado uma das estradas mais cénicas do mundo. Facilmente se reconhece o encanto, cruzando os cerca de 20 quilómetros ladeiros ao rio Douro, a ver passar as encostas retalhadas de vinha, olival e bosque. Antes de terminar o troço, recomendam-se dois pequenos desvios, para conhecer novos projetos de enoturismo.

O primeiro é a QUINTA DE NÁPOLES, que abriu recentemente as portas aos curiosos do universo Niepoort. A propriedade, erguida na margem esquerda do rio Tedo, é uma das mais antigas da região, registada em 1756, e o centro de operações do grupo no Douro. As visitas guiadas estão abertas a pequenos grupos, e incluem passagem pela adega, onde são produzidas todas as referências de vinho do Porto e DOC Douro da marca. No final, é possível fazer uma prova de quatro ou seis vinhos, não só do Douro, mas também de outras regiões vínicas onde a Niepoort tem produção.

 

Com marcação prévia, os mais curiosos podem participar numa masterclass com prova de 18 vinhos, para aprender “tudo o que precisam saber sobre o vinho português”. Ou ainda almoçar com a equipa da quinta. A experiência chama-se “Isto não é um restaurante”, para não deixar dúvidas ao que se vai: um almoço informal num alpendre sobre o vale, emoldurado pelo xisto, com sabores caseiros e bom vinho. Um dos ingredientes que durante o verão não falta à mesa é o tomate coração de boi, e durante o mês de agosto há até uma festa dedicada ao fruto com uma série de iniciativas por toda a região, entre elas um concurso e encontro com produtores, visitantes e entusiastas, que vai acontecer no dia 27 de agosto, na Quinta de Nápoles.

Nas caves Niepoort, em Vila Nova de Gaia, há programas complementares, que podem ser conjugados numa visita integrada a ambas as moradas. Ao plano pode ainda juntar-se uma passagem pela plantação da Chá Camélia, em Fornelo, projeto de Dirk Niepoort e da mulher, Nina Gruntkowski.

The Vine House (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Outra novidade acabada de chegar ao vale é o recém-inaugurado THE VINE HOUSE, na Quinta de São Luiz. É a primeira unidade de alojamento do grupo Sogevinus – que detém marcas como a Cálem, a Kopke, a Burmester e a Barros – no Douro, e resulta da recuperação de uma antiga casa de campo, com mais de 200 anos.

O restauro manteve a traça original, mas dotou os interiores de um ambiente orgânico, à base de madeiras claras e linhas sóbrias, criando espaços elegantes e airosos. O mesmo acontece nos 11 quartos, todos com vista sobre o rio Douro, e batizados com os nomes de vários talhões de vinha da propriedade.

Durante a estadia, os hóspedes têm a oportunidade de acompanhar os afazeres diários da quinta, fazer provas de vinho, visitas que permitem conhecer todo o processo de produção, da vinha à garrafa, e ainda refeições ligeiras no terraço sobranceiro ao rio Douro. Adicionalmente, de manhã é deixado à porta do quarto um cesto de piquenique com o pequeno-almoço, para tomar na varanda do quarto ou em algum outro recanto da quinta.

The Vine House (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

De regresso à EN222, o destino final é o concelho de Vila Nova de Foz Côa, a cerca de 60 quilómetros de ziguezagues que acompanham os contornos montanhosos da paisagem. Os postais de encostas esculpidas em socalcos vão dando vez a planaltos cobertos de vinha, e adiante um cenário mais agreste, de colinas intocadas, dominadas pela mata, e escarpas rochosas que se atiram ao rio: estamos a chegar ao lado mais primitivo da região, o Douro Superior. É esse quadro que se abre do MIRADOURO DE SÃO SALVADOR DO MUNDO, acessível por um pequeno desvio, pouco depois de atravessar São João da Pesqueira.

Miradouro de São Salvador do Mundo (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Outro elemento que se destaca na paisagem, a caminho de Foz Côa, é o CASTELO DE NUMÃO, erguido no alto de um morro de pedra, como que a observar todo o território. A primeira referência da fortificação é de 960, mas ao longo dos séculos foi por várias vezes destruído e reerguido. Hoje, restam as ruínas a rodear a colina, como uma coroa, mas pode-se ainda caminhar em algumas partes da muralha.

Castelo de Numão (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Chegando ao destino, encontramos, além de quintas com um perfil bem distinto das que conhecemos nas outras sub-regiões do Alto Douro Vinhateiro, mais uma camada na riquíssima história e cultura da região: a arte rupestre do Vale do Côa. Outro Património Mundial, a mostrar que nem só de vinho se faz o Douro.

 

No coração do Douro Superior

Não se tropeça na QUINTA DE ERVAMOIRA, como acontece com muitas outras propriedades à face de estradas centrais. Vai-se de propósito, por caminhos empedrados pela aldeia das Chãs, e, a certo ponto, vemo-nos mergulhados num vale longe de tudo. Esse é talvez o maior encanto desta propriedade da Ramos Pinto. A toda a volta da casa de campo a vista alcança apenas parcelas de vinhas verticais e montanhas cobertas de mata – com alguns enxertos de olival -, a paisagem árida do Douro Superior. A quinta está integrada no Parque Arqueológico do Vale do Côa, muito próximo do núcleo de arte rupestre da Ribeira de Piscos, o que inspirou a criação do Museu de Sítio de Ervamoira. A história da propriedade e o património arqueológico encontrado na zona são o foco da exposição, onde se encontra também uma coleção de rótulos antigos da marca, desde sempre criativos e arrojados. No alpendre, é servido aos visitantes um porto tónico – a proposta ideal no calor impiedoso do verão -, fazem-se provas de vinhos e experiências gastronómicas, com produtos da região. Açorda de cogumelos, tábuas de queijos, saladas e compotas caseiras – rendemo-nos à de tomate e à de uva -, compõem habitualmente a mesa de onde não apetece mais arredar.

Quinta de Ervamoira (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

Quinta de Ervamoira (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Vinhas velhas e cozinha de autor no vale do Pinhão

Numa roadtrip pelo Douro é impossível evitar a nacional 222, mas quem se aventurar por outros caminhos tem boas hipóteses, senão garantias, de encontrar lugares que vale a pena conhecer. Subindo o vale do rio Pinhão, uma das primeiras paragens recomendadas é o MIRADOURO DE CASAL DE LOIVOS. A cerca de 430 metros de altitude, oferece uma panorâmica sobre a vila de Pinhão, o meandro do rio Douro, que ali curva em torno das montanhas, e a ponte sobre ele.

 

Mais acima, em Vale de Mendiz, damos de caras com a adega do WINE & SOUL, um projeto criado em 2001, por um casal de enólogos que tinha o sonho de fazer um vinho em conjunto. Sandra Tavares e Jorge Serôdio Borges, ela lisboeta, ele duriense, começaram por comprar uma pequena parcela de vinha, de onde nasceu o primeiro vinho da marca, o Pintas. Desde então, foram adquirindo mais terrenos e procurando particularmente vinhas velhas no vale do Pinhão, para as deixar falar por si mesmas. “Foi o que nos inspirou a criar vinhos de parcelas, com a identidade do terroir. A mistura já está feita na vinha, que cria o seu próprio equilíbrio entre castas. As vinhas velhas ensinam-nos muito, a forma como são resilientes e se auto regulam”, comenta Sandra. A Quinta da Manoella é uma dessas propriedades especiais, com vinhas com mais de 100 anos, protegidas por manchas de bosque e olival. “É uma manta de retalhos, e só assim faz sentido”, realça a produtora.

 

Na adega, na freguesia, fazem-se visitas guiadas e provas de vinhos, mas indo com tempo, aconselha-se uma visita à Quinta da Manoella. É lá que estagia o vinho do Porto, e num terraço na antiga casa dos caseiros, sombreado por uma ramada de videiras, e agraciado por uma aragem que refresca o final da manhã, servem-se lanches e almoços demorados, com vista para um anfiteatro natural de vinhas, e acompanhados pelos vinhos que delas nascem.

E uma vez contagiado pela indolência própria do verão, dificilmente se acham forças para pousar o copo e voltar à estrada. Mas a poucos quilómetros dali há pelo menos uma boa razão para o fazer. Do outro lado do rio, já no concelho de Sabrosa, a QUINTA DO PORTAL sobressai na paisagem com as linhas modernas do seu icónico armazém de envelhecimento, projetado pelo arquiteto Siza Vieira. O edifício, revestido a cortiça e xisto, acolhe ainda um centro de visitas e sala de provas.

Quinta do Portal (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Os hóspedes da Casa das Pipas, a unidade de alojamento da quinta, têm direito a um welcome drink durante a visita guiada que dá a conhecer a história da propriedade, na 5ª geração da família Mansilha, e o portefólio de vinhos, além de uma prova de três referências. Adicionalmente, há outras experiências disponíveis, que incluem provas diretamente dos balseiros, passeios de jipe, piqueniques e até a criação do próprio blend.

A casa dispõe de 12 quartos clássicos e confortáveis, com vista para as vinhas e a piscina, especialmente convidativa nos finais de tarde, e a que se juntam mais quatro na Casa do Lagar, a 200 metros do edifício principal.

A Quinta do Portal tem ainda um restaurante de cozinha de autor que é por si só razão de visita. A caminho da varanda junto às vinhas onde é servido o jantar, passa-se pela horta de onde saem muitos dos ingredientes utilizados pelo chef Milton Ferreira. Muitos outros vêm de produtores locais, mas há também aqueles que ali chegam de longe. É que, sendo os sabores do Douro o grande pilar desta cozinha, também a gastronomia internacional e as muitas viagens que fez inspiram as criações que chegam à mesa. Nas palavras do chef, trata-se de uma “simbiose entre as receitas tradicionais e as técnicas e ingredientes de todos os locais que visitei”. Há menus de quatro ou cinco momentos harmonizados com os vinhos da quinta, ou uma seleção criada à medida, que há de começar, ainda no couvert, como uma surpreendente manteiga aromatizada com laranja. O bacalhau a baixa temperatura, com puré de feijão branco e açafrão, ou a bochecha de porco com redução de vinho do Porto – um clássico que surge frequentemente reinventado -, são algumas das propostas do chef. “De tudo o que vejo, provo, vivo nascem estas criações”, remata.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.



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