Valença: Passo a passo até à fronteira, no Caminho de Santiago

É a reta final da caminhada até à fronteira com Espanha e ponto de confluência de dois caminhos para Santiago de Compostela: o Central e o da Costa.

Quem vem a caminhar desde o Porto, já traz cerca de 150 quilómetros percorridos, por entre paisagens de mar, rurais e urbanas, e muito para contar. O caminho até Valença conclui também a etapa ligada ao rio Minho, que começou em Caminha. E entra pela fortaleza da cidade, para desembocar junto à antiga e bonita ponte metálica, que permite a travessia para Tui, onde começa território espanhol.

Os últimos 16 quilómetros até à linha de água que separa (e une) Portugal e Espanha, são carregados de beleza. A ponte de Chamosinhos, que integrava uma antiga estrada romana em S. Pedro da Torre, é o primeiro marco do percurso naquele concelho fronteiriço. A rota costeira oficial assinala, a seguir, uma outra travessia, esta de construção medieval em granito, sobre a ribeira do Mira. E ainda uma área protegida que se estende por cerca de 300 hectares, na confluência daquele ribeiro com o rio Minho. Uma zona húmida, reserva de fauna e flora, designada Veiga da Mira, onde é possível observar pântanos que albergam extensas matas de amieiros e aves migratórias.

 

Os cruzeiros e alminhas que marcam toda a região do Minho, estão presentes nesta reta final do caminho português: um deles, o do Senhor do Socorro, em Cristelo Covo. Esta freguesia, a última, antes de entrar na cidade de Valença, reserva surpresas: um pequeno cais de pesca, que convida o peregrino a descansar, enquanto contempla o rio Minho e a margem espanhola coberta por uma densa e verde vegetação; e um café, que parece talhado à medida para acolher quem já percorreu mais de metade do caminho. O CAFÉ MINEIRO TAPAS AND WINES, de José António Lima Alves, que gosta de ser chamado ‘Tó Lima’, e da mãe Águeda Lima, recebe há sete anos gente de todo o Mundo com alegria. Basta olhar as paredes forradas com imagens de selfies, tiradas por sempre sorridentes peregrinos com o anfitrião.

 

“Começou com um cartaz. Havia aqui um buraco e tapei-o com ele. O primeiro peregrino [com direito a fotografia] é australiano. Foi no dia 2 de novembro de 2014. Abri o café no dia 1, conta Tó Lima, que a partir daí não mais parou de colecionar histórias e rostos a sorrir nas paredes. Gente de mochila às costas, vinda sobretudo da Alemanha. “O peregrino alemão é o que mais manda aqui. Setenta e cinco por cento são alemães. Eles adoram este Caminho [Português da Costa], porque tem tudo: quatro dias de mar, dois dias de rio e seis dias de montanha. Não é nada aborrecido. É um espetáculo”, resume.

Enquanto fala, entram pela porta do Mineiro, as peregrinas Claudia e Leona Horch, mãe e filha. São alemãs. Pedem água e sentam-se numa mesa, no exterior do café. Está sol. Leona, a filha, fala inglês (a mãe pouco e prefere ficar em silêncio). Conta que quis libertar-se de Berlim e “caminhar e relaxar num sítio bonito”, e que a decisão de viajar com Claudia pela primeira vez para Portugal e percorrer o Caminho de Santiago pelo litoral foi “realmente muito rápida”. E nem é preciso perguntar-lhe porquê. “Amo a costa. Amo o mar”, confessa, mostrando entusiasmo com o facto de “toda a gente ajudar a encontrar o Caminho e oferecer café”. “Adoro receber esta energia”, comenta.

Claudia e Leona Horch (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Águeda Lima espreita a chegada dos peregrinos da sua cozinha. Prepara refeições para eles, pratos simples, como salada mista de alface e tomate com atum, bife com batatas fritas, ovo estrelado e salada, e omeletes. “Adoram omeletes porque é uma coisa fresca, feita na hora, com ovos das minhas galinhas. Anteontem trouxe mais de 40 ovos e foram todos. Ontem três dúzias e hoje outros tantos. Vai tudo”, conta a matriarca, acrescentando: “Também faço sempre uma boa sopa à moda antiga e eles comem sempre”.

Com o corpo nutrido pelas comidas de Águeda e a alma lavada pelo acolhimento ao balcão de Tó Lima, os peregrinos prosseguem rumo à FORTALEZA DE VALENÇA. Entram pelas portas da Coroada e saem pelas portas da Gaviarra, sob o Baluarte do Socorro, que remata o topo norte da fortificação e oferece a melhor vista para a cidade espanhola vizinha, o rio e a ponte que o atravessa. A saída em túnel faz a ligação à centenária ponte internacional.

 

Antes de entrar em Espanha, ali mesmo aos últimos metros de solo português, junto à travessia, há um espaço de paragem obrigatória.De preferência para quem pretende pernoitar do lado de cá e tem tempo para degustar boa comida. Da cozinha do FRONTEIRA GASTRO BAR, comandada por Diogo Ribeiro, saem petiscos tradicionais e outros reinventados, inspirados na cultura gastronómica do país vizinho. É uma casa de família, com a mãe (Branca) e a mulher (Marisa) do cozinheiro a orientar o serviço na sala e nas duas esplanadas (uma coberta e outra ao ar livre que tem vindo a crescer). Ao fim de semana servem todo o dia.

 

Há tapas, tábuas de queijos, presunto e enchidos, e carnes maturadas. Divinas sobremesas, vinhos de (quase) todas as regiões do país e sangrias (branca, tinta, espumante e rosé).

Sugestão de Diogo para uma refeição de degustação, que desperta a vontade de ali regressar: camarão panado, gambas ao alho, pernil cozinhado a baixa temperatura (durante 12 horas), com salada de laranja, e naco de vitela com manteiga noisette. Adoça com uma tarte de amêndoa ou mousse de chocolate com flor de sal.

E, das duas uma: ao sair da porta, ou vai descansar para o dia seguinte, ou segue viagem. Dali até Santiago de Compostela ainda faltam 117 quilómetros, num total de seis etapas: Tui/Porriño (17km), Porriño/Redondela (16km), Redondela/Pontevedra (20km), Pontevedra/Caldas de Rei (21km), Caldas de Rei/Padrón (18km) e Padrón/Santiago de Compostela (25km).

Guardiã do albergue
Maria do Carmo Puga trabalha há oito anos no Albergue São Teotónio, em Valença. Não se vê a fazer outra coisa. “Adoro trabalhar aqui. Oiço sempre histórias espetaculares e cheguei à conclusão que há gente muito boa”, comenta. Recebe peregrinos de todo o Mundo, vindos pelos caminhos da Costa e Central. A maioria “são alemães”. Pessoas de todas as condições sociais e idades. “O mais velho que passou por aqui foi um holandês com 82 anos. Veio três anos seguidos. Vem gente com muito poder aquisitivo. Já dormiram aqui uma deputada, atrizes de novelas, cantores, atletas…”, descreve.

Maria do Carmo Puga (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.



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