1. Aves de água e sal, Aveiro
Sandra Oliveira e Estêvão Castro compraram o Gaivina, barco movido a energia solar, e propõem vários passeios pela Ria de Aveiro. Para observar aves como o flamingo e as garças, e não só.
É em silêncio que Gaivinha-Sterna parte do Cais do Sal para iniciar o seu percurso pela Ria de Aveiro. Movido a energia solar, o barco, que acolhe até 10 pessoas, entra tranquilamente pelo canal da Veia. Ao leme está Sílvio Vilar, marinheiro da Gafanha, apaixonado pela água salgada. “Posso ir viver para outra parte do mundo, tem é de ter mar”, exclama.
A água salgada da ria parece ter um poder encantatório sobre quem nela se aventura. Foi assim que Sandra Oliveira se apaixonou por ela e com o marido Estêvão Castro abraçou o projeto Sterna – Aveiro Ria Tours & Birdwatching. Durante a semana, é ela que, com Sílvio, sai para a ria com os turistas que querem conhecer a sua história antiga, enquanto salina, a história de quem nela fez vida – os marnotos-, e também a sua vida natural, principalmente as aves que nela habitam. Ao fim de semana quem leva o barco é o Estêvão.
“Isto é um sonho de família, de casal. Nós, principalmente o Estevão que é de cá, tinha o sonho de ter um projeto com os pés na ria, ele gosta imenso desta zona do salgado”, conta Sandra. “Vareira de Espinho”, como a própria se identifica, Sandra esteve alguns anos a trabalhar fora do país e quando voltou teve alguns trabalhos precários até que engravidou. Através de amigos, ela e o marido souberam que o barco em que agora fazem os seus passeios estava à venda. Já antes funcionava para visitas à ria, mas estava parado. Compraram-no em dezembro de 2019 e só tiveram oportunidade de fazer uma saída antes da pandemia. Apesar de tudo, acabou por lhes dar tempo “para explorar melhor o salgado”. Além disso, diz, “tivemos formação com a Biosphere que nos deu o certificado de sustentabilidade”. São também bandeira azul, agora também atribuída a embarcações de recreio.
Não sendo especialistas em aves, estudaram bem a ria e sabem identificar muitos dos moradores que por ali se passeiam. Não faltam o borrelho, o maçarico-real, a gaivina-dos-pauis e outras aves mais vistosas, como o corvo-marinho, o colhereiro, a garça (a real e a branca) e os elegantes flamingos. Muitas gaivotas, de várias espécies, gostam especialmente de se banhar na zona onde desagua o Rio Novo do Príncipe (trolo fiona do Vouga), com águas um pouco mais doces.
A empresa tem três experiências disponíveis: a “Duas águas”, um passeio de 45 a 60 minutos para se ficar a conhecer alguns do principais canais, a “Experiência dos Esteiros”, entre 90 e 120 minutos, que dá conhecer mais aprofundamamente a história da ria, e a “Birdwatching”, em que convidam um biólogo para guiar o passeio.
Um espaço para se estudar a avifauna da ria
“No nosso território, já foram identificadas mais de 200 espécies de aves”, diz João Machado, vereador do ambiente da Câmara Municipal de Aveiro, autarquia que nos últimos anos tem desenvolvido um trabalho de valorização da ria. Em 2017, inaugurou o CMIA – Centro Municipal de Interpretação Ambiental, do qual fazem parte vários passadiços e parques – o Cais da Ribeira de Esgueira, o Parque Ribeirinho do Carregal e o Parque Ribeirinho de Requeixo, tudo pensado para observação e preservação da avifauna da ria. Além disso, o edifício que acolhe o centro e que funciona como observatório de aves, está mesmo virado para as marinhas e foi pensado para não ferir a paisagem. Pode receber grupos e visitantes individuais, sendo muito procurado para quem gosta de fotografar aves. O flamingo é o grande chamariz dos visitantes.
Longitude : -8.2245
Longitude : -8.2245
2. As muitas aves do Vale do Tua
O Parque Natural Regional do Vale do Tua tem três rotas dedicadas ao birdwatching, com abrigos, e um guia de aves para ser mais fácil identificá-las.
Diniz Cortes conhece bem os caminhos do Vale do Tua. Nascido em Trás-os-Montes e a viver no Alentejo há várias décadas, o médico aposentado e observador da natureza desde tenra idade, criou há quatro anos, com o filho Ricardo, a empresa Wildscape. Dedicada a documentar, produzir e facultar conhecimento sobre espaços naturais e arqueológicos, a empresa nasceu da sua paixão por fotografar a natureza, com foco nas aves, mas não só.
Foi esta empresa a escolhida pelo Parque Natural Regional do Vale do Tua (PNRVT) para elaborar percursos de birdwatching, que incluem abrigos, e também para produzir um guia de observação de aves, editado em abril passado.
“Os percursos tinham de ser articulados com as 10 micro-reservas de fauna e flora já caracterizadas e intercomunicar-se com os percursos pedestres do parque”, conta à Evasões. As três rotas, em estrada de asfalto, passam por diversos ambientes, como zonas agrícolas, olivais, vinhedos, albufeiras ou bosques.
A primeira é a “Rota da Fraga das Águias” (71 quilómetros), que liga Alijó a Carrazeda de Ansiães. No Amieiro, junto a uma calçada romana, o abrigo “está virado para noroeste, para o planalto de Carrazeda”. Aqui, observam-se com frequência aves de rapina, como a águia-de-bonelli, a águia-calçada ou a águia-cobreira.
A “Rota dos dois rios” percorre os ecossistemas lênticos (de águas interiores mais paradas) e lóticos (águas correntes) e vai de Murça a Mirandela. Tem um abrigo para observação em Frechas, “uma praia fluvial muito rica, sendo uma zona de descanso para aves migratórias”, e outro entre Frechas e Barcel. Nesta altura do ano, pode ver-se a toutinegra-de-barrete, a estrelinha-de-poupa, o tordo e o milhafre-real, “que nidifica na Alemanha e na Polónia e vai ali passar um inverno mais ameno”. No verão, a população residente de papa-figos engrossa com a chegada de grupos migratórios. Mais perto da barragem do Tua, destaca-se o chasco-preto, o símbolo da porta de entrada de Carrazeda de Ansiães para o Vale do Tua.
Por fim, há a Rota das Barragens (89 quilómetros), que une Vila Flor e Alijó. O nome deve-se ao facto de passar por várias barragens, sendo assim possível observar aves aquáticas, como várias espécies de patos, de gaivotas e corvos-marinhos.
Das 160 aves já identificadas no vale, as 120 mais significativas fazem parte do “Guia das Aves”, elaborado pela Wildscape para o PNRVT. Em português e em inglês, descrevem-se as marcas de campo (características físicas), atitudes das aves e se são residentes ou sazonais. Os textos e as fotografias são do próprio Diniz Cortes, colaborando também com imagens Joaquim Antunes e Luís Rodrigues. As ilustrações científicas são de Paulo Alves. “Para fazer a capa, convidámos um artista local, o escultor Helder Carvalho, de Carrazeda de Ansiães”, conta Diniz.
3. O privilégio de observar a natureza em estado puro, na Peneda-Gerês
Há três zonas preferenciais na Peneda-Gerês para a prática de birdwatching, um deles na biologicamente rica Mata da Albergaria.
Ser o único Parque Nacional existente em Portugal é prenuncio da sua biodiversidade. Falamos das Serras da Peneda e Gerês, que, entre montanha florestal, planaltos e pastagens de altitude, oferecem locais prestigiados para a prática de birdwatching. Aqui, bem no Norte de Portugal, encontramos o limite sul da nidificação de algumas espécies que vêm da Europa. O chasco-cinzento, o cartaxo-nortenho ou o tordo-pinto, entre outros, são apenas encontrados, em Portugal, nesta região. Mas há mais exclusivos, já que o Parque Nacional da Peneda-Gerês, além de rico em aves de rapina, é o principal local de avistamento, em Portugal, do picanço-de-dorso-ruivo e da sombria – aves que dificilmente ocorrem noutros locais.
Esta imensa biodiversidade local, com mais de 120 espécies registadas, acontece, segundo a SPEA, por este ser “um dos últimos redutos do país onde se encontram ecossistemas no seu estado natural, com reduzida ou nula influência humana”. E estes fatores rendem-lhe o título de IBA – Important Bird Area (ou, no Português, Área Importante para Aves). Estes são locais com “significado internacional para a conservação das aves à escala global”, lê-se no site do projeto da BirdLife International, coordenado em Portugal pela SPEA. Para a classificação como IBA, são seguidos critérios científicos concretos e, em Portugal, são diversas as zonas assim designadas.
O inverno ríspido que se faz sentir a Norte e, em especial, nas zonas de maior altitude, leva a que a maioria das aves que habita esta zona a abandone nos meses mais frios. Ainda assim, há resistentes, como é o caso da ferreirinha-alpina, que pode ser encontrada durante todo o ano.
Distribuído pelos municípios de Arcos de Valdevez, Melgaço, Montalegre, Ponte da Barca e Terras de Bouro, são três os locais preferenciais para a observação de pássaros. O primeiro, e de mais fácil acesso, é a Mata da Albergaria, entre Caldas de Gerês e a Portela do Homem. Já junto à fronteira com Espanha, Castro Laboreiro oferece uma ótima rota para observar aves. Há ainda uma área privilegiada para birdwatching que vai de Covelães a Tourém, onde se encontra o Centro Interpretativo da Avifauna da Região, pertencente ao Ecomuseu do Barroso.
Mediante marcação prévia, o Polo de Tourém do Ecomuseu realiza visitas guiadas com foco na avifauna da região. É também aqui que se realiza a anilhagem local de aves, sendo um espaço com importância científica e informativa.