Tenerife: Caminhar sobre as nuvens na maior ilha das Canárias

A maior ilha das Canárias é uma terra de contrastes. Destino balnear por excelência, também oferece mais do que sol e praia. Quem procura explorar o lado mais bruto de uma ilha vulcânica basta subir acima das nuvens para descobrir um outro Mundo.

Durante a maior parte do ano, a região norte da ilha é coberta por uma densa neblina, que não deixa ver o que se esconde dali para cima. É um fenómeno natural conhecido como «mar de nuvens», provocado pela subida de uma massa de ar quente vinda do deserto do Sahara, em contacto com os ventos alísios, mais frios e húmidos. Para fugir a esse manto nebuloso e sentir os raios de sol, há que rumar a sul, ou subir, em direção ao Parque Nacional do Teide, que desde 2007 é Património Mundial da Unesco.

Atravessada a barreira dos dois mil metros de altitude, a vegetação tropical que até aí dominou a paisagem dá lugar a um grande pinhal, envolvido pela névoa que ali se forma. Um daqueles cenários algo sombrios, mas ainda assim encantadores, a marcar a passagem para um outro mundo, que se abre acima das nuvens.

No horizonte começam a distinguir-se os contornos de uma grande montanha. É o Teide, o maior vulcão da ilha – o único ainda ativo – e o pico mais alto de toda a Espanha, com 3718 metros de altura, que até ao século XVIII se pensava ser a mais alta montanha do mundo.

«O que muita gente não sabe é que este Teide não é o original», lança Javier Costa, um dos guias da Canarias Nature Guides, que organiza caminhadas e visitas guiadas pelas atrações naturais da ilha. «Existiu um muito maior, que colapsou e formou uma cratera, a caldeira de Las Cañadas, com 16 quilómetros de diâmetro, e onde se foram formando outros pequenos vulcões, incluindo o novo Teide», conclui Javier.

Caldeira de Las Cañadas (Fotografia: Sara Matos/GI)

Cruzar essa imensa caldeira é uma experiência arrebatadora, que se faz seguindo a estrada TF-21, a rasgar aquele solo bruto, rodeada de montanhas, falésias e vulcões agora serenos. De vez em vez surge um miradouro para parar e admirar a paisagem rochosa – já foi até cenário de filmes e de testes da NASA -, que de algumas perspetivas parece flutuar sobre as nuvens.

Por entre as rochas de vários feitios e tonalidades abre caminho alguma da vegetação endémica da ilha, como o «tajinaste rojo». São bonitas torres cónicas, revestidas a pequeninas flores rosadas, que podem crescer até três metros de altura.

«O Parque Nacional do Teide é uma paleta de cores e formas», observa Javier. Atributos que seduzem amantes da geologia, mas também caminheiros, que procuram palmilhar o parque entre os vulcões. É especialmente concorrido por altura do Tenerife Walking Festival, um festival anual de caminhadas que decorre em maio, com vários percursos guiados, que normalmente não são tão acessíveis, como é o caso da subida ao cume do Teide. Para fazer tal empreitada, além de uma razoável forma física, é necessária autorização prévia da direção do parque.

Durante o resto do ano, não faltam outros trilhos assinalados para fazer livremente, existem mais de 15 mil em toda a ilha, com rotas acessíveis a crianças e pessoas com necessidades especiais. Uma boa opção é o percurso que liga o miradouro de Narices del Teide ao topo do vulcão Sámara, na parte ocidental o Parque Nacional. Um caminho acompanhado pelo silêncio em toda a sua extensão, que atravessa parte da caldeira rochosa, manchas de pinheiros canários e até uma zona de solo mais escuro, de lava ainda jovem, resultante da última erupção do vulcão Pico Viejo, em 1798. Uma caminhada para fazer, idealmente, ao final da tarde, para chegar ao topo do vulcão Sámara mesmo a tempo de ver o sol esconder-se atrás do mar de nuvens, com a ilha de La Palma no horizonte.

Praia, calor e doçura

Em Puerto de La Cruz, o sol também se esconde a maior parte do tempo. Mas nem por isso a cidade, instalada a noroeste da ilha, é menos procurada como destino balnear. As nuvens não fazem desanimar os veraneantes que se aventuram pelo areal, pisando a custo os pedregulhos junto à linha de rebentação, para chegar às águas temperadas daquele Atlântico subtropical.

Tudo ali emana calor. A calçada de pedra vulcânica, a areia negra, a brisa ligeiramente húmida e carregada, as cores terrosas das casas mais antigas, que ainda carregam os traços do passado colonial, e convivem agora com altos prédios e hotéis de luxo. Uma dessas grandes torres é o Sol Costa Atlantis, do grupo Meliã. Um quatro estrelas de frente para a Praia de Martiánez, onde o pequeno almoço é digno de reis e o spa, instalado no 14º andar sob uma cúpula envidraçada, oferece vista panorâmica para o mar e as encostas verdejantes, pontilhadas de palmeiras e bananeiras, que nos dias de céu limpo deixa ver até o Teide.

A marginal é corrida a cafés e restaurantes com variadas influências europeias, ao estilo Art Nouveau, e vitrines que fazem salivar. O Café de Paris, aberto desde 1958, é um desses lugares que atraem pela montra, e também pela sua excentricidade. As luzes néon é o que primeiro salta à vista, depois a decoração um tanto kitsch, a música ambiente – muitas vezes francesa – e claro, os doces. Ao contrário do que se adivinha pelo nome, todas as especialidades da casa são alemãs e não francesas. «Isto antes era um hotel, que se chamava Café de Paris, e acabou por ficar com o mesmo nome», esclarece um dos funcionários, que vai distribuindo generosas fatias de bolos pelas mesas. Os donos são alemães, e da terra-natal trouxeram as receitas típicas que usam para encher a montra com uma enorme variedade de bolos, tartes, pastelaria fina e até bombons.

É que Tenerife também tem doçura quanto baste. Nos frutos tropicais, no vinho e até no afamado «barraquito», uma bebida típica da ilha, que leva café, leite condensado, Licor 43, leite e canela. Também existe uma versão sem álcool e ambas se encontram facilmente em qualquer bar ou café, ainda que a Cafetería Mazaroco seja uma das maiores referências no que toca à bebida.

Passear pelas ruas vibrantes da cidade é encontrar um pouco de todo esse misto de sabores. Mas por entre o bulício de turistas do passeio marítimo, também se encontram alguns refúgios tranquilos, para saborear com tempo, como a Ermida de San Telmo, padroeiro dos marinheiros. Uma pequena capela caiada, erguida no século XVIII num balcão de pedra basáltica sobre o Atlântico, que esconde atrás um miradouro, perfeito para um serão embalado pela maresia.

Do mar para a mesa

Numa terra rodeada de mar, seria estranho se a cozinha não fosse forte nos seus frutos. O peixe fresco grelhado é um dos pilares da cozinha canarina, que tem na simplicidade o melhor tempero. Não descurando outros produtos da terra, como o queijo de cabra e as «papas con mojos», que é como quem diz batatas cozidas com a casca, servidas com dois molhos picantes, um vermelho e outro verde. Combinações que facilmente se encontram pelos recantos de Puerto de La Cruz, onde se escondem alguns exemplares das boas mesas da ilha.

Numa antiga casa tradicional, de meados do século XVIII, está instalado há 33 anos o restaurante Régulo. O soalho – original – range sob os pés ao subir as escadas que dão acesso às várias salas de jantar, onde se encontram quadros e pinturas que o peso do tempo parece inclinar. «O meu pai apaixonou-se por esta casa e quis mantê-la exatamente como era», conta Marta Pagés García, que gere o restaurante juntamente com o pai Jesus.

Restaurante Régulo (Fotografia: Sara Matos/GI)

O charme pitoresco da casa descobre-se ainda percorrendo as varandas que rodeiam o belíssimo pátio interior, adornado com plantas e uma fonte ao centro. A um canto descansa um antigo carrinho de gelados que parece saído de um filme de época. «Foi o primeiro na ilha, por isso é algo especial que toda a gente recorda e o meu pai quis recuperar», esclarece Marta.

O pátio dá ainda passagem para a adega, onde também se pode petiscar na companhia de uma garrafa de vinho. A par de tudo isto, a carta, focada nos sabores da ilha, mas com um toque de sofisticação, forte no peixe e no marisco, a acompanhar com uma cuidada seleção de vinhos locais e do continente, fazem do Régulo uma das casas mais renomadas da cidade.

Mas a grande embaixada da comida de pescador é o La Cofradía de Pescadores, a completar 9 anos, e instalado nada menos que no primeiro piso da sede da confraria dos pescadores de Puerto de la Cruz, de frente para o porto de pesca e com uma deslumbrante vista para o mar. Principalmente no terraço, onde apetece estar e prolongar a refeição pela tarde dentro. O que não é impossível, já que a cozinha não fecha nesse período.

O queijo assado com molho verde e vermelho, e mel de palma é a entrada de excelência. Depois há um desfile de peixe fresco por onde escolher. Sempre confecionado sem grandes artifícios. «O nosso objetivo é que a confeção seja muito simples, porque tudo é fresco, os pescadores locais são os nossos principais fornecedores», explica Luisa Jordán, uma das proprietárias do restaurante onde, diz, «se cozinha o mar atlântico».

Com efeito, por cima do balcão exibe-se uma extensa lista de nomes do que ali chega do Atlântico: «cabrillas, sardinas, morenas, abadejo, sargos, salemas, chicharros». São alguns dos peixes que saltam do mar para a grelha e daí para a mesa, acompanhados com as tradicionais «papas con mojos». Simples, mas delicioso. Assim é também Tenerife.

Tradição à mesa
Ao portão da Mesón Los Gemelos também é habitual haver fila de espera, para provar a comida caseira que ali se serve, com base nas tradições da ilha. A entrada abre caminho para um frondoso jardim, decorado com utensílios usados na agricultura, onde também há mesas para ali tomar a refeição, cobertas com toalhas inspiradas nos padrões coloridos do traje típico da mulher de Tenerife. Atrás dos tachos e à frente da casa está António Izquierdo, que prepara as especialidades da carta como se cozinhasse para a família. «É comida caseira», garante: o polvo frito, o coelho com salmorejo e os «garbanzos», uma espécie de guisado de grão de bico, que aconchega, antes do prato principal.

Las Vegas: A calidez do sul
Rumando ao sul da ilha, os cenários paradisíacos da zona norte, dão lugar a paisagens áridas, de vegetação rasteira e fustigadas pelo sol que já não se esconde atrás do mar de nuvens. Mas nem por isso perdem o encanto, e podem ser admiradas ao longo dos vários percursos pedestres da região. Las Vegas, um povoado rural do município de Granadilla de Abona, é uma das zonas que vale a pena explorar. «’Las vegas’ é o nome que se dá aos locais planos de um vale onde se foram depositando sedimentos que os tornou propícios à agricultura», desmistifica Ana, uma das guias da Gaia Tours. No circuito circular que percorre aquela zona, pode apreciar-se a arquitetura típica rural, o Pino del Guirre, um grande e largo pinheiro que é um dos maiores da ilha, e ainda a ermida de Nuestra Señora de La Esperanza, que além de uma bela vista panorâmica, tem ainda a particularidade de ter o sino, não numa torre, mas pendurado num pinheiro ao lado do santuário.

 

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