Tavira: à descoberta do rio e da cidade onde ele muda de nome

Ponte medieval de Tavira, onde o rio Séqua muda de nome para Gilão. (Filipe Amorim/GI)
O rio Gilão nasce na serra, mas é em Tavira que ganha beleza e fama. E a cidade, por seu lado, não seria o que é sem esta alameda de água a atravessá-la. Uma história de cumplicidade.
Por um estreito túnel se chega à Rua Borda d'Água da Asseca, uma marginal de esplanadas à beira-rio. (Filipe Amorim/GI)

Por um túnel se chega à Borda d’Água da Asseca, uma marginal de esplanadas à beira-rio. (Filipe Amorim/GI)

Esta cidade tem de tudo. Tem história com fartura, incluindo um castelo e o dédalo de ruas tortas que o rodeiam. Tem mais igrejas do que aquelas que se consegue visitar num fim de semana – diz quem já as contou que são 37. E tem ruínas fenícias, traços arquitetónicos próprios e curiosidades como a Câmara Obscura. Se há cidade algarvia com coisas para ver é Tavira. No entanto, de olhos no rio que a corta ao meio, é fácil esquecer tudo isso.

O Gilão não é um rio como os outros. Desde logo pelo nome. Aliás, nomes: quando nasce chama-se ribeira da Asseca, depois, ao juntar-se à ribeira de Alportel, torna-se rio e ganha o nome de Séqua, até que chega a Tavira. Aí, fenómeno estranho que carece ainda de explicação cabal, muda de identidade. Ao passar a ponte medieval, a água é a mesma mas o curso passa a chamar-se Gilão, até desaguar na ria Formosa. Claro que há uma lenda pelo meio – há sempre uma lenda –, mas é daquelas que soam repetidas, com um cavaleiro cristão, uma princesa moura e uma história de amor trágico, portanto o mistério permanece. Assim como o encanto.

 

Ao passar a ponte medieval, em Tavira, o rio Séqua muda de nome para Gilão. (Filipe Amorim/GI)

Ao passar a ponte medieval, em Tavira, o rio Séqua muda de nome para Gilão. (Filipe Amorim/GI)

 

Os cocktails com vista para o Gilão são um dos muitos motivos para ocupar uma das mesas do Terraze. (Diana Quintela/GI)

Os cocktails com vista: um dos muitos motivos para parar no Terraze. (Diana Quintela/GI)

O Gilão/Séqua é o único rio da região que tem a mesma cidade de ambos os lados, ele apresenta a largura perfeita para formar o corredor central de uma marginal com dois lados A, qual deles mais merecedor de um passeio. Quando chega a hora de o Sol se pôr, começa um longo espetáculo de cambiantes de cor que pedem uma boa esplanada para lhe dar a devida atenção. Há várias.

Por exemplo, a do Terraze, uma das que põem a bom uso a pacatez da Rua Borda d’Água da Asseca – nome tão delicioso quanto o arco por onde se entra, junto à boca da ponte antiga. Ao Terraze vai-se, por exemplo, pelos cocktails, pelos petiscos elaborados, por um copo de vinho com vista, seja na esplanada do passeio ou no cimo do terraço.

 

Margem oposta, a mesma exposição ribeirinha (lá está: dois lados A). No antigo mercado, igualmente debruçado sobre o Gilão, fica outra morada de chegar, estar e ir ficando.

A cabidela de risotto de choco demonstra o arsenal técnico e criativo da chef Cecília Paixão, no restaurante Gilão. (Filipe Amorim/GI)

A cabidela de risoto de choco demonstra o arsenal criativo da chef Cecília Paixão, no Gilão. (Filipe Amorim/GI)

Partilha o nome com rio, para que ninguém vá ao engano: no restaurante Gilão come-se e bebe-se sempre de olho no reflexo prateado das águas. Cozinha algarvia de autor, com muita abertura mediterrânica, não fosse Tavira a embaixada nacional da Dieta Mediterrânica na lista de Património Intangível da Humanidade.

Das mãos da chef Cecília Paixão, que ali está desde a abertura há quatro anos, saem coisas inspiradoras como o gaspacho de figo-da-índia com burratina, um arranque refrescante que prepara os sentidos para outros voos. Mergulhos, aliás: chamuça de cavala, raviolini de caranguejo de casca mole em caril vermelho, um desconcertante risoto feito cabidela com tinta de choco.

Ainda que as carnes não estejam esquecidas, o mar é presença forte. Até na manteiga do couvert, coisa sobre a qual normalmente pouco há a dizer: esta, feita com sardinha, é suficiente para assegurar vontade de regressar.

 

Do terraço da Casa Beleza do Sul admira-se o «emaranhado» de telhados da cidade. E avista-se o rio. (Filipe Amorim/GI)

Do terraço da Casa Beleza do Sul admira-se o «emaranhado» de telhados. E avista-se o rio. (Filipe Amorim/GI)

Se a vontade for também de chamar «casa» a Tavira, nem que por uns dias apenas, fica-se na rua de trás, a José Pires Padinha, sem precisar de perder de vista o rio. A Casa Beleza do Sul fica à espreita de uma esquina do antigo mercado, e ambos os seus terraços têm a presença do Gilão. Esta guesthouse de quatro quartos e uma suíte mistura charme mediterrânico, magrebino e algarvio, sem costuras à vista nem sofisticações postiças. Quando a italiana Paola Boragine comprou o edifício – em 2006, era então Tavira um segredo bem guardado –, fê-lo logo com o propósito de não desvirtuar, não subtrair autenticidade.

 

Autenticidade é palavra de ordem da Casa Beleza do Sul. Os tetos tradicionais de caniço são disso exemplo. (Filipe Amorim/GI)

Autenticidade é palavra de ordem da Casa Beleza do Sul. Os tetos tradicionais de caniço são disso exemplo. (Filipe Amorim/GI)

«Fiz apenas as adaptações que se impunham, para criar conforto sem tirar caraterísticas», explica a arquiteta convertida ao Algarve. Tanto que no piso de térreo, ao invés de criar mais quartos, fez questão de manter as lojas, que eram o seu propósito original, porém aceitando apenas inquilinos que viessem acrescentar algo à cidade e à região, sem trazer coisas importadas: um fotógrafo, um ateliê de cerâmica de autor, um joalheiro. Isto, tudo junto, contribui para o ambiente acolhedor, a um tempo rústico e elegante, com apontamentos pessoais que lhe dão um estilo «casa de alguém». Alguém com muito orgulho em manter e valorizar aquilo que tem. Uma casa à imagem da cidade.

 

Sim, Tavira tem de tudo. Só não tem praia, mas isso também facilmente se resolve, com uma descida de 20 minutos de barco até à Ilha de Tavira. Por onde? Pelo Gilão, pois claro.

 

MERGULHAR
Ilha de Tavira
Praia de mar (Bandeira Azul) e de ria. Acessível apenas por ferry.
Partidas do cais do Gilão, das 09h30 às 18h30.
GPS: 37.125, -7.6455
Preços: 2/1,30/0,90 euros (ida e volta/só ida/crianças 4-11 anos ida e volta)

ESTAR & COMER
Terraze
Rua Borda d’Água da Asseca, Tavira
Tel.: 281327481
Aberto até às 00h00; sexta e sábado, até às 02h00. Não encerra.
Preço médio: 20 euros

Gilão
Mercado da Ribeira, Tavira
Tel.: 281322050
Não encerra.
Preço médio: 25 euros

FICAR
Casa Beleza do Sul
Guesthouse com 5 quartos, terraços com vista para o rio
Rua Dr. Parreira, 43, Tavira
Web: casabelezadosul.com
Quarto duplo a partir de 100 euros por noite

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