Serra, história e sabores em Vila Praia de Âncora

Serra, história e sabores para descobrir em Vila Praia de Âncora
Esta pequena vila piscatória não se resume apenas aos seus areais longos, muito procurados por veraneantes. Há uma serra com tesouros para descobrir, e provar os seus sabores no restaurante do Hotel Meira, que recebeu no início do ano um novo chef.

De um lado, é abraçada pela serra de Arga; do outro, beijada pelo mar. Vila Praia de Âncora, freguesia de Caminha, é um postal do Alto Minho à espera de (também) ser saboreado no inverno. E estes dias frios e soalheiros de janeiro podem muito bem ser até tão bons para conhecer, em modo mais aventureiro, esta terra que começa na serra e desagua no mar, sem o rebuliço veranil que enche de banhistas o seu longo areal. Para lá chegar, até se dispensa o carro, já que o comboio e as camionetas páram mesmo no centro da vila e dali se chega, em cinco minutos a pé, ao Hotel Meira, que pode ser o ponto de partida para um reconhecimento sem pressas deste território singular.

Este que é o único hotel da vila está nas mãos da mesma família desde que abriu, em 1935. Na altura, era uma pensão, mas muito mudou de então para cá, com uma remodelação que, há menos de um ano, orientou o Meira para um público mais jovem, como explica Joana Neves, responsável de comunicação. As mudanças vêem-se de fora para dentro. O rosa da fachada deu lugar a um cinzento suave, e os azulejos foram removidos para ficar exposta a pedra original. No interior, a decoração é agora dominada por madeiras e tons azuis a remeter para praia que fica a dois passos. O ambiente é elegante, mas leve e informal o suficiente para que os hóspedes se sintam à vontade para levar consigo os animais de estimação, que têm direito a uma caminha e taças.

Os 52 quartos dividem-se em twins, duplos, suites prestige e deluxe, e há o cuidado, desde que seja possível, de atribuir um dos mais espaçosos a quem leva companhia canina ou felina. Outra mudança de relevo fez-se na cozinha, com a entrada do chef Álvaro Costa no início do ano, numa tentativa de recuperar «o movimento de outros tempo» no restaurante, conta Luiza Vilas Boas, diretora. Afinal, foram os pratos de Felisbela Meira, uma das fundadoras, que deram fama ao hotel. A intenção do chef é precisamente reavivar o receituário das décadas de 1930 e 1940, usando ingredientes sazonais de mar e de serra. O saboroso bacalhau dourado, uma das especialidades, vai permanecer na carta, com novas companhias a partir de março. Entre elas, a corvina com cabidela de mar e a bochecha de vitela cozinhada a baixa temperatura com migas de batata e alecrim. Foi ainda introduzido um menu de degustação, que será diferente todas as semanas, mais dois buffets – o de pescador, ao jantar de sábado, e o de pratos tradicionais no almoço de domingo.

O menu diário, que conta sempre com cinco opções, continua a ser uma boa opção para almoço, a partir de 12 euros. Contudo, se a vontade for explorar outras mesas, é tarefa fácil encontrar um bom poiso de peixe fresco e marisco na vila virada ao mar. Para algo mais inusitado, ou para um almoço mais ligeiro, pode-se optar pelo hamburguer de esparte da cafetaria Petinga Doce. Vila Praia de Âncora conta com três espaços desta cadeia local, mas o hamburguer é servido apenas na cafetaria da Praça da República, junto à airosa capelinha da Nossa Senhora da Bonança, a santa venerada na terra de pescadores, cujo interior merece uma espreitadela.

Foi Avelino Ramos, com a ajuda da equipa, quem criou o petisco por ocasião do Festival Gastronómico do Bife de Espadarte, que acontece em agosto, mas o prato acabou por ficar na carta, pelo pelo sucesso que teve. O hambúrguer é feito com o peixe desfiado e especiarias, e é servido entre duas fatias de pão com cebola grelhada, alface ou rúcula e um molho ligeiramente picante à base de pimento jalapeño. Adoçando-se a boca no fim da refeição com um dos doces da casa – o moca, o caminhense ou o sidónio – pode-se partir à descoberta de Âncora a pé. Ora descendo à longa marginal, com uma caminhada desde o núcleo urbano até ao fim do largo passeio onde há uma ciclovia. Ou então, atravessando a ponte sobre a foz do rio Âncora e entrando pelas dunas adentro, para encher o peito de ar marítimo. E, olhando para trás, ver a serra erguer-se no horizonte.

Marginal de Vila Praia de Âncora. (Fotografia de Rui Manuel Fonseca/GI)

 

Uma serra cheia de tesouros

É indo ao encontro desse horizonte que se encontram vários tesouros, que também se podem alcançar sempre a pé. A uns dez minutos para o interior da vila, num terreno com uma entrada relativamente discreta, encontra-se o Dólmen da Barrosa, um dos mais emblemáticos monumentos megalíticos da Península Ibérica. Partindo-se daí, são 15 minutos a subir até ao Monte do Calvário. Recebe-nos a Capela do Senhor do Calvário, e escalar a escadaria pontuada por cruzeiros traz como recompensa o miradouro de onde se observa a paisagem sobre o vale do Rio Âncora e a costa atlântica. E ainda poder visitar a Capela de Nossa Senhora de Lurdes, onde se recria o ambiente de uma gruta em França, onde há relatos de uma aparição da Virgem.

Já para uma subida mais ambiciosa à serra de Arga, convém aproveitar as parcerias do Hotel Meira com a empresa de passeios turísticos Caminha 4×4. Ao volante de um jipe UMM, Bruno Correia recolhe os aventureiros no hotel e leva-os numa viagem trepidante ao ponto mais alto do concelho, onde está o Santuário da Senhora do Minho e uma das melhores panorâmicas da região, que encaixa no olhar todo o vale do rio Lima, até Viana do Castelo. Com sorte, podem-se avistar cavalos garranos.

No roteiro, segue-se a descida até ao Mosteiro de São João de Arga, numa das aldeias da serra, a Arga de Baixo, onde se realiza uma popular romaria em agosto. Nesta altura do ano, o edifício em estilo românico está envolvido apenas por serenidade e o som das vozes de quem por ali decidiu parar. É com encanto que Bruno fala do Alto Minho, para onde veio viver em 2015 com a mulher, depois de deixar Lisboa para se afastar do trânsito e do stress. Procurava uma «vida mais relaxada, com mais tempo», e encontrou-a ali no Alto Minho.

Além da subida à serra, Bruno também promove o passeio das praias, que inclui uma passagem pelas praias do concelho, visita à Cascata do Pincho e a um troço mágico do Rio Âncora (onde a altura das águas cristalinas permite passar a pé) e uma viagem de barco à Ilha da Ínsua. Conforme a hora de início, os passeios podem incluir almoço ou jantar.

Uma outra sugestão para partir à descoberta é apresentada pela Descubra Minho, outra parceira do hotel. O Trilho dos Moinhos é orientado por Agostinho Costinha, que dá a conhecer a aldeia da Montaria e os seus moinhos. Um deles ainda funciona de forma manual e os participantes podem pô-lo a mexer e «ouvir as pedras cantar», que é como quem diz a raspar uma na outra.

De regresso à marginal, e em modo de abrandamento, pode-se fazer uma paragem num recanto charmoso, a casa de chá Cantinho da Ló, aberta há um ano, para provar os scones, éclairs, brioches, bolos à fatia e croissants com creme de amêndoa, na companhia de um dos chás da carta. Em março, está previsto o arranque de uma agenda de workshops com artistas e artesãos locais. «É importante valorizá-los, dar a conhecê-los», refere a proprietária, Ana Paula Verde.

Daniela Amorim concorda, já que faz até essa mesma promoção de artesãos e produtores do Minho na sua loja Herança Minhota, há cerca de três anos. Em fevereiro do ano passado, a loja mudou de lugar na rua, mas manteve os mesmos produtos: compotas e licores da Licomda – a marca própria de Daniela, que impulsionou a loja -, chocolate de Viana do Castelo, cervejas minhotas como a Bemdita e a Letra, conservas, azeites, hidromel, artesanato com a imagem dos lenços de Viana e peças de crochet e linho feitas localmente. Um lugar para quem quer levar o Minho para casa. E o que de Vila Praia de Âncora não cabe na mala é que pode – e deve – ser um pretexto para regressar.

A Cerveja Bemdita é a primeira marca de cerveja artesanal de Vila Praia de Âncora. (Fotografia de Rui Manuel Fonseca/GI)

CERVEJA MINHOTA
A primeira cerveja artesanal de Vila Praia de Âncora chama-se Bemdita e surgiu no final de 2017, pelas mãos de Jorge Cerqueira. As primeiras experiências começaram há três anos, quando regressou a Portugal, depois de 13 anos a viver em França. Não satisfeito com o resultado da primeira “colheita”, investiu em formação no Brasil, na Escola Superior de Cerveja e Malte, e quando voltou a casa desenvolveu cinco cervejas – Weiss, Stout, Pilsner, American IPA e uma Saison Amber – que podem compradas na loja da fábrica, na Herança Minhota e na loja online. Edições sazonais estão previstas pontualmente.

 

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