Salinas, passeios de barco, boas mesas e tradições locais: à descoberta da Moita

A Romaria a Cavalo - que todos os anos mobiliza centenas de romeiros num percurso de 150 quilómetros com a imagem de N.ª Sr.ª da Boa Viagem, a santa padroeira da Moita, até Viana do Alentejo - pode ser um bom pretexto para visitar este concelho. Há muito para descobrir nestas paragens, a sul do Tejo.

O BOA VIAGEM desliza pelo plano inclinado e regressa à água com vigor, após 25 dias parado para restauro, carpintaria e calafetagem no ESTALEIRO NAVAL DE SARILHOS PEQUENOS, a funcionar há quase 70 anos. “Este ano começou mais cedo a fase de restauro”, sinaliza Jaime Costa, mestre carpinteiro e dono deste que é o único estaleiro naval em atividade na margem sul do Tejo a construir em madeira. “Infelizmente”, enfatiza, sem desviar os olhos da operação no terreno.

A arte naval corre no sangue da família desde o bisavô materno, por isso considera “inevitável” ter-se dedicado à construção e conservação de botes, fragatas e varinos como o Boa Viagem. Entrou como moço de recados aos 11 anos, seguiu as pisadas do pai e hoje, aos 69, lamenta haver poucos interessados na arte naval, apesar dos pedidos de manutenção de embarcações tradicionais públicas e privadas e de até ter sido criado um percurso interpretativo do estaleiro, que mimetiza os do séc. XVI.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

Em tempos áureos terão navegado no Tejo 800 tipos diferentes de embarcações, à medida que era necessário transportar passageiros e produtos como hortofrutícolas, sal, cereais e gado. Preteridos a favor de outros meios de transporte, as fragatas, os botes, as faluas e os varinos foram apodrecendo nas margens. Os que voltaram à vida são hoje museus flutuantes ao serviço do turismo, sendo disso exemplo o Boa Viagem, recuperado pelo município no estaleiro de mestre Jaime Costa, em 1980.

Os passeios decorrem entre maio e outubro, com horários ajustados aos das marés, e têm embarque e desembarque no CAIS DA MOITA construído pelos marítimos há 300 anos. A atividade proporciona não só uma visão cultural e ecológica da Reserva Natural do Estuário do Tejo – que cobre a maioria dos 20 quilómetros de frente de rio do concelho – como também uma aproximação à festa que em setembro anima a vila em homenagem a Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira dos moitenses.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

Durante a procissão, dezenas de embarcações engalanadas aguardam a bênção da padroeira, cuja imagem original descansa na igreja paroquial e está reproduzida numa estátua de mármore na popa de um barco, no Largo do Cais, junto à marginal. A festa estende-se por dez dias e mistura sagrado e profano, bailes e fogareiros, uma feira e corridas de touros. Por esses dias acontece também uma das mais importantes feiras taurinas do país, a reforçar o lado campino do concelho.

Sal e avifauna
Se a fome apertar durante o passeio pelo centro histórico, vale a pena entrar no NISA 2860, nome que junta o apelido dos irmãos Simão e Tiago e o número do código postal da Moita. No edifício que terá sido uma lota, os irmãos abriram este restaurante de cozinha asiática que rapidamente conquistou o paladar de moitenses e não só; e no piso superior o Lota, dedicado a crus como sushi, tártaros e ceviches. Índia, Japão, Indonésia, China e Tailândia são alguns dos países citados no menu.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

“Os pratos que mais vendemos são entradas, como as asinhas de frango coreanas, as gyosas, as tempuras e os baos”, conta Simão, chef do Nisa 2860 e formado em Gestão e Produção de Cozinha. De principais há caris, ramen e receitas de fusão, e para finalizar sobremesas como pudim de matcha e creme brulée de jasmim. Ao almoço, a oferta também é competitiva, graças a um menu a 11 euros composto por prato, bebida, sobremesa e café. Uma aposta refrescante num contexto tradicional.

O SÍTIO DAS MARINHAS, entre a vila e Gaio-Rosário, é um bom lugar para digerir o almoço enquanto se conversa com José Castelo. Nascido “na doca da Moita” há 54 anos, foi carpinteiro toda a vida e desde a pandemia trabalha como marnoto na única salina ativa no concelho. “Chegaram a ser 81 no final dos anos 50”, diz ele, enquanto explica aos visitantes o processo de formação do sal e da valiosa flor de sal, que ali encontram condições naturais e climatéricas perfeitas para florescerem.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

A observação da avifauna aquática, como o Perna-longa, o Alfaiate, a Garça-real e o Flamingo-comum, é outro dos atrativos do lugar. Os caminhos sobre as marinhas têm também painéis de interpretação ambiental que ajudam os visitantes a decifrar a paisagem, marcada tanto pela natureza, como pelo recorte urbano da capital tão próxima. De carro, com rapidez se chega à vila do ROSÁRIO, cujo pátio convida a conhecer o primeiro núcleo habitacional no qual viviam dez pessoas, no século XVI.

A vida corre lenta nestas ruas, entre os miúdos que pedalam despreocupadamente e quem aproveita o bom tempo para exercitar o corpo no jardim. Adiante ergue-se a Capela de Nossa Senhora do Rosário, em estilo manuelino. Durante as festas em sua honra, as ruas são tomadas pela dança tradicional uga-uga (que se crê ter sido trazidos pelos escravos), na qual filas de pessoas de braço dado andam para trás e para a frente ao som da Charanga do Rosário, com o coreto como pano de fundo.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

Em dias de calor, a população estende a toalha na PRAIA FLUVIAL DO ROSÁRIO, equipada com casas de banho, chuveiros, posto de vigilância e uma biblioteca com livros, revistas e jogos didáticos. No regresso à vila da Moita, vale a pena fazer um desvio para comer no 3.ª PARTE, no Clube de Rugby Vila da Moita, no Gaio. A reserva é aconselhada, pois a fama precede a especialidade de ossos carregados de carne de espinhaço de porco, a baixa temperatura, servidos com batata frita.

Mas há outras: ovas à casa, queixada (bochecha) de porco estufada em vinho tinto e raia à lagareiro, a que se somam pratos como arroz de cabidela, sopa de cação e espetada à madeirense, por exemplo. “A minha avó, Joaquina Salvaterra, foi quem sempre cozinhou, mas agora é o meu pai”, conta João Cota, o dono, enquanto leva novos clientes à mesa. São bancários, operários, empresários, funcionários públicos e até CEOs de empresas. “Ao fim de semana temos muitos clientes a vir de Lisboa”.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

 

Ao sabor da maré
A provar que a gastronomia não é o único motivo de visita ao concelho encontra-se ainda o PALACETE CONDES DE SAMPAYO. Recentemente restaurado, abriu ao público com a Coleção Régia, composta por 19 dos 26 retratos dos reis de Portugal pintados por Miguel António do Amaral no último quartel do séc. XVIII. O palacete, esse, foi mandado construir pela família de Luís de Albuquerque Mendonça Furtado como casa de veraneio, tendo ficado no morgadio da Casa da Cova até ao séc. XIX.

O MOINHO DE MARÉ DA AZENHA, que lhe é contíguo, foi construído no séc. XV e pode ser visitado por dentro, através de uma exposição ilustrativa do quotidiano dos moinhos de maré usados para transformar os cereais em farinha. Apesar de ter sido convertido, mais tarde, num armazém de cortiça, o equipamento foi restaurado e é hoje uma memória da indústria moageira que prosperou no arco sul do Tejo. Hoje há mais marés que moleiros, e é preciso saber valorizar o que a natureza oferece.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)

Neste caso, o peixe que segue da rede para a lota de Setúbal e dela para a grelha d’ O MESSIAS, há 22 anos capitaneado pelo casal Rita e Eduardo – ela na cozinha e ele na grelha aquecida a carvão vegetal, a assar carapau, sardinha, dourada, robalo e salmão, entre outros. Da cozinha saem também muito o polvo à lagareiro, a caldeirada de línguas de bacalhau e o bacalhau grelhado na prata, com os temperos apurados pelo saber-fazer de quem aprendeu a cozinhar com a avó, conta Rita.

 


As ferraduras do Fidalgo’s

Macias por dentro e crocantes por fora. É com estes adjetivos que Amândio de Campos descreve as ferraduras da pastelaria Fidalgo’s, aberta no centro da Moita há 26 anos. “Com este formato e esta massa são da minha autoria”, explica, para as distinguir das congéneres do Ribatejo. Inspiradas na tradição taurina e equestre da Moita, são vendidas há 50 anos e o segredo do sucesso pode bem ser a massa tipo croissant e o facto de não serem muito doces. A casa também é versada em pastéis de nata, premiados em segundo lugar no Melhor Pastel de Nata de Lisboa em 2018.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)


Lizbon South Bed Hostel

Quarenta camas distribuídas por 14 quartos (camaratas, duplos e familiares), piscina semi-coberta aquecida, pequeno-almoço buffet incluído e um restaurante fazem do Lizbon South Bed Hostel, aberto em novembro no Barreiro, uma boa opção de alojamento próximo da Moita. Promovido por uma empresa do ramo imobiliário, o projeto foi adaptado durante a pandemia para incluir casas de banho em todos os quartos, para comodidade dos hóspedes.

(Fotografia de Paulo Spranger/GI)


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