Sal, fogaças, passeios de barco e um resort: à descoberta de Alcochete

Do rio o sal, os salineiros, os coloridos barcos tradicionais. Da lezíria as carnes, os forcados e as festas populares. A vila que cresceu ao lado da ponte cativa agora a atenção de quem não a conhece com boa gastronomia, património preservado e turismo sustentável. Um passeio com o Tejo ao lado.

Existe um antes e um depois da inauguração da Ponte Vasco da Gama, em 1998. Considerada um marco na história da engenharia nacional, a infraestrutura encurtou para 20 minutos a distância percorrida de carro entre os concelhos do Montijo e Alcochete e Lisboa (antes, levava-se entre uma a duas horas); fez duplicar o número de habitantes nesta margem a sul do Tejo; e ao contrário do que os ambientalistas receavam, favoreceu a fixação de inúmeras aves no estuário, sobretudo nas SALINAS DO SAMOUCO, que passaram a ser preservadas.

“Com a construção da ponte o Estado foi obrigado pela União Europeia a criar uma Zona de Proteção Especial e assim nasceu a Fundação para a Proteção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, com vista a preservar o salgado, a Natureza e a biodiversidade de aves destes 360 hectares”, explica André Baptista, formado em conservação da Natureza e Ornitologia. Percorrer os trilhos das salinas, a pé, de bicicleta ou em visita guiada, é recuar à sua fundação, no século XIII, e relembrar a época áurea em que Alcochete foi o maior núcleo produtor de sal do país.

“O ponto máximo foi entre 1942 e 1946. A partir dos anos 1950 entraram em declínio com a expansão das fábricas de secas de bacalhau e hoje esta é a única a produzir sal no Tejo”, constata o responsável, acrescentando que aqui se encontra “a base da história e das culturas do povo de Alcochete”. As salinas produzem cerca de 120 toneladas de sal e uma tonelada de flor de sal por ano, de forma artesanal e com certificação, e qualquer visitante pode comprá-lo na loja e em algumas mercearias gourmet.

O programa de visita é ideal para fazer com crianças, pois além de ser possível assistir à rapação do sal, dentro do parque há mesas de piquenique e instalações para fazer atividades pedagógicas, como a anilhagem de aves. “Estima-se que entre 120 a 200 mil aves vindas do norte utilizam esta rota do Atlântico Este e invernam aqui para se alimentarem e descansarem. Até hoje foram identificadas 203 espécies dentro das salinas, sendo que a melhor altura para ver flamingos é entre agosto e março”, revela o ornitólogo.

O resort Praia do Sal fica em frente à Praia dos Moinhos. (Fotografia de Paulo Spranger/GI)

Das salinas ao PRAIA DO SAL distam 15 minutos a pé ou até menos, se o meio de transporte for uma das bicicletas disponibilizadas pelo resort do grupo StayUpon. Implantado sobre a ventosa Praia dos Moinhos (e com um deles a enquadrar um magnífico pôr do sol atrás da ponte), tem recantos que parecem transportar os hóspedes para uma estância de luxo asiático. O alojamento é feito em 160 modernos apartamentos de diferentes tipologias, desde estúdios a três quartos.

À piscina de rebordo infinito junta-se um spa com sauna, banho turco, hidromassagem, piscina interior e duche de contraste. O sal produzido ali ao lado é utilizado em dois tratamentos: a esfoliação “grão de sal”, que hidrata e remineraliza o corpo; e o tratamento de rosto “delicadeza do arrozal”, que recupera uma técnica asiática milenar com base nas propriedades antioxidantes do arroz, para retardar o envelhecimento da pele. O ginásio é o primeiro em Portugal com máquinas em madeira e que não utilizam eletricidade.

A oferta gastronómica do hotel ganha forma no italiano OMAGGIO, aberto a hóspedes e passantes, entre o pequeno-almoço e o jantar, e liderado pelo chef Fábio Paixão da Silva. A carta vai das pizas napolitanas com massa de fermentação lenta às pastas frescas e inclui burratas, risotos e outras propostas de cozinha italiana capazes de agradar a todos. De quinta-feira a sábado, os jantares são animados por sessões de jazz (saxofone tocado ao vivo) e DJ. Quem preferir pode comer numa esplanada.

 

Passeios de barco e fogaças

Em 1993, o cenário da frente ribeirinha alcochetana era bem diferente. A construção da ponte ainda não havia passado do papel quando o restaurante ALFOZ abriu, integrado num projeto que incluía hotel e discoteca. A localização em cima do rio é o grande trunfo, ajuda a manter a procura, e a carta vai do peixe e marisco às tenras carnes da lezíria. “A caldeirada alcochetana, as enguias fritas com açorda, a caldeirada de línguas de bacalhau e as gambas panadas com arroz do rio são alguns dos pratos que mais saem”, diz o responsável José Costa.

Caminhar pelo PASSEIO DO TEJO é uma boa forma de digerir o repasto, mas também de conhecer um pouco mais a história de Alcochete, que desde o século XVIII se viu obrigada a erguer barreiras físicas contra o avanço do rio. Já perto da Igreja da Misericórdia (que após obras irá acolher o posto de turismo e o museu municipal de arte sacra) estende-se a PONTE-CAIS, de onde o cacilheiro a vapor “O Menino” partia em direção à Praça do Comércio. Hoje, partem dali os passeios turísticos no BOTE LEÃO, dinamizados pelo município entre maio e outubro.

“Este bote de fragata era conhecido como ‘o rei dos nordestes’ pela forma ágil e rápida com que navegava no Tejo”, conta Marco Simeão, de mão agarrada ao leme, enquanto o seu colega Mário Sousa se ocupa de outras tarefas. O primeiro registo da embarcação data de 1781, conforme se lê inscrito na antepara da ré, e na verdade ela é uma réplica exata da original, que assegurou o transporte de pessoas e de sal na região entre o final do século XIX e 1960. Com 15,5 metros de comprimento, o bote foi construído em madeira de pinheiro manso e pintado por um dos últimos carpinteiros navais da vila.

À medida que este museu flutuante com capacidade para 45 pessoas navega com a sua imponente vela em direção ao estuário do Tejo, o mestre Marco vai chamando a atenção para antigos fornos de cal e vestígios de estaleiros navais. E conta a lenda da Ermida de Nossa Senhora da Atalaia que numa noite de tempestade terá emitido uma bola de fogo para ajudar os marítimos a encontrar a direção para terra. Assim nasceram as fogaças de Alcochete, para sempre associadas à Festa do Círio dos Marítimos, realizada na Páscoa.

As fogaças de Alcochete vendem-se em três tamanhos diferentes. (Fotografia de Paulo Spranger/GI)

O doce é feito com farinha, açúcar amarelo, limão, canela, margarina vegetal, leite e água, e após a cozedura em forno a lenha fica crocante por fora e mole por dentro. “Antigamente as fogaças eram feitas só durante a Páscoa, depois voltaram a ser feitas todo o ano e a PIQUEIRA é a única padaria da vila que as faz diariamente” (além de outros pães regionais), afiança Júlia Piqueira, que ajuda o marido no negócio fundado em 1909. No Largo Almirante Gago Coutinho, a disputar a mesma clientela, funciona também a padaria Popular, onde a fogaça é acompanhada por um copo do respetivo licor.

Já na petiscaria JOANA COME A TAPA, aberta por Joana e Miguel Ribeiro – ela ex-técnica bancária, ele formado em Ciências do Desporto e antigo jogador de futsal – o brinde faz-se com cerveja ou vinho, a companhia ideal dos pratos de partilha que ali se servem. Na carta há tapas de inspiração portuguesa e com toques originais, como os pastéis de massa tenra recheados com carne de cozido à portuguesa e os rebuçados de faisão desfiado, e sobremesas caseiras. Um novo negócio e mais uma prova de como Alcochete tem vindo a renovar-se, afirmando-se como destino por direito próprio.

 

Tradições das salinas à lezíria
A melhor forma de ficar a par da história, tradições e costumes do concelho é visitar o MUSEU MUNICIPAL, que dá as boas-vindas a quem chega com as figuras do salineiro, do campino e do forcado, identitárias do maior cartaz turístico do concelho, as Festas do Barrete Verde das Salinas, realizadas desde 1941. A diversidade sociocultural é espelho da riqueza territorial, que além do rio tem também um lado rural, sobretudo na Herdade de Rio Frio. O Porto dos Cacos, aqui localizado, é um dos locais arqueológicos mais representativos da passagem dos romanos, cujos antigos fornos de cal foram aproveitados pelos árabes. O nome Alcochete, inclusive, deriva do árabe al kuxat (“o forno”).

 

Estância da corte e berço de D. Manuel
No século XV, Alcochete era uma estância de repouso eleita pela corte portuguesa em virtude dos seus bons ares e da abundância de caça. D. João I ia para a vila descansar e o Infante D. Fernando escolheu-a para viver, assistindo ao nascimento do seu filho D. Manuel, o Venturoso, a 31 de março de 1469. Disso dão conta um padrão junto ao Passeio do Tejo e o monumento na avenida em sua homenagem. O monarca, que de resto foi o primeiro a assumir o título de Rei de Portugal e dos Algarves, d’Aquém e d’ Além-Mar, deu foral à vila em 1515, quando esta abastecia a de produtos como vinho, sal, fruta, carnes de caça, lenha e carvão. Na época dos Descobrimentos era também dali que partiam grandes quantidades de madeira rumo a Lisboa.

 

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Reportagem originalmente publicada na Revista Evasões de 12.11.2021.



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