Saborear a literatura, a cozinha e outras artes, em Cantanhede

Marquês de Marialva, Cantanhede (Fotografia: Maria João Gala/GI)
A Gândara inspirou a obra de Carlos de Oliveira, que cresceu em Febres, numa casa tornada museu. Pretexto para revisitar os trabalhos do escritor e sair em passeio - com tempo para apreciar os perfumes do mar e da boa mesa.

Entrar na CASA CARLOS DE OLIVEIRA, em Febres, Cantanhede, é conhecer melhor o homem, a obra e a própria Gândara, para onde o escritor se mudou bem cedo com os pais, até então emigrados no Brasil. O autor, associado ao neorrealismo, contactou com realidades duras, como a pobreza dos camponeses e a mortalidade infantil, ou não fosse o pai médico municipal. E, através da escrita, denunciou os desequilíbrios sociais em redor. A vida árdua dos camponeses é retratada logo no primeiro romance, “Casa na duna”, que começa assim: “Na gândara há aldeolas ermas, esquecidas entre pinhais, no fim do mundo. Nelas vivem homens semeando e colhendo, quando o estio poupa as espigas e o inverno não desaba em chuva e lama”.

Casa Carlos de Oliveira (Fotografia: Maria João Gala/GI)

Casa Carlos de Oliveira (Fotografia: Maria João Gala/GI)

 

A casa-museu exibe parte do espólio de Carlos de Oliveira, incluindo mobiliário e livros. Procura-se recriar o ambiente da sua escrita, através da máquina de escrever e das estantes que tinha na sala de Lisboa, onde viveu após a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas, feita em Coimbra. Avançando, encontra-se quadros da autoria do próprio e peças em faiança pintadas igualmente por si, junto a um retrato assinado pelo amigo Lima de Freitas. Para completar, há exposições que abordam aspetos como a poesia do autor ou o seu trabalho de constante revisão e aperfeiçoamento. E ainda um recanto dedicado a mais escritores da Gândara.

 

Presidentes e um prémio Nobel à mesa
Por Cantanhede passaram também outras figuras ilustres, como atesta o livro de honra do restaurante MARQUÊS DE MARIALVA, já na cidade. Este negócio criado em 1975 por José Carlos Guerra, agora gerido pelo filho Pedro, merece desvio qualquer que seja o caminho. À sua mesa sentaram-se presidentes da República e artistas célebres, entre eles José Saramago, Prémio Nobel da Literatura, que o menciona no livro “Viagem a Portugal”. “Pagou o viajante a conta e saiu com a impressão de que ainda tinha ficado a dever qualquer coisa”, conclui, amplamente satisfeito com a refeição.

 

O que ali se propõe é “comida mediterrânica tradicional, de conforto, feita devagarinho e respeitando os produtos”, descreve Pedro Guerra. “O refogado do arroz de robalo selvagem é feito só com legumes biológicos”, e “não há refogado que não leve bom vinho”. Afinal, estamos em terra dele: parte do concelho já se insere na Bairrada. Entre as especialidades estão o cabrito assado à padeiro, bem como a chanfana. E são famosas as entradas que chegam em folhas de couve lombarda, com base em produtos regionais: fumeiro, queijos e fruta. Aquilo a que Pedro chama “um desbloqueador de conversas”.

Sugestão diferente tem o restaurante de cozinha japonesa SUSHI P’RA TI!, que o chef David Neto e a mulher, Marina Cadioli, mantêm há oito anos no centro de Cantanhede. Quando David experimentou sushi pela primeira vez, já se interessava por cozinha, gostou e quis saber mais. Depois de fazer um curso com o chef Paulo Morais e de estagiar num restaurante, começou a preparar refeições para amigos. “De repente, tinha em casa pessoas que não conhecia”, lembra.

Sushi p’ra ti! (Fotografia: Maria João Gala/GI)

Sushi p’ra ti! (Fotografia: Maria João Gala/GI)

 

O espaço abriu essencialmente com sushi e ainda hoje o que mais sai são os combinados com peças à escolha do chef, em modo tradicional ou de fusão. Mas a oferta também compreende pratos de partilha, servidos nas chamadas izakayas, tascas onde se vai beber e petiscar. Uma refeição pode incluir, por exemplo, kare pan (pão de caril japonês), tori karaage (frango frito), ceviche Nikkei (cubos de peixe, cebola roxa, malagueta e coentros marinados em molho cítrico) e outras opções. Na garrafeira, brilham vinhos da Bairrada e bebidas do Japão.

 

Da arte xávega à arte de Bordalo II
Renovadas as energias, vale a pena seguir até à costa, Gândara pura. Na Praia da Tocha, fica o CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DE ARTE-XÁVEGA, dedicado a um método tradicional de pesca que ainda se pratica e esteve na base do povoamento do lugar. Tem em exposição objetos como um remo do barco S. Pedro, dos anos 1980, fotografias de época, agulhas de coser as redes e algum artesanato.

Numa parede exterior, aquele edifício de linhas modernas exibe ainda uma peça do artista Bordalo II, que usa detritos para representar animais extintos ou ameaçados de extinção, num alerta para a importância de cuidar do ambiente. Neste caso, trata-se de uma belemnite, molusco já desaparecido, que costuma surgir fossilizado no calcário da região. A instalação resultou do programa cultural em rede “O mar que nos une”, que também envolve os municípios de Mira e Figueira da Foz. Se apetecer seguir viagem, há muito caminho a percorrer, para lá dos livros.

Centro de Interpretação de Arte-Xávega (Fotografia: Maria João Gala/GI)

Centro de Interpretação de Arte-Xávega (Fotografia: Maria João Gala/GI)

 

Música, cinema e batata assada na areia
O verão é intenso em atividades culturais na Praia da Tocha, e uma delas recria pratos típicos da Gândara. É o FESTIVAL DA SARDINHA ASSADA NA TELHA E DA BATATA ASSADA NA AREIA, que costuma acontecer em meados de agosto, altura em que regressam à terra os filhos emigrados. “A batata assada na areia, tradicionalmente, era feita nas dunas, na areia branca perto do mar, que lhe dava um certo sal. Abre-se uma cova grande, faz-se uma fogueira para aquecer a areia e mete-se as batatas ali dentro”, explica Helder Gonçalves, membro da direção da Associação de Moradores da Praia da Tocha, organizadora do evento. Já a sardinha da telha era confecionada de véspera, para levar para a vindima ou para a ceifa, aproveitando o forno de lenha quente da cozedura da broa. Em tempos não muito distantes, a batata assada na areia era acompanhada também por bacalhau assado na brasa, prossegue Helder, recordado dessas práticas na família.

Por iniciativa da mesma associação, a Praia da Tocha recebe ainda, normalmente em julho, a MARMOSTRA, uma mostra de curtas-metragens cujo grande tema é o mar. E em agosto chega a CATRAIA, um festival de artes que procura estimular a consciência ambiental. O programa inclui concertos, oficinas e outras iniciativas, como feiras de trocas ou ações de limpeza. O nome remete para uma expressão que consta do “Glossário de termos gandareses”, de Idalécio Cação: andar à catraia significa andar rente ao mar, na praia, à procura de despojos trazidos pelas ondas.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 




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