Ruralidade e heroísmo: um roteiro pela Ribeira Sacra, na Galiza

Vista para o Desfiladeiro do Rio Sil a partir da Bodega Regina Viarum, Ribeira Sacra.(Fotografia de Pedro Granadeiro)
Nesta região no interior da Galiza há um palácio que foi cenário de uma violenta revolta, um desfiladeiro com muitas histórias e uma adega que celebra a “viticultura heroica”. uma região de vinhos de denominação de origem entre as províncias de Ourense e de Lugo, é delimitada pelos rios Sil e Minho.

O som da água corrente acompanha todo o percurso que se pode fazer nos jardins do Palácio de Sober, em Lugo. “Cada jardim leva a outro jardim”, comenta Raquel Nuñez, diretora do HOTEL ÁUREA SOBER, acompanhando um passeio, o Botanic Tour, que usualmente se faz com os hóspedes, enquanto relata alguma da história do edifício cuja primeira construção remonta ao século VII, com uma torre medieval.

Já quase nada resta das primeiras pedras, pois ao longo dos séculos o palácio foi-se modificando e crescendo, sendo mesmo, atualmente, o maior edifício civil de toda a Galiza. “Começou muito pequeno, pertencia à família López de Lemos, senhores de Sober e Ferreira; toda essa dinastia foi ampliando a casa.” E por aqui passou uma das maiores revoltas contra os senhores da alta nobreza que a Galiza – e a Europa – já viu.

“O filho de Alonso López de Lemos, Diego de Lemos, participou da Grande Revolta Irmandinha de 1467”, prossegue Raquel. Epidemias de peste, más colheitas agrícolas e lutas internas dentro da nobreza fizeram com que esta fosse exigir mais rendas tanto ao clero como ao povo. Estes uniram-se a alguns membros da nobreza, também revolucionários, para lutar contra os abusos de poder e Diego foi um dos líderes mais importantes, tendo, conta-se, sido o exército liderado por ele que derrubou a torre do palácio do seu pai.

“A torre era igual há que ainda existe”, agora sobram apenas algumas pedras. Ao entrar-se no hotel, passa-se por esse quadrado onde crescem hoje exuberantes fetos. O palácio pertenceu à família até ao século XIX, tendo sido posteriormente abandonado e praticamente esquecido.

Foi apenas no século XXI, em 2007, que começou a ser reabilitado. “Uma empresa de Madrid quis instalar aqui um hotel de cinco estrelas, que abriu em 2010. Acabou por não ter o sucesso desejado, precisamente pelo seu luxo, que se refletia em preços muito altos”, conta Raquel. Ficou outra vez ao abandono, até que o grupo Eurostars Hotel Company o recuperou para abrir um dos seus Aurea (todos eles em edifícios históricos), em 2019.

Tem 43 quartos, um spa, piscina exterior e um restaurante, o Dona Branca (nome que remete para uma casta de uva galega), instalado no rés-do-chão, numa sala de fachada envidraçada rodeada por arcos do século XVIII. As portas ligam diretamente a um jardim geométrico ao estilo francês, com uma fonte a assinalar o centro. Está delimitado por um muro de pedra do lado direito. À frente, um corredor de vinhas funciona como uma pérgula que separa este jardim de um espaço aberto, por trás de outro muro, que serve de pasto a uma manada de vacas.

Virando à direita, abrem-se outros recantos ajardinados e num deles esconde-se uma horta. “O nosso cozinheiro quis plantar aqui tomates, flores comestíveis… Semeou um pouco de tudo; é um jardim dentro de jardim.” Mais atrás, fica um poço, um pequeno lago, tanques de pedra e uma piscina resguardada. Nas tours botânicas, junto à horta, os hóspedes são convidados a plantar uma árvore.

Um pouco afastado do edifício há uma zona onde a natureza aparece de forma mais selvagem. Percorrendo-se um carreiro de ervas altas chega-se a um pombal recuperado. “Acho que aqui é um bom sítio para se organizar provas de vinhos”, refere a diretora, pensando no que o espaço ainda tem para explorar. Também ali a poucos metros ficam umas ruínas que serão em breve estudadas por arqueólogos. “Pensa-se que será das primeiras edificações do palácio, mas não sabemos o que era nem para que servia. Talvez fosse uma adega.” Isto tudo entre altas cerejeiras bravas, mas de doce fruto.

A uns passos de distância, o ambiente muda novamente. Está-se num bosque de carvalhos, onde se escondem casas de pássaros e de morcegos. O espaço é pontuado por esculturas em pedra de cantaria. É que o hotel organiza, desde há três anos, um festival de canteiros (ver caixa). Ali vão passar um fim de semana vários artistas de toda a Espanha e as melhores obras ficam expostas no bosque. Estes espaços são de acesso público. “Mesmo quem não se queira instalar no hotel, pode vir aos jardins, fazer aqui uma refeição. Estamos muito conectados com as gentes daqui”, refere Raquel Nuñez. “Muitas famílias vêm cá no fim de semana passear, não lhes vamos negar a entrada. Queremos que isto seja conhecido.”

Viticultura Heroica
A ideia é mesmo mostrar este território rico em história (é o território galego com maior número de monumentos medievais, mesmo o hotel tem ainda janelas com namoradeiras da época) e em cultura de vinho. Uma das cinco regiões demarcadas da Galiza, a Ribeira Sacra (criada como DO em 1997) é conhecida pela sua prática de “viticultura heroica”, designação que só pode ser aplicada quando o cultivo da uva é feito em condições extremas, como em encostas com mais de 30 graus de inclinação, grande altitudes, locais de difícil acesso ou ilhas. E onde a mecanização seja praticamente inexistente, porque difícil.

Muita dessa história – que remonta à época da ocupação romana – se pode ficar a conhecer-se numa visita guiada à BODEGA REGINA VIARUM, situada num monte sobranceiro ao rio Sil, principal afluente do Minho. “Isto era um miradouro natural, com vinhedos de vitivinicultores privados. A família Gómez Araújo foi comprando terras e construiu a adega”, diz-se aos visitantes.

Regina Viarum é, assim, uma das adegas mais recentes da região da Ribeira Sacra (sub-região de Amandi), com vinho no mercado desde 2002. As instalações foram pensadas tanto para a produção de vinho como para o enoturismo de qualidade. A visita começa na sala das aduelas, onde se explica como se classificam os diferentes vinhos. Não há designações de “crianza”, “reserva” ou “gran reserva”, como noutras regiões de Espanha. Os vinhos são “jovens” ou de “barrica”. O primeiro é elaborado num prazo de cinco ou seis meses, sendo que em fevereiro já está pronto para ser consumido. O outro estagia vários meses em barrica.

À volta do edifício, estão plantados em parcelas de socalcos 20 hectares de vinhedo, no vale do Sil. Isso permite que a empresa certifique a prática de agricultura heroica para a produção dos seus vinhos. Considerada uma da adegas mais inovadoras da Galiza, pela tecnologia que utiliza, a Regina Viarum faz os seus vinhos principalmente utilizando duas castas, a tinta Mencia (em Portugal conhecida por Jaen), com que elabora 80 por cento dos vinhos, e a branca Godello (no norte de Portugal, Gouveio).

Depois da visita e das provas, leva-se o copo cheio para a varanda/terraço com vista aberta sobre o rio, que pode ser percorrido em viagem de catamarã (tanto a visita à adega como a viagem de catamarã podem ser marcadas através do hotel). Conhecido por DESFILADEIRO DO SIL, é uma reserva da biosfera que Manuel conhece como poucos. Há vários anos que pilota o catamarã que sai do cais de Os Chancís e percorre alguns quilómetros mostrando pequenas manchas de vinhas heroicas, com inclinações que chegam aos 45 graus, algumas já abandonadas, outras ainda a produzir, mantidas por pessoas mais velhas, como é o caso de duas irmãs, nos 70 anos, que continuam a colher as uvas de família. Um sistema de cordas ajuda na tarefa hercúlea que é transportar os pesados cestos de uvas nestas encostas.

No desfiladeiro, percebe-se também duas realidades paisagísticas. De um lado, o de Lugo, a vegetação mais mediterrânica. Além de vinhas, há pinheiros e medronheiros; do outro lado, de Ourense, não tão banhado pelo sol, cresce vegetação atlântica, como castanheiros e carvalhos, e não há vinhedo.

Escondido entre pedras e vegetação, vislumbra-se o mosteiro medieval de Santa Cristina, um dos muitos que ali se instalaram. A área é também famosa pelos miradouros, dos quais Manuel destaca os “balcões de Madrid”, em Parada de Sil, assim chamado porque “os galegos que iam trabalhar para Madrid, para encontrarem melhores condições de vida, cruzavam ali o rio para apanharem o comboio em Monforte de Lemos, que os levaria à capital do estado espanhol. História da dura ruralidade galega, hoje tão celebrada.

Partilhar
Morada
Camiño do Pazo, Sober, Lugo
Telefone
+34 982 299 189


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
Partilhar
Mapa da ficha ténica Mapa da ficha ténica
Partilhar
Morada
Doade, Sober, Lugo
Telefone
+34 982 096 031

Website

GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
Partilhar
Mapa da ficha ténica Mapa da ficha ténica
Partilhar
Morada
Cais de Os Chancis, Sober
Telefone
+34 982 460 714
Horário
Terça a domingo (mínimo 6 pessoas)

Website

GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
Partilhar
Mapa da ficha ténica Mapa da ficha ténica




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend