Roteiro por Aveiro, paraíso entre o mar e a ria

Reserva Natural das Dunas de São Jacinto. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)
São Jacinto tem praia, dunas, e areal generoso de um lado, ria de águas calmas do outro. Tem ciclovia junto à marginal com vista para uma marina e ferryboat que leva e traz gente. Tem um ecossistema tão genuíno que está em constante transformação, peixe fresco e cheiro a maresia.

“Estranha gente esta onde os bois lavram o mar.” A frase escrita no chão cor de terra avermelhada, área de ciclovia, na marginal de São Jacinto rente à marina da ria, resume a essência deste pedaço de terra rodeado de água por todos os lados, exceto por um. A gente desta península não é assim tão estranha. É gente que aproveita o que o mar dá, que outrora usava animais para puxar os barcos para a areia, que guarda memórias do tempo da secagem do bacalhau e da azáfama dos estaleiros navais que agora são edifícios em ruínas. É gente que seca roupa em estendais comunitários e tem fogareiros à porta de casa.

São Jacinto vive encaixado entre o mar e a ria e é um paraíso natural. A RESERVA NATURAL DAS DUNAS DE SÃO JACINTO ajuda a formar o cordão de areia que separa a ria de Aveiro do oceano Atlântico. São 960 hectares, 210 dos quais de área marinha, com uma enorme diversidade natural de fauna e flora entre árvores, trilhos pedestres, pateiras, plantas que crescem na areia. “É um laboratório vivo onde é possível perceber a dinâmica dunar”, refere João Carvalhinho, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. É uma reserva em constante mutação e Joaquim Costa, vigilante da natureza, não tem dúvidas. “É o cordão dunar mais bem conservado da Europa”, comenta.

Reserva Natural das Dunas de São Jacinto. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

Camarinha. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

Estorno. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

O CENTRO INTERPRETATIVO é a porta de entrada e dá uma perspetiva visual e gráfica do que existe no seu miolo. E é tanto. Carvalhos e pinheiros-bravos, camarinheiras, cardos-marítimos, botões azuis das praias, bocas-de-lobo, borboletas, libelinhas, piscos-de-peito-ruivo, garças, chapins-reais, raposas, ginetas, coelhos. E, silêncio, que ali se ouvem os patos, que por lá andam, de várias espécies, pato real, galinha de água, mergulhão. É a natureza tal como é, sem filtro, e tão bonita que é, acessível por uma rede de trilhos pedestres em duas caminhadas, a mais extensa de oito quilómetros, a mais curta de 3,5 quilómetros. Um pedaço de rara beleza por entre zonas florestais, pinhais, lagoas, vegetação dunar, e biodiversidade a perder de vista.

Centro Interpretativo e de Acolhimento da Reserva Natural das Dunas de São Jacinto. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

A vida corre devagar na MARGINAL DE SÃO JACINTO, há pouco trânsito, algumas bicicletas, gente que passeia, um ferryboat que chega e irá atracar, e um homem vestido à marinheiro que toca acordeão e faz coreografias engraçadas. Helena Antunes não tem mãos a medir na cozinha, são pães, são bolos, são sandes, é uma vitrina vistosa de doces que fazem crescer água na boca na PADARIA E PASTELARIA PROGRESSO – decoração moderna e esplanada a poucos metros da ria. É um negócio familiar, com 35 anos de vida, e tudo o que se vende é feito ali.

Bolo “perna de pau”, da Padaria Progresso. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

Diversidade não falta, de pastelaria tradicional há quase tudo, mais bolo escangalhado, ovos moles, sonhos, rabanadas, pudim, bolos de aniversário por encomenda, castanha de ovos, bolo de maçã, de laranja, de noz. Vários tipos de pão, de alfarroba, de beterraba, de abóbora, regueifa de canela, regueifa de coco. E a invenção da casa, o bolo perna de pau que lembra o gelado. Helena Antunes não pára, mas garante que São Jacinto é um sítio calmo. “É muito tranquilo para viver.”
São Jacinto termina onde a ria e o mar se encontram, tem vista para o Farol da Barra, em Ílhavo. O FERRYBOAT é o transporte mais rápido para ligar a Aveiro, há barcos que vão e vêm, que transportam gente, carros, motas, bicicletas, todos os dias, em horários regulares. É um passeio na ria que tem um certo encanto.

AMEIJÔAS, OSTRAS E MARISCO
Rui Teixeira é o grelhador de serviço, na grelha à vista dos clientes num corredor que é local de passagem entre uma sala e outra do seu restaurante A PEIXARIA bastante concorrido na freguesia. A cozinha também é aberta, o ambiente é descontraído, come-se à mão o que é de comer à mão, numa carta que é perdição para quem gosta do que sai do mar e da ria. Todos os dias, há entre 20 e 24 peixes à escolha. Rui Teixeira tem a sua técnica de grelhar, essa parte está por sua conta e risco, conhece a arte, as temperaturas, trata o peixinho como deve ser. Há algum segredo, Rui? “A paixão”, responde com um sorriso honesto.

Restaurante A Peixaria. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

Rui Teixeira, d’A Peixaria. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

Amêijoas à Bulhão Pato. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

A Peixaria é um caso sério em São Jacinto, tem mesa ao fim de semana só por marcação e há quem faça uns bons quilómetros para se sentar neste espaço que, antes de ser o que é, era precisamente uma peixaria. O nome ficou, Rui tomou conta da casa, transformou-a em restaurante e foi alargando o cardápio. Enguias fritas, petinga frita, amêijoas, mariscos, camarão da costa. Bacalhau à lagareiro, sardinha assada, lulas grelhadas e chocos com tinta na grelha. Robalo, rodovalho, peixe galo, rocaz, garoupa, sargo, cherne. Tudo grelhado. Saladas para todos os gostos, batatas a murro, arroz com tomate e feijão branco, acompanhamento improvável em pratos de peixe, e que à primeira garfada se percebe o sentido que faz. Também há carne, vitela e lombo assados, entrecosto grelhado, bifes. À sobremesa, doce de migas de amêndoa feitas com broa de milho, ovos e canela.

De São Jacinto ao MARINA BY LUÍS LAVRADOR são alguns minutos de ferryboat e um passeio junto à ria. O chef Luís Lavrador, proprietário do Fama em Aveiro, pensou em tudo ao pormenor no seu restaurante recatado com esplanada em dique de madeira, janelas envidraçadas viradas para a ria e para uma pequena marina. Os finais de tarde são inesquecíveis quando o sol se põe na linha do horizonte, há tardes com concertos acústicos e sunsets com DJ.

É um espaço sofisticado com uma carta com produtos da região, samos fritos com maionese de alho e ervas, ostras do dia, o naco de bacalhau é um bestseller, o arroz de lingueirão não fica atrás, o semifrio de ovos moles e gelado de café surge nas sobremesas. “É um restaurante de cozinha de conforto tradicional portuguesa com produtos da ria e do nosso mar”, refere Luís Lavrador. O empratamento não passa despercebido. “É o tradicional cuidado, damos um toque de beleza, não perdemos a essência do prato”, garante.

Luís Lavrador, proprietário do restaurante Marina. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

Ostras. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

Sala do Marina by Luís Lavrador. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

Caldeirada de navalhas. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

O peixe é o que o mar trouxer: corvina, garoupa, peixe galo, pregado, cherne, vendido ao quilo. Há sopa de peixe e marisco aromatizada com coentros, gambas salteadas ao alho em azeite de coentros e infusão de gengibre, sapateira recheada. Há carne também, bife de vitela na frigideira com mostarda antiga, picanha wagyu grelhada, e petiscos com moelinhas estufadas em vinho baga e tomilho, caracóis, salada de salmão fumado, presunto de porco preto laminado. E pão, sempre pão. “Em casa portuguesa tem de haver pão à mesa.”

Encostada à ria, à saída do ferryboat, do lado esquerdo, está a área militar de São Jacinto, a única do país que pertenceu aos três ramos das forças armadas: Marinha, Força Aérea, e Exército. Hoje é do Exército, há gente fardada que entra e sai desta unidade militar que integra a rota do turismo militar. As visitas estão suspensas por força das circunstâncias, mas logo que haja indicações, as portas reabrem-se para um roteiro com passagem em lugares estratégicos e visita a um museu que conta histórias através de quadros, pinturas, azulejos.

A única praia de Aveiro fica em São Jacinto. E é uma bela praia com acesso em passadiço, dunas e vegetação, e um extenso areal a perder de vista para norte. A POUSADA DA RIA não fica longe da praia e da ria, foi imaginada em 1962, tem traços arquitetónicos dos anos 70, desenhada de raiz para ser o que é. É uma pousada de charme, salas com vista para a ria, a porta do bar dá para a piscina que fica num jardim e de onde se vê a praia privativa. Tem 24 quartos, entre os quais duas suítes e dois comunicantes, com ria aos pés, bicicletas à porta para passeios nas redondezas.

Pousada da Ria. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

Um dos quartos da Pousada da Ria. (Fotografia: Maria João Gala/Global Imagens)

“A principal característica é a tranquilidade, o recuperar de forças, de quem está em ambiente de cidade”, adianta Arlindo Tavares, diretor da Pousada. O restaurante ocupa uma sala luminosa, esplanada quase em cima da ria, e está aberto para hóspedes e não hóspedes. Os produtos da região brilham na ementa. As empadinhas de amêijoa da Ria de Aveiro são uma bela entrada, há sempre uma sugestão do dia e pratos como arroz de tamboril com gambas, caldeirada de enguias com pimentos verdes e vermelhos, bife da vazia na tábua, lombinhos de porco, risoto de cogumelos. Nos doces, conta-se com pavlova de frutos vermelhos e pão de ló húmido.

Não chegam a ser 14 quilómetros quadrados de área, da ria ao mar, do mar à ria. São Jacinto não tem mil habitantes, mas aquela gente, que até pode ser estranha, sabe estar, sabe receber, e partilhar o seu bem estar.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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