Roteiro pelo Fundão entre cogumelos, castelos e aldeias históricas

Cerejas na primavera, cogumelos no outono. Há sabores e saberes para conhecer durante todo o ano neste concelho da Beira Baixa, seja na cidade ou nas aldeias históricas, entre as serras da Gardunha e da Estrela.

Roteiro originalmente publicado na revista Evasões de 6 de dezembro de 2019. Os horários e outras informações podem ter sofrido alterações.

À hora de jantar, o termómetro do carro indica 4,5 graus celsius. “Quando cai neve na Serra da Estrela fica sempre mais frio aqui”, diz Patrícia Ramos, técnica de turismo no município do Fundão. Mas o frio não afasta as pessoas que começam a encher as ruas de Alcaide, a pequena aldeia do concelho que costuma atrair 30 mil visitantes com o Míscaros – Festival do Cogumelo, que se realiza há 11 anos.

Os bombos de Lavacolhos tomam conta da rua. “São o grupo de bombos mais reconhecido do país e costumamos dizer que é o som que faz estremecer o coração”, diz Patrícia elevando a voz sobre o ribombar dos instrumentos. Os homens apoiam-nos numa perna e batem com a maceta vigorosamente na membrana de pele de cabra, casando o som com a melodia de um pífaro beirão.

O festival atrai 30 mil pessoas à aldeia de Alcaide. (Fotografia: DR)

O festival estende-se por meia-dúzia de ruas e largos e oferece muito que ver, fazer, comprar e saborear à volta do cogumelo, como animação de rua com cavalos alados e figurantes, ou as sessões de cozinha ao vivo dadas por chefs. Passeia-se entre bancas de artesanato e compram-se cogumelos em saquinhos. Muitos jantam em tasquinhas e no restaurante Fiado, que por estes dias costuma mudar-se da aldeia Janeiro de Cima para a Casa Cunha Leal.

Só na Serra da Gardunha estão identificadas 400 espécies de cogumelos.

Os rissóis de cogumelo e cogumelos recheados chegam à mesa para abrir o apetite para os pratos regionais, como o arroz de carqueja, carne e enchidos. Como sobremesa, a população faz um périplo por casas cheias de calor humano e em que o corpo se aquece com licores de tudo e mais alguma coisa (inclusive de cogumelo). A segurança alimentar dos cogumelos confecionados no festival é garantida pelo Centro de Recolha do Cogumelo, instalado na antiga cantina da escola básica de Alcaide.

Há 400 espécies de cogumelos identificadas na Serra da Gardunha. (Fotografia: DR)

Aprender num passeio micológico

Os recolectores de cogumelos silvestres deve levá-los ali para que sejam lavados, pesados, certificar se são, ou não, comestíveis e para serem avaliados conforme a espécie, quantidade e estado de conservação. “Todos os anos há um curso para formar as pessoas”, conta o responsável Vicente Atalaia, e existem quase 70 pessoas coletadas no concelho. O objetivo é promover a segurança alimentar do cogumelo e organizar o mercado.

Boletus, míscaros brancos e amarelos, raivacas, cantarelos e frades são os tipos de cogumelo que a população mais apanha na Serra da Gardunha, sabendo que são seguros. Mas para apanhar cogumelos é essencial saber do assunto. E José Matos, de 73 anos, é um dos especialistas. Ex-comissário de bordo da TAP, mudou-se há 13 anos para o Fundão para “fugir aos aviões” e recuperou uma quinta, de 20 hectares, cheia de cogumelos. Chamou-lhe Quinta Vale D’Encantos.

José Matos (à esq.) é um dos maiores especialistas em cogumelos no Fundão. (Fotografia: DR)

“Sem sair daqui, identifiquei até hoje 233 espécies, 40% delas comestíveis” (só na Serra da Gardunha estão identificadas 400). Muitos deles escondem-se debaixo da folhagem outonal e é José Pedro, o seu ajudante, que os deteta e coloca no cesto de vime que leva debaixo do braço, para que “vão largando os esporos” (um pó microscópico) que asseguram a sua reprodução.

Os Amanita muscaria, vermelhos e com bolinhas brancas, lembram os cogumelos da Walt Disney, mas são mortíferos.

José Matos viaja pelo quarto reino da natureza (os cogumelos são fungos e surgem depois dos reinos animal, vegetal e mineral) sem sair da quinta, mas também recebe muitos estrangeiros. Aprendeu as bases com o engenheiro agrónomo José Luís Gravito Henriques, “um dos maiores conhecedores de cogumelos em Portugal”, e lançou-se ao estudo deste fruto do fungo, tornando-se entendedor a ponto de integrar agora um grupo de especialistas italianos, a nação “que mais sabe sobre cogumelos na Europa”.

Quando colhidos, os cogumelos devem ser levados num cesto com aberturas, para espalharem os poros. (Fotografia: DR)

A meio do passeio micológico, José Matos aproxima-se de vários Amanita muscaria, vermelhos e com bolinhas brancas a lembrar os cogumelos de “Alice no País das Maravilhas”, da Walt Disney. Atenção: este é mortífero e pode em algum momento ser confundido com o Amanita caesarea – esse sim, comestível. “No império romano só os imperadores o podiam comer. É muito bom fatiado com azeite, sal e pimenta”, aconselha. Em caso de dúvida sobre a toxicidade de um cogumelo, o recomendado é não comer, seja cru ou cozinhado.

 

Subir às aldeias de montanha

A quinta, mantida quase selvagem, é também produtora de cerejas e habitat de javalis, veados e lontras. A paisagem confunde-se com a da Serra da Gardunha, que guarda ainda a vegetação mediterrânica original, marcada por matas de pinheiros e carvalhos. Na primavera, o espetáculo branco das cerejeiras em flor atrai milhares ao Fundão.

Enquanto não há cerejas para colher e os cogumelos abundam na terra e no prato, vale a pena partir à
descoberta de outras paragens, sem sair do concelho, como a aldeia de Castelo Novo, uma das 12 Aldeias Históricas de Portugal. O topónimo recorda a génese do povoado medieval que ali se instalou e ergueu um castelo, sobre a rocha granítica, há 817 anos. Com o primeiro foral atribuído desde 1202 por D. Sancho I, a aldeia viu parte da fortificação ruir, já em 1755, restando parte da torre de menagem (visitável), a 350 metros de altitude.

O monumento mais antigo é, porém, uma lagariça, datada entre os séculos VII e VIII, que servia para a pisa da uva e recolha do mosto. Numa volta pelas ruas estreitas e forradas a granito encontram-se também a bonita Igreja de Nossa Senhora da Graça, do século XVIII, com o símbolo da Ordem dos Templários no arco; e o chafariz D. João V, incrustado numa das arcadas da Antiga Casa da Câmara.

Em Alpedrinha encontra-se a Fonte D. João V, do século XVIII, “o maior chafariz da Beira Interior”.

A dureza do granito marca também o aspeto da vila de Alpedrinha, cujas fundações datam do tempo romano (há 1900 anos). Tal é visível na estrada romana que atravessava a serra para norte, e que hoje encaminha os visitantes até ao Palácio do Picadeiro, em frente do qual se tem uma vista panorâmica sobre a vila e, com sorte, até Espanha. O edifício data do século XVIII e confirma que muitas famílias brasonadas ergueram ali os seus refúgios barrocos, tornando a vila importante e próspera.

Uma das vistas panorâmicas em Alpedrinha. (Fotografia: DR)

Em baixo, encontra-se a Fonte D. João V, do século XVIII, “o maior chafariz da Beira Interior”, destaca Bruno Fonseca, técnico de turismo. A Igreja Matriz, a Câmara Municipal e a Capela de Santa Catarina são outros pontos de interesse. No terceiro fim de semana de setembro, a vila organiza o Chocalhos – Festival Caminhos da Transumância, que valoriza a tradição antiga de os pastores do Baixo Alentejo levarem grandes rebanhos para o topo da serra, onde o pasto era abundante nos meses de verão.

Já na aldeia de Janeiro de Cima, uma das 27 Aldeias do Xisto, a paisagem ganha outras cores. As ruas são igualmente sinuosas, tendo a igreja ao centro, e são tão apertadas que lhes chamam “quelhas” e só permitem a passagem de uma pessoa de cada vez. Por estar à beira do rio Zêzere, antigamente a travessia de gentes e mercadorias fazia-se em barcas. Hoje, elas servem passeios de lazer a partir do Parque Fluvial da Lavadeira, equipado com tudo o que é necessário para ali passar férias no verão. Pretextos não faltam para visitar o Fundão durante todo o ano.

 

Lendas e ateliês

São várias as lendas associadas às 12 Aldeias Histórias. Castelo Novo tem a lenda da bruxa
Belisandra, que versa sobre uma suposta bruxa ostracizada pela população, mas que foi salvação para
uma praga de gafanhotos que atacara os campos. A história foi reinterpretada e deu origem a fantoches
e bonecos feitos por crianças na Galeria Manuela Justino. Já na Casa das Tecedeiras, em Janeiro de
Cima, fica-se a conhecer o ciclo do linho e pode-se contribuir para um tapete coletivo trabalhando num
tear original. Tapetes, mantas do tempo das bisavós, cachecóis e panos de linho são alguns dos
produtos que ali vendem.

 

O Cerca Design House fica num solar do século XVII. (Fotografia: DR)

Dormir num solar do século XVII

O Cerca Design House é um dos sítios em que se pode pernoitar, perto do Fundão e a meia-hora de
carro da Serra da Estrela. Instalado num solar recuperado do século XVII, que pertenceu à família do
morgado de Chãos durante oito gerações, conjuga a sobriedade da pedra com o contemporâneo e
conforto da decoração. Tem 10 quartos e 5 villas para até quatro pessoas (equipadas com kitchenette e
com pequeno-almoço servido à porta), piscina exterior exclusiva, jacuzzi interior e um pequeno bar.

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.



Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend