Roteiro pela Madeira: na pérola do Atlântico, a joia são as vinhas

(Fotografia de Artur Machado)
Dos quartos incrustados em socalcos às casas seculares viradas a mar e rodeadas de vinha, das produções geracionais de pequena e grande escala ao emparelhamento com os sabores tradicionais à mesa: são vários os testemunhos do crescente enoturismo na Ilha da Madeira. Provas de uma diversidade vínica que vai muito além dos afamados fortificados.

Nos últimos cinco séculos, é inegável a popularidade e a força comercial do Vinho Madeira, elogiado por Winston Churchill, escolhido por George Washington para celebrar a independência dos EUA, em 1776, ou até referenciado por William Shakespeare em algumas das suas peças, como “Henrique IV”. Ainda assim, nem só de fortificados se faz o cenário e legado vínicos da Madeira, como provam os vinhos tranquilos de muitos produtores espalhados pela pérola do Atlântico.

Em busca desta diversidade, partimos rumo à costa sul da Ilha da Madeira, a mais soalheira. No Estreito da Calheta, uma propriedade virada de frente para o Atlântico, com quatro hectares – metade destes são de vinha –, alberga 14 casas rurais em tons terracota, além de uma casa-mãe com seis quartos duplos, e ainda duas piscinas exteriores. Construída no século XVII, a Quinta das Vinhas mantém-se até hoje nas mãos da mesma família e produz cerca de mil garrafas por ano.

A Quinta das Vinhas, na Calheta. (Fotografias de Artur Machado)

A quinta produtora de vinhos está nas mãos da mesma família desde o início.

Isabel Freitas, da Quinta das Vinhas.

Nas vinhas biológicas que rodeiam os alojamentos – algumas somam quatro décadas -, aposta-se em castas como Verdelho, Boal, Malvasia e Bastardo, esta última uma casta quase extinta na Madeira, que vem sendo recuperada. “Se alguém consegue resgatá-la, é aqui no sul da ilha. Temos o melhor clima”, ri-se Isabel Freitas, responsável de produção da quinta, que produz vinhos de mesa e licorosos. Os mesmos que se saboreiam em provas vínicas, abertas a qualquer pessoa, no restaurante Bago, que tem um irresistível terraço com vista oceânica. “É o melhor escritório que já tive”, adianta a responsável. Os solos vulcânicos e a exposição solar dão identidade aos vinhos da casa, entre os quais está o primeiro vinho tranquilo biológico madeirense, o Fanal Verdelho bio 2021, feito em parceria com a Justino’s.

A Quinta das Vinhas tem quartos rodeados de vinha.

Há duas piscinas exteriores na propriedade.

Algumas das vinhas da Quinta das Vinhas somam quatro décadas de vida.

Continuamos pela Calheta, rodeados de fileiras de bananeiras, até uns metros abaixo, mais perto do mar. Há quatro anos, o Socalco nascia inserido num vale de socalcos – ou “poios”, como lhes chamam os madeirenses, com 20 quartos duplos, metade destes incrustados nos terrenos da vinha. Trata-se de um projeto pelas mãos de Octávio Freitas, o chef natural de Câmara de Lobos que venceu, na primavera deste ano, uma estrela Michelin para o restaurante que lidera no Funchal, o Desarma. Todos os quartos têm vista mar e decoração minimalista, para fazer brilhar a natureza que espreita pelas janelas.

O Socalco junta alojamento e restaurante na Calheta.

Dos quartos, avista-se vinha e mar.

Os vinhos da casa, projeto do chef Octávio Freitas.

O edifício principal tem cinco séculos e ainda mantém o forno original, local onde se fazem atividades gastronómicas com o chef residente, André Gonçalves. O mesmo que assume a liderança do restaurante Razão, onde se aposta no desperdício zero, nas colheitas que chegam da própria horta e no produto fresco do dia. Aqui, serve-se uma “cozinha o mais simples possível”, conta André, para evidenciar a qualidade do produto, em pratos como a mendinha estufada a baixa temperatura com puré de batata, ervas e feijão verde; o pargo da costa com polenta de acelgas, compota de cebola e funcho; o atum amarelo da Calheta com húmus de manjericão, tomate cereja e agrião; ou o carpaccio de vieiras com creme de abacate e flores do jardim da propriedade, como os brincos de senhora.

À mesa provam-se também os vinhos de Octávio Freitas como o Galatrixa, 100% feito com as vinhas em redor, que junta Verdelho, Malvasia e Bastardo, com notas de ananás, banana e líchia. Ou o novo Massaroco 23, um clarete batizado em homenagem a uma planta madeirense, e um blend de Tinta Negra e Merlot.

André Gonçalves é o chef residente do Razão, o restaurante do Socalco.

Mendinha estufada, um dos pratos que se servem habitualmente no Razão.

Pelas vinhas da costa norte

Foi há precisamente dez anos que Maria João Velosa e Marco Noronha compraram um terreno em São Vicente, a meio da costa nortenha da Ilha da Madeira, trocando as carreiras de ambos na banca pelo projeto que aqui iria nascer, o Terrabona Nature & Vineyards, um boutique hotel e wellness retreat rodeado de serra e da floresta Laurissilva. Tem villas T1 e T2 encaixadas em socalcos, com cozinha equipada e jardins de ervas aromáticas. “É o nosso pequeno paraíso”, conta Maria João. Há ainda uma piscina infinita e um spa com vista mar e riacho, além de uma agenda onde não faltam provas vínicas, aulas de ioga, massagens e jantares com chefs convidados.

A aventura nos vinhos chegou depois do alojamento, estando a vinha, agora semi-orgânica, em processo de conversão a 100% biológica. “No início, o vinho era mais um complemento, mas a paixão cresceu”, revela a dona. No catálogo de vinhos de mesa Terra Bona, todos de pequenos lotes, destaque para o monocasta Verdelho, um vinho vegano com estágio em ânfora; e para os rótulos com a casta Arnsburger, com e sem estágio.

Maria João Velosa, proprietária do Terrabona, que gere com o marido, Marco.

Os vinhos são de baixa intervenção e a vinha está em processo de conversão biológica a 100%.

Além das provas de vinhos, também se pode dormir no boutique hotel da propriedade.

Ainda em São Vicente, o cenário de vales verdejantes e vinhas mantém da esplanada da Quinta do Barbusano, da qual se avista ainda o topo da Capelinha de Nossa Senhora de Fátima, situada no topo de uma colina. Este é o maior produtor de vinho madeirense não fortificado, com mais de dezena e meia de rótulos comercializados – entre brancos, tintos e rosés -, uma produção anual de 80 a 100 mil garrafas anuais e mais de 25 hectares de vinha, a maioria aqui, e alguns no Porto Santo. À frente do barco está António Oliveira, natural desta zona, e que fundou a quinta em 2006, um passo natural para um homem que já trabalhava em vindimas, para outros produtores.

A Barbusano, em São Vicente, tem mais de dezena e meia de rótulos no mercado.

Na quinta, fazem-se provas vínicas e passeios pelas vinhas.

O enoturismo chegou em 2018, oferecendo visitas pelas vinhas, provas vínicas e almoços no restaurante da quinta, onde se servem as tradicionais espetadas em pau de louro a ritmo constante, boa companhia à mesa para o bolo do caco torrado com manteiga de alho, mas há outras alternativas à carne, como bacalhau, atum ou cuscuz madeirense com legumes salteados. Presença assídua, os vinhos da casa, como o DOP madeirense Vinhas do António, blend de Sercial, Verdelho e Arnsburger; o Barbusano 100% Verdelho; o Barbusano Tinto, com Aragonez e Touriga Nacional; ou o Fonte d’Areia, com Caracol e Verdelho, entre outros. Qual destes combina melhor com as espetadas? “Todos”, ri-se o proprietário.

No restaurante da Quinta do Barbusano, servem-se espetadas em pau de louro.

Outros brindes pela ilha

No Estreito de Câmara de Lobos, a Vinhos Barbeito é uma produtora com oito décadas, nas mãos da mesma família desde o arranque. Hoje, têm um leque extenso de Vinho Madeira no mercado, com centenas de referências e um caminho longo desde o primeiro rótulo, um frasqueira (vinho premium referente a um ano, envelhecido no mínimo durante vinte anos) de 1978.

Aqui, trabalham-se castas como o Sercial (seco), Verdelho (meio seco), Boal (meio doce), Malvasia (doce) e Tinta Negra (que faz fortificados dos quatro tipos). A uva é comprada a 60/70 agricultores locais e chegam a produzir-se 200 mil litros de vinho licoroso por ano. A extensão da casa pode perceber-se melhor com uma visita guiada pela adega, explicando os processos de vinificação, seguida de uma prova junto à loja da Barbeito.

A adega dos Vinhos Barbeito, no Estreito de Câmara de Lobos.

Ali bem perto, é imperativo parar por uns minutos no Cabo Girão, um dos miradouros mais afamados da ilha, a mais de 500 metros de altura, para apreciar a panorâmica ímpar sobre o Funchal e esta franja da costa sul.

Cabo Girão.

Os próximos brindes fazem-se em Santo da Serra, freguesia do município de Machico. Este ano, os Vinhos Boneca de Canudo assinalam uma década sobre o primeiro rótulo no mercado, mas a paixão de Elsa Franco, machiquense de gema, em trocar a Engenharia Civil pelas vinhas chegou em 2006, quando começou a requalificar terrenos da família. Começaram pelos tintos (castas como Touriga Nacional, Syrah e Merlot) e estenderam-se depois aos brancos (Caracol e Verdelho), cultivando não só aqui, mas também na Porta do Sol e no Porto Santo. O enoturismo é uma aposta recente, permitindo visitar e provas os vinhos da casa, acompanhadas de queijos, enchidos e pão.

Há dez anos que se comercializam os Vinhos Boneca de Canudo.

Elsa Franco é a responsável pelos Vinhos Boneca de Canudo.

Apesar dos petiscos, a hora de almoço vai-se aproximando e o apetite pelos sabores tradicionais da cozinha madeirense levam-nos até à Camacha, a uma distância de vinte minutos de carro. O cheiro do forno a lenha sente-se ainda cá fora, à entrada, uma introdução ao ambiente rústico que a Adega do Pomar mantém – as mesas em madeira, a lareira, a azulejaria com motivos folclóricos e as loiças pintadas nas paredes.

Pelas janelas, espreita-se a serra em redor, mas o que chega à mesa rouba as atenções. Sejam a típica sopa de trigo – robusta, levando carne, enchidos, couves, feijão -, a sopa de tomate com ovo e segurelha, a costela de mendinha, o cabrito na púcara, o atum fresco na brasa, as bochechas de novilho – estas são as mais pedidas por quem aqui se senta a comer -, ou as feijoadas de leitão e de perdiz. O restaurante existe há três anos e, apesar da extensa lista de referências vínicas, vale a pena provar a sidra artesanal feita pela casa.

O cabrito na púcara é um dos pratos da Adega do Pomar.

A Adega do Pomar, na Camacha.

Provas licorosas no Funchal

No centro da capital madeirense, não faltam locais para explorar o néctar fortificado que faz parte da identidade fixa do arquipélago. Um destes é a adega H.M.Borges, que soma século e meio de vida, e se mantém nas mãos da mesma família há quatro gerações, atualmente gerido por duas primas, Isabel e Helena Borges. Aqui, visitam-se as salas de estufagem e envelhecimento dos quatro estilos de Vinho Madeira, descortinam-se as castas mais usadas, vindas das parcelas de mais de 100 agricultores locais. As provas fazem-se junto à loja, que expõe parte do espólio generoso da casa, que produz 150 mil litros por ano.

A H.M.Borges, no centro do Funchal.

Há quatro gerações que a H.M.Borges produz Vinho Madeira.

Ali perto, a visita segue pela Blandy’s Wine Lodge, que com a sua adega de Vinhos Madeira, trouxe nova vida a um mosteiro franciscano do século XVII. O núcleo museológico explica solos, castas e técnicas de vinificação, mas também se debruça pela arte da tanoaria, relativa à construção e reparação de pipas e tonéis. Os vinhos provam-se no final, testemunho de uma empresa familiar que se apaixonou pelo fortificado madeirense há mais de dois séculos.

A Blandy’s mantém um legado na produção vínica de dois séculos.

Na Blandy’s Wine Lodge, no Funchal, há visitas à adega e provas.

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Morada
EN 223, 136, Calheta
Telefone
291824086


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Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Caminho do Lombo do Salão, 13, Calheta
Telefone
291146910
Horário
Restaurante Razão: das 8h às 22h, todos os dias.


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Morada
Estrada do Cardo, 117, Boaventura, São Vicente
Telefone
925864904


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Morada
São Vicente, Madeira
Telefone
291101022


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Morada
Rua Dom Afonso Henriques, 16, Machico


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Morada
Estrada Ribeira Garcia, Lote 8, Câmara de Lobos
Telefone
291761829
Horário
Visitas às 11h30 e 15h30, todos os dias.


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Morada
Rua 31 de Janeiro, 83, Funchal
Telefone
291223247
Horário
Das 9h às 12h30 e das 14h às 17h30. Não encerra.


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Morada
Avenida Arriaga, 28, Funchal
Telefone
291740103
Horário
Das 10h às 18h30. Não encerra.

Website

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Morada
Rua Maria Ascensão, Camacha
Telefone
938799379
Horário
Das 11h às 23h, todos os dias.


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